“O país criou muitos ricos, mas Passos Coelho nunca se deslumbrou com isso”

Teresa Leal Coelho, vice-presidente do PSD, assegura que o primeiro-ministro “bateu o pé à troika” para que os sacrifícios “não fossem tão acentuados". Honrada por lhe chamarem “passista”, acusa António Costa de “incongruência” entre a gestão da Câmara de Lisboa e as propostas para o país.

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"Nós iremos lutar para garantir a maioria da coligação nas próximas eleições", diz Teresa Leal Coelho Nuno Ferreira Santos

Se o Tribunal Constitucional voltar a chumbar o enriquecimento injustificado, significa que tem de se alterar a Constituição para ser possível este crime?
Não é este o nosso entendimento. Esta formulação do enriquecimento injustificado responde a todos os requisitos suscitados pelo acórdão do Tribunal Constitucional em 2012. Estamos convencidos de que este diploma chegará a bom termo. É também nosso entendimento que a Constituição admite a criminalização do enriquecimento injustificado no actual quadro e não necessita de qualquer revisão constitucional. No primeiro semestre de 2015 foram desencadeadas tantas investigações criminais no foro da corrupção como em todo o ano de 2014. O que significa que o trabalho que temos vindo a desenvolver em matéria de reforma da justiça começa a mostrar resultados efectivos com os meios existentes.

O que é que precisamente contribuiu para esse aumento?
Desde logo aquilo que têm sido orientações de política criminal por parte deste governo. Nós colocámos o combate à corrupção como uma prioridade. Um conjunto de reformas foram introduzidas: a reforma da justiça, do processo penal, do processo civil e outras.

Essas reformas e orientações podem estar relacionadas com o processo Sócrates?
Não estão de todo. Até porque o processo Sócrates é posterior a 2011. O que significa que, em 2011, quando elaborámos o programa de governo, fizemo-lo tendo a percepção de que a corrupção era e ainda é, de certa forma, um flagelo em Portugal. Relativamente à criminalização do enriquecimento injustificado, o PSD tem um longo percurso que tem já dez anos e três presidentes do partido.

Como é que encara as ameaças de morte de que foi alvo por querer tornar público o registo de interesses do secretário-geral dos Serviços de Informações da República (SIRP)?
Considero que essas ameaças de morte, ou essas tentativas de intimidação por meios informáticos, nada têm a ver ou não têm a ver especificamente com a questão do registo de interesses do secretário-geral ou dos membros do Conselho de Fiscalização. O combate à corrupção passa também pelo combate pela transparência, com instrumentos que garantam efectiva transparência daqueles que titulam cargos públicos, cargos políticos mas não só.

Sobre a revelação das filiações secretas pelo secretário-geral do SIRP, o próprio diz que está em causa a sua segurança e da família. Consegue compreender?
Não, não consigo. Antes de mais, a lei que estabelece o registo de interesses para o SIRP e os membros do conselho de fiscalização está em vigor há largos meses. Não há nenhuma inovação. Li atentamente o parecer do secretário-geral do SIRP e ele fez essa apreciação, mas não de uma forma tão intensa como foi noticiada pela comunicação social.

Mas diz que essas exigências são desproporcionadas…
Não entendo como é que a transparência e o registo de interesses possa pôr em causa a segurança do secretário-geral do SIRP nem isso está fundamentado no parecer. O que é novidade é a proposta de lei que vem atribuir mais instrumentos ao serviço de informações, que são cruciais para a segurança dos portugueses. Temos de garantir aos cidadãos em geral maior confiança e credibilidade no sistema de informações da república. O SIRP e os membros do conselho de fiscalização são entidades que têm acesso a segredos de Estado. Parece-me totalmente proporcionada a exigência de um registo de interesses nesta matéria.

