No início de Abril, a Academia Portuguesa de Cinema (sim, existe mesmo) deu a conhecer os vencedores dos Sophia, os prémios que visam enaltecer a “excelência em realizações cinematográficas”. Tanto quanto se sabe e sabe-se pouco, nesse ano, apenas se fizeram dois filmes em Portugal e, por isso, os prémios foram mais ou menos divididos entre “Os Gatos não têm Vertigens” e “Os Maias — Cenas da Vida Romântica”.
Alguns meses mais tarde, “Cavalo Dinheiro” de Pedro Costa desata a coleccionar prémios um pouco por todo o mundo e “As Mil e Uma Noites” (filme já deste anos) de Miguel Gomes vence o Festival de Cinema de Sidney. Tudo isto é orgulhosamente noticiado pelos órgãos de comunicação social portugueses, embora aqui entre nós se saiba que não se ouviria um pio caso estes dois filmes não fossem distinguidos além-fronteiras. Sem colocar a credibilidade dos Prémios Sophia e dos média nacionais em causa, até que ponto é que o verdadeiro cinema sai valorizado em Portugal? Se existe um fosso tão grande entre o que é premiado cá e o que é valorizado lá fora, quem tem razão?
Thomas Mann disse um dia que preferia participar na vida a contar cem histórias. É uma pena que no cinema português poucos concordem com ele. Ninguém quer saber quem matou ou está a matar o cinema português. As pessoas querem saber quem matou o António e o problema começa aí. Os filmes comerciais que em Portugal vêem a luz do dia (através de apoios) são naus à deriva numa indústria que nem existe. Não há uma finalidade para o nascimento da obra. O facto de haver sempre um par de mamas algures já é letra morta, mas a absência de um propósito e de um conceito continua a ser uma triste realidade.
Os filmes ditos “comerciais” são por cá lixo televisivo de grande ecrã, que nem a decência têm de seguir fórmulas e estereótipos que façam deles sucessos de bilheteira. O público quer ver telenovelas e esses realizadores não cumprem aquilo a que se propõem: fazer cinema comercial. Os filmes valorizados por cá não chegam a ser cinema, são telenovelas cinematográficas e vencem prémios e tudo.
Por estes dias, Miguel Gomes e Pedro Costa são Carlitos a desafiar os Eduardos do sistema. O cinema português faz lembrar uma padronizada, estereotipada e ampla sala de aula. Na frente estão as meninas bem comportadas, previsíveis, algo limitadas e sempre atentas a todas as vírgulas que o professor pode ditar para a sebenta. Têm uma obsessão por agradar, muitas vezes não sabem como, mas acabam sempre por tirar boas notas e por conseguirem a atenção desejada. António-Pedro Vasconcelos é actualmente o melhor exemplo de uma dessas meninas.
Muitas vezes, o talento e o génio estão nas filas de trás. Gomes e Costa estarão por certo lá para trás, meios escondidos, com a resposta na ponta da língua, mas sem grande vontade de levantar a voz. Para quê? O público é dos da frente. As atenções são para aqueles que aparecem, mesmo que apareçam por aparecer, como acontece com os filmes valorizados nesta ocidental praia lusitana. Fernando Lopes e João César Monteiro foram outros que também passaram as aulas a jogar QuizUp ou Crossy Road (talvez Tetris e Arkanoid) e só tiveram algum destaque no clube de leitura e no desporto escolar. Sobre ou subvalorizado, o verdadeiro cinema português anda e sempre andou por aí. Negligenciado e escondido atrás de cabeças grandes e ocas, mas sempre esteve por aí. Na última fila.