Descoberto potencial teste de despistagem precoce do cancro do pâncreas?

Os resultados são ainda muito preliminares, mas um novo estudo, cuja autora principal é portuguesa, permite vislumbrar uma possível forma de detectar este cancro para o conseguir tratar antes que se torne letal.

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Umas gotas de sangue poderão bastar para detectar o cancro do pancreas de forma precoce Sergio Moraes/REUTERS

O estudo, cuja autora principal é a cientista Sónia Melo, do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP), mostra que o cancro do pâncreas produz, no sangue dos doentes, uma “assinatura biológica” da sua presença. E sugere que esta assinatura poderá estar presente nos doentes bem antes de o seu cancro ser detectável por métodos convencionais tais como a ressonância magnética ou o exame das alterações microscópicas do tecido afectado.

Mais precisamente, a marca do cancro do pâncreas, descobriram estes cientistas, é uma proteína específica, presente à superfície de diminutas vesículas – chamadas exossomas – que normalmente circulam no sangue.

“Todo nós temos exossomas a flutuar no nosso sangue”, explicou em entrevista à Nature Raghu Kalluri, da Universidade do Texas (EUA) e líder do estudo. Diga-se de passagem que este cientista também tem uma ligação a Portugal: foi o primeiro director do Centro do Cancro da Fundação Champalimaud, em Lisboa.

“Todas as células do nosso corpo se livram do excesso de proteínas de vez em quando e estas passam a circular no sangue dentro dos exossomas, que são umas bolinhas do tamanho de um vírus”, salientou. E como os exossomas informam sobre as células que os produziram, “a nossa ideia foi que talvez fosse possível conhecer a ‘carga cancerosa’ de um doente a partir [das características] dos seus exossomas.”

Foi assim que a equipa descobriu que uma proteína, chamada glipicano-1 (GPC1), só está presente à superfície dos exossomas dos doentes com cancro do pâncreas – e nunca, ao que tudo indica, nos das pessoas que não padecem este cancro.

“Esta proteína também se encontra nos exossomas associados a outros cancros”, explicou ainda Kalluri, “mas no caso do pâncreas, a correlação é de 100%”. Ou seja, todos os doentes com cancro do pâncreas testados apresentavam níveis aumentados de GPC1, enquanto as pessoas sãs ou com lesões benignas do pâncreas não tinham esta proteína.

“Bastaram 150 a 200 microlitros de sangue [correspondentes a três a quatro gotas] para conseguirmos isolar os exossomas no soro e testar a presença da proteína”, diz Kalluri.

Os cientistas realizaram um ensaio clínico – junto de uma centena de doentes com cancro do pâncreas já em estado avançado e de um grupo de pessoas sãs – e viram que, de facto, o teste conseguia distinguir “com absoluta sensibilidade e especificidade”, nas palavras da Nature, os doentes dos não doentes.

O teste também permitiu detectar a presença da proteína em causa nos exossomas de cinco doentes com lesões malignas do pâncreas mais precoces. No entanto, para além desta amostra ser demasiado pequena para permitir avaliar a fiabilidade do teste, estes doentes já tinham sido diagnosticados e já apresentavam sintomas da doença. O que faz dizer a Paul Pharoah, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), em declarações aos jornalistas, que ainda “não há provas de que os exossomas positivos para a GPC1 já estejam presentes no sangue antes que os sintomas se manifestem”.

Esta seria de facto a prova de fogo para um potencial teste de diagnóstico do cancro do pâncreas capaz de salvar vidas – algo que Alastair Watson, da Universidade de East Anglia (Reino Unido) chama de “santo graal da medicina oncológica”. Watson aponta contudo um obstáculo prático à utilização de um teste deste tipo: a sua complexidade, uma vez que exige obter um "concentrado" de exossomas, pode torná-lo difícil de realizar de forma rotineira nos laboratórios de análises clínicas.

Quanto à sua potencial fiabilidade, há contudo um sinal positivo: quando os cientistas testaram a nova abordagem em ratinhos com uma predisposição genética para o cancro do pâncreas, observaram que, nestes animais, era de facto possível detectar a GPC1 nos exossomas mesmo quando as lesões cancerosas dos animais ainda não eram detectáveis por ressonância magnética, explica o IPATIMUP em comunicado.

Apesar de uma óbvia prudência e dos vários problemas que apontam, os vários especialistas inquiridos não escondem que acham estes resultados potencialmente muito importantes.

Em particular, Clotilde Théry, do Instituto Curie (França) que comenta o estudo na mesma edição da Nature, escreve que os resultados “mostram pela primeira vez que as vesículas em circulação no sangue podem ser uma fonte de biomarcadores específicos e fiáveis para o diagnóstico do cancro”. E acrescenta que “as potenciais implicações de um teste deste tipo são gigantescas.”

Kalluri, que não nega que ainda há muito trabalho pela frente para confirmar a real utilidade clínica desta abordagem, mostra-se confiante: “Esperamos que daqui a uns anos seja possível utilizar este resultado para diagnosticar o cancro do pâncreas”, conclui.
 

 

 

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