Quase 42% dos reclusos dizem que cometeram crimes sob o efeito de drogas
Inquérito procurou perceber a evolução do consumo de drogas entre os reclusos. Mais de 69% já consumiram estas substâncias ao longo da vida, em metade dos casos dentro da prisão.
O trabalho, realizado pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP) e promovido pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), em articulação com a Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (SGRSP), contou com inquéritos conduzidos em Outubro de 2014 junto de 20% da população reclusa, num total de 2749 pessoas de 47 das 49 prisões. O inquérito já tinha sido feito em 2001 e em 2007, pelo que é possível perceber algumas mudanças nos comportamentos, destaca a investigadora Anália Torres.
A coordenadora do trabalho explica que este inquérito surge numa altura em que a população reclusa voltou a aumentar e salienta que está também mais envelhecida, com uma média de 37,9 anos quando em 2007 eram 35,7. Há também uma subida no desemprego, que era de 15,7% e passou para 26,6%, “o dobro da média nacional”, sublinha Anália Torres. Há também mais reclusos que viviam em união de facto e que têm filhos. Pelo contrário, os casos de VIH/sida desceram de 10% para 3,8%, mas a investigadora alerta que há um dado que pode vir a comprometer esta melhoria: no campo dos comportamentos quase 80% dos inquiridos disseram não utilizar preservativo nas visitas íntimas e 72,1% nunca o usam noutros contextos sexuais.
Em termos da ligação entre o consumo de drogas e os crimes cometidos, a correlação é a cada vez menor. Mais de 47% dos crimes declarados pelos inquiridos não estão relacionados com estas substâncias, quando em 2007 o valor era de 32,6% e em 2001 de 27,1%. Já o álcool foi apontado por 20% dos reclusos como tendo ligação com os crimes pelos quais foram condenados. Para Anália Torres, este dado sobre as drogas pode sugerir uma “alteração dos padrões de criminalidade”, mas apenas nos homens, já que entre as mulheres reclusas houve um reforço da relação entre a detenção e o consumo ou tráfico.
Por outro lado, questionados sobre o consumo de drogas aquando da altura em que cometeram os crimes, 41,7% dos inquiridos disseram que estavam sob o efeito de drogas, 27,7% de álcool e quase 7% de ambos. Esta foi uma das novas questões introduzidas em 2014, pelo que não é comparável com os anos anteriores. Quanto a consumos de drogas no geral, houve um aumento de 63,6% em 2001 para 69,1% neste inquérito. Em 2001 o valor foi intermédio, de perto de 66%. A cannabis, cocaína e heroína continuam a ser as substâncias mais consumidas ao longo da vida mas estão em queda e parecem estar a ceder lugar a novas substâncias como outros estimulantes, cogumelos e outros alucinogénios, assim como metadona ou outros medicamentos consumidos em receita médica. O aparecimento de mais drogas obrigou a uma evolução do inquérito, que nas outras edições listava apenas sete substâncias e agora conta com 18.
Apesar do aumento do consumo geral, dentro das cadeias a realidade está mais controlada, adianta Anália Torres. Dos 69,1% que consumiram ao longo da vida, 47,9% disseram que o fizeram dentro da prisão. Em 18,8% dos casos a cannabis foi a droga eleita, seguida por 6,4% de hipnóticos e sedativos sem receita médica e 5,3% de casos de heroína, que é cada vez mais residual e que está em queda em conjunto com as restantes substâncias injectáveis, com excepção para os esteróides. O director-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Rui Sá Gomes, defende que apesar do problema das novas drogas que a realidade nas cadeias está mais controlada – o que se vê no aumento do número de apreensões que reduzem a oferta para os reclusos. Por exemplo, em 2014, as apreensões de haxixe aumentaram 35%, as de cocaína 47%.
O trabalho olhou também para outras substâncias que causam dependência e concluiu que 65,2% dos reclusos fumam ou já fumaram, quando o valor na população total em Portugal é de 46,2%. Quanto ao álcool, 63% já beberam ao longo da vida e 16% fizeram-no na cadeia. Um terço dos reclusos já jogaram a dinheiro e destes, mais de 60% continuam a fazê-lo na cadeia, mas em troca de alimentos, roupa, drogas ou outros produtos.