Falemos de legislativas. Acha que este vosso discurso do medo na campanha vai convencer os eleitores?
Não me parece que haja o discurso do medo. A coligação há quatro anos pediu oito anos de governação. E sabíamos que nos primeiros quatro anos teríamos de criar estabilidade financeira que é o pressuposto do crescimento. Este modelo de desenvolvimento, que se sustenta em iniciativa económica privada, em investimento estrangeiro e exportações, tem trazido resultados claríssimos mesmo em período de ajustamento financeiro. Ao contrário do que se passa com o modelo de desenvolvimento a que o PS nos habituou, sustentado em investimento público em obras faraónicas e se traduziu em investimento não reprodutivo. Por isso mesmo nós tivemos três períodos de pré-bancarrota que nos levaram a três resgates financeiros. Todos eles foram consequência de governação do PS. Os portugueses têm a clara percepção de que o PS não se distanciou deste modelo de desenvolvimento.

Relativamente à Grécia, esse discurso de desvalorização sobre o contágio de uma eventual saída da zona euro não é perigoso?
Uma das preocupações que o Governo teve nos últimos quatro anos foi não permitir sobressaltos. O que o primeiro-ministro disse é que estamos preparados para fazer face às dificuldades que surgirem. Há um ano, nada fazia prever que a Grécia seguisse este caminho, isso aconteceu em razão de opções políticas que foram feitas…

Uma escolha em democracia…
Em democracia mas com o dinheiro dos outros.

Se a Grécia sair do euro não estamos a construir um projecto europeu com défice democrático?
Porquê? A Europa é que tem de acertar o passo pela Grécia? Na zona euro há regras que a Grécia assumiu cumprir. Em democracia as decisões são soberanas, mas há aqui uma lógica de vasos comunicantes porque a despesa pública grega tem de ser, em parte, assegurada pelos contribuintes de outros países, designadamente por Portugal.

Acha que é credível um cenário de governo de Bloco Central, se não houver uma maioria absoluta?
Nós iremos lutar para garantir a maioria da coligação nas próximas eleições.

O Governo gaba-se de ter feito muitas reformas, mas há riscos que permanecem, como o do  sector financeiro. E também não fez a reforma das carreiras na Administração Pública...
Vamos por partes. As reformas que esta coligação fez foram efectivas na justiça, na defesa, na segurança social e na questão laboral, na descentralização administrativa. Há reformas que não foram levadas a cabo por terem sido impedidas em razão de acórdãos do Tribunal Constitucional, seja no âmbito da Segurança Social, seja na administração pública. Quanto à segurança social, a reforma tem de ser feita em consenso com o PS. O que vimos no programa do PS é um conjunto de medidas avulsas que poderão agravar manifestamente um problema. Essas medidas, como a descida da TSU, terão de ser compensadas através do Orçamento do Estado. Há uma coisa que o PS não quer perceber: não temos outros meios de financiamento da despesa pública a não ser pela receita fiscal.

António Costa vangloria-se de ter gerido bem o orçamento e a dívida da Câmara de Lisboa…
Estamos a falar num orçamento que não chega a 800 milhões de euros quando o orçamento do Estado ascende a 160 mil milhões de euros. É uma realidade completamente distinta. E ainda assim, nos quase oito anos que António Costa actuou enquanto presidente da câmara, não diminuiu a dívida. A dívida foi diminuída já na governação da coligação, por intervenção do Governo da República, que assinou um memorando com o qual financiou a câmara municipal e designadamente a dívida em 286 milhões de euros, que vieram a abater à dívida da câmara. Feitas as contas, retirando a intervenção do governo, a dívida subiu em cerca de 4,6% daquilo que herdou. E António Costa fez privatizações na câmara, só não fez mais porque não conseguiu. Estou a falar de venda de património da câmara. Só no ano de 2015 arrecadou cerca de 46 milhões.

Há aqui uma outra incongruência. António Costa deu uma entrevista a este jornal em que disse que, quando chegasse ao governo, ia acabar com os outsourcings e com as consultadorias. O orçamento de António Costa para 2015 integra 2,2 milhões de euros de outsourcing. Pedro Passos Coelho escolheu levar para o governo a linha de orientação contrária. Em 2011, criou um governo mais pequeno e moralizou aquilo que eram os gastos excessivos. Foram eliminados os cartões de crédito, as despesas de representação e diminuídas as assessorias. Aquilo que António Costa prometeu em termos de assessorias, Passos Coelho fê-lo ao nível governamental nos últimos quatro anos.

