O risco e o brilho da política
Ministros transversais servem para gerir integradamente políticas que exigem uma ação conjugada e persistente de vários departamentos de um governo.
Não vou aqui usar os pergaminhos sobre o que anteriores governos do PS fizeram no combate à burocracia. Conheço o tema relativamente bem, como seria de esperar. Coordenei seis programas Simplex e mais três com as autarquias. Sei o que resultou e também sei o que falhou. Poderia usar aqui diversas fontes para provar algum sucesso do programa em tarefas complicadas, números que mostram a redução significativa de encargos administrativos para cidadãos e empresas (foi medido o antes e o depois), inquéritos à perceção dos cidadãos feitos por entidades independentes e certificadas e avaliações externas não caseiras que demonstram à exaustão que tal acusação não procede, bem pelo contrário. Ignoremos por ora esses factos, que servem para fazer história, sem contudo os esquecer.
Vou apenas discutir a citada proposta de António Costa. Ministros transversais, de resto ministros sem ministérios, servem para gerir integradamente políticas que exigem uma ação conjugada e persistente de vários departamentos de um governo. É o que acontece com o desenvolvimento do território, a modernização administrativa ou o mar, o qual, por exemplo, depende de áreas como o ambiente, a ciência, a energia, as pescas, a defesa e outras infraestruturas, como os portos. Servem também para focar a ação política de um governo em certas prioridades.
Podemos achar que as prioridades devam ser as propostas pelo Secretário-geral do PS ou outras. Mas a ideia não é “burocrata”, pelo contrário; não multiplica estruturas, nem funcionários e está alinhada com a reflexão mais recente que se tem feito em matéria de organização de centros de governo. Recordo a recente orgânica da Comissão Europeia e, entre muita outra literatura séria sobre o tema, cito a carta que Geoff Mulgan escreveu este ano ao futuro primeiro ministro britânico, onde defendia exatamente este tipo de orgânica, lembrando que os “silos” (isto é, as estruturas verticais em que se reparte a administração, eles sim, típicos da burocracia governamental tradicional) são um problema para qualquer líder que pretenda governar bem.
A opinião de Mulgan vale o que vale, ainda que seja um conceituado cientista político inglês, com experiência prática de governação, atualmente diretor da NESTA, uma prestigiada fundação dedicada à inovação social e no sector público, e consultor nesses domínios em vários lados por esse mundo fora. Enfim, convenhamos que será pelo menos difícil afirmar que se trata de um espírito burocrata.
Propostas inovadoras na forma de organizar o governo ou outras instituições nunca são simples de pôr em prática, mesmo quando a sua racionalidade é bastante convincente. Mas correr o risco de inovar é precisamente o que distingue os querem pôr em causa a burocracia e os outros. Para mim é mesmo o que dá brilho à política, o que destaca os que não se limitam a fazer mais do mesmo, sobretudo quando mais do mesmo já não chega para obter grandes resultados.
Professora catedrática, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra