Quando for grande quero ser agricultor

Existem cerca de seis mil jovens que optaram por seguir uma vida ligada à agricultura. No entanto, a falta de incentivos à prática agrícola deita muitas vezes os sonhos por terra

A paixão de Madalena Esteves sempre foi a agricultura
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A paixão de Madalena Esteves sempre foi a agricultura
Alessandro Bianchi/Reuters
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Há quem sonhe em ser médico, advogado ou professor. Raramente constam destes desejos o de Abílio, por exemplo — ser agricultor. Sempre esteve ligado ao meio agrícola e espera, no futuro, continuar assim. Com 24 anos, é agora estudante de Agronomia no Instituto Politécnico de Viana do Castelo e acredita que o que antes era visto como uma forma de subsistência, pode hoje ser visto “como uma forma de viver”.

Com o êxodo rural houve um certo crescimento económico do país e as pessoas passaram a receber mais dinheiro por outras profissões que não a agricultura. No entanto, Tomás Ribeiro Corrêa, prestes a terminar a licenciatura em Engenharia Zootécnica no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, explica que, hoje em dia, a ciência surge como uma alternativa à agricultura “com muito mais rapidez e a preços mais económicos, apesar de serem produzidos organismos geneticamente modificados que, por vezes, podem conter algumas deficiências e toxicidades”.

Longe estão os dias em que a profissão de agricultor era vista como uma das poucas escolhas profissionais; de momento, torna-se apelativa até para pessoas que trabalham noutras áreas por causa dos dividendos que daí podem retirar. Ainda assim, é preciso mais: “Muitos não pensam em sujar as mãos”, adianta Raúl Pinheiro, empresário agrícola.

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Raúl Pinheiro é empresário agrícola

Segundo o jovem de 31 anos, a adesão a esta profissão tem vindo a aumentar devido ao “retorno à agricultura” por parte de descendentes de proprietários de terras. É o caso de Tomás, que está, neste momento, a gerir uma exploração agrícola de produção de vinho da família juntamente com a sua irmã – a Casa Agrícola Ribeiro Corrêa. Apesar de a viticultura não ser a sua área de estudo, o estudante assegura que “quando uma pessoa trabalha em agricultura gosta de fazer qualquer coisa que esteja relacionada com a mesma”.

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Tomás Ribeiro Corrêa está prestes a terminar a licenciatura em Engenharia Zootécnica DR

Ao contrário de Tomás, e apesar de não ter qualquer propriedade agrícola de família, Madalena Sena Esteves, de 23 anos, licenciada em Engenharia Agronómica e a tirar mestrado em Viticultura e Enologia no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, garante que a sua paixão sempre foi a agricultura e que quer “sair de Lisboa e ir viver para uma vila, uma aldeia ou uma quinta”, onde possa ajudar “a tornar o trabalho dos agricultores mais rentável e eficiente”.

Para Tomás, funciona da mesma forma. Por influência da sua família está ligado ao campo desde pequeno e revela que nunca lhe custou “acordar cedo e ir trabalhar para o campo”. A história de Raúl Pinheiro é diferente. Mesmo passando muito tempo no meio rural, só com 18 anos é que pensou várias vezes na opção como via profissional depois de fazer uma análise de mercado.

Conhecimentos multidisciplinares

Ainda existe um certo preconceito com a área por ser “uma profissão de sofredor que está dependente de tudo”, como explica Tomás Ribeiro Corrêa: “Se formos médicos, temos sempre trabalho garantido; na agricultura só é possível se se tiver dinheiro. E é uma profissão que não é assim tão bem paga quanto isso”. Apesar de este preconceito ser quase sempre à volta do dinheiro, Abílio acredita que a situação se pode inverter devido às exigências que hoje em dia são pedidas: “Não chega ser agricultor, é necessário ser empresário agrícola”.

Para Raúl, faz sentido — só com conhecimentos multidisciplinares (gestão e marketing, por exemplo) é que se consegue progredir e aproveitar os mercados que permitam a exportação para qualquer mercado internacional. E se antes era mais fácil qualquer agricultor produzir e vender de acordo com as suas capacidades, agora é necessário que o empresário tenha uma produção relevante ou que se associe a outros parceiros. Além disso, é preciso ter conhecimentos ou recorrer a aconselhamento técnico para que a produção tenha a maior produtividade possível. Assim, um pequeno produtor necessita de um produto “totalmente diferenciado”, para que não seja engolido pela concorrência.

Porém, a dificuldade de acesso a crédito para financiar o investimento inicial leva ao recuo de entrada no negócio. Segundo Tomás, “o Governo tem dado apoios, mas não os suficientes”, acrescentando que “falta algum apoio na exportação de produtos”. Já Madalena pensa de forma diferente: “O Governo dá muitos apoios a jovens agricultores; basta apresentar um projecto que será, posteriormente, avaliado para que seja rentável”.

Jovens querem uma carreira 

O JPN falou com a Associação de Jovens Agricultores de Portugal (AJAP), que acredita que com o pacote de ajudas do PDR 2020 pode existir o apoio necessário ao investimento das explorações agrícolas destes jovens.

Ainda assim, de acordo com Firmino Cordeiro, director geral da associação, Portugal é o país com o “percentual mais baixo” de jovens agricultores na Europa. Ou seja, torna-se “imperativo”, de acordo com a mesma fonte, criar mais formação vocacionada para os jovens: “Deveria existir, por exemplo, um programa de acompanhamento após a instalação”.

Apesar de alguns entraves ou de situações mais difíceis, todos estes jovens agricultores concordam com a mesma ideia: a agricultura é essencial: “Nós não nos alimentamos se não houver alguém a tratar da terra”, remata Madalena, acrescentando que o futuro está em “apostar nas coisas boas que temos”.

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