O caso Tecnoforma e o incumprimento das suas obrigações fiscais manchou a imagem do primeiro-ministro? 
O caso Tecnoforma é um não-caso. A oposição – ou a comunicação social a reboque – cria sistematicamente casos porque tem sido estratégia do PS criar um ruído ensurdecedor que impeça de chegar a casa das pessoas a verdade dos factos, o resultado da governação. E com intensidade elevadíssima. Esse caso Tecnoforma foi criado e colocado na praça pública para denegrir a imagem do primeiro-ministro. O primeiro-ministro deu todos os esclarecimentos nessa matéria na sede própria e tudo o resto não passou de insinuações.

A troika foi irrazoável na execução do memorando?
A troika sabe hoje, como este governo veio a saber, que o memorando de entendimento foi ajustado com base em pressupostos incorrectos. Havia dívida desorçamentada, a dívida das empresas públicas estava fora do perímetro orçamental, o que significa que o défice e a dívida eram superiores.

Se o desenho do memorando não foi bem feito então não se devia ter redesenhado?
Quando o primeiro-ministro alertou para esse problema, viu-se na contingência junto da troika de corrigir estes números, mas simultaneamente bateu o pé para não criar condições ainda mais gravosas para os portugueses nas soluções que o governo foi encontrando. Algumas delas não viram a luz do dia porque foram chumbadas pelo Tribunal Constitucional.

Em que é que o primeiro-ministro bateu o pé à troika?
Bateu o pé para que, apesar da dívida e dos pressupostos apresentados pelo PS à troika não estarem correctos, as medidas a adoptar o fossem de forma mais gradualista e por isso exigiu e conseguiu a flexibilização das metas do défice. Se não tivesse conseguido essa flexibilização, os sacrifícios teriam sido ainda mais acentuados.

A maioria falou durante muito tempo em consensos, mas na prática – no Parlamento, em particular – fizeram muito pouco trabalho nesse sentido. Reformas ficaram pelo caminho por falta de diálogo. O que falhou neste sentido?
Exclusivamente a vontade do PS. O PS nunca esteve disponível para consensos. O PS esteve sempre virado para si próprio, o que é absolutamente lamentável.

Sente que por ter uma voz mais livre isso não é bem-vindo no PSD?
Não sinto. É um partido de enorme diversidade. Quando Pedro Passos Coelho assumiu a liderança do PSD dizia-se isso dele, que tinha grandes níveis de contestação.

É uma forte defensora de Passos Coelho, sente que é a única passista no PSD?
Não, não sinto. Fico muito honrada de ser chamada de passista. Não sei se existe essa linha de orientação do passismo, mas devo dizer que tenho muito orgulho no presidente do partido e no primeiro-ministro de Portugal. Conheço Pedro Passos Coelho há muitos anos e não é uma pessoa qualquer. É uma pessoa com qualidades excepcionais e nestes 40 anos de democracia nunca se deixou seduzir por uma certa deriva ou um certo deslumbramento pelas condições económico-financeiras que foram garantidas a alguns, a partir de determinada altura. Nestes 40 anos de democracia, o país foi próspero, houve bastante dinheiro a rolar, não somos um país rico mas fomos um país altamente financiado. Este país criou muitos ricos nestes 40 anos, Pedro Passos Coelho não foi um deles e nunca se deslumbrou com esse facilitismo. Talvez por isso tenha surpreendido alguns quando, nas horas H, aqueles que se habituaram ao longo de 40 anos a ter a protecção dos governos não a tiveram no governo de Passos Coelho.

Está a falar de Ricardo Salgado?
Não estou a falar especificamente de Ricardo Salgado. Estou a falar dos sectores económicos e financeiros ou bancários, daqueles que estavam habituados a ter protecção do Estado, de um estado paternalista, que não se conjuga com o perfil de Passos Coelho.

Marcelo Rebelo de Sousa é o candidato a Belém mais popular. O PSD vai ter de engolir este candidato?
Não se coloca a questão nesses termos. Estamos a trabalhar para as legislativas, depois teremos de constituir governo, e quando efectivamente surgirem as candidaturas, o PSD olhará para elas e tomará uma decisão.

Vê mais Rui Rio candidato a Belém ou presidente do PSD?
Sugiro que me faça essa pergunta em Outubro, quando estivermos nas pré-presidenciais.

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