As independentes Manuela Carmena e Ada Colau fazem história em Espanha
Tomada de posse dos orgãos autárquicos confirma reconfiguração do mapa político espanhol, com a esquerda a garantir o governo na maioria das capitais de província. Independentes e forças de esquerda acabam com domínio do PP no poder local.
Numa jornada classificada como histórica pela imprensa espanhola, mais de oito mil novos dirigentes autárquicos iniciaram funções, depois de “cozinhados” os pactos e as alianças de poder e negociadas as equipas de conselheiros (vereadores) dos governos locais – um processo que consagrou a viragem à esquerda na gestão municipal.
Segundo resumia o El Mundo, na eleição dos novos autarcas, “a esquerda arrebatou ao PP quotas de poder históricas”, com a fixação de acordos entre o PSOE, o Podemos e outras formações nacionalistas e independentes de forma a garantir o poder em 37 das 54 capitais de província do país. Os populares, que além de liderarem o Governo eram a força dominante a nível local, aguentaram apenas 17 das 43 capitais que antes governavam: o colapso territorial, prossegue o diário, deixa o partido a braços com “uma crise de organização inédita”.
Os conservadores reagiram ao desaire já com as legislativas em vista, lembrando que foi o partido com mais votos nas municipais de 24 de Maio e denunciando a estratégia dos socialistas, que para chegar ao poder aceitaram aliar-se às “forças extremistas” e levar a cabo “projectos radicais”, censurou. Entre as perdas mais duras destacavam-se os casos de Valencia, Cádiz ou Valladolid, território de alcaides históricos do PP. E tal como os seus rivais, tiveram de assinar um pacto - com os Ciudadanos de centro-direita - para manter o governo de cinco capitais de província, entre as quais Almería, Granada ou Burgos.
Pelo seu lado, os socialistas apresentaram-se como os “líderes da mudança política” em Espanha. “Os espanhóis votaram pela pluralidade, pelo diálogo e pela mudança e é precisamente aí que o PSOE lidera, porque as nossas prioridades correspondem às preocupações dos cidadãos”, sublinhou o secretário de organização e número dois do partido, César Luena, citado pelo El País. Os socialistas conseguiram arrecadar para si 16 capitais (antes tinham nove), entre as quais importantes cidades como Sevilha, Córdoba e Palma de Maiorca.
Foi o apoio do PSOE que projectou Manuela Carmena para a presidência da câmara de Madrid. O acordo alcançado na capital entre os socialistas e o Podemos, que promoveu a plataforma “Ahora Madrid” desde o início da campanha, abre a porta a novos entendimentos tácticos nas próximas eleições de Novembro, indicou o líder do Podemos, Pablo Iglesias. “[Os socialistas] vão apoiar-nos neste governo, estamos muito satisfeitos, e também convencidos de que no futuro também seremos capazes de chegar a acordo para ganhar as eleições [legislativas] ao PP”, indicou, à televisão La Sexta.
PSOE e Podemos (em nome de movimentos independentes) fizeram uma frente comum contra os populares para assegurar maiorias em todos os casos em que a união dos votos era indispensável para afastar os populares do governo. Além de Madrid (onde a candidata do PP obteve mais 44 mil votos do que a sua adversária) e de Barcelona, a aliança de esquerda funcionou na Corunha, em Saragoça, Valência e Cádis. “As principais cidades estão nas mãos de forças políticas e de lideranças que defendem a mudança de 180 graus, pela transparência e por políticas ao serviço da maioria empobrecida”, considerou o número dois do Podemos, Íñigo Errejón.
No seu discurso aos madrilenos após a posse, Manuela Carmena garantiu “a todos os que sofrem e vivem com angústia" que vão melhorar a sua situação, e deixou uma palavra aos que não votaram nela, e poderiam ter ficado impressionados pelas palavras da sua principal rival eleitoral, Esperanza Aguirre, que a descreveu como uma incógnita e uma mulher sem ideologia. “Não precisam de ter medo de mim nem do meu governo”, tranquilizou Carmena, “as nossas propostas baseiam-se numa maior equidade, no incremento da honestidade pública, da eficiência das despesas, numa estrutura de participação efectiva e numa nova captação de investimento”, enumerou.
Sem perder tempo depois das formalidades institucionais, a nova edil anunciou logo na hora algumas das suas primeiras medidas, uma das quais foi assinada logo a seguir à cerimónia: a abertura das cantinas escolares durante o Verão.
Em Barcelona, a cerimónia de posse de Ada Colau foi seguida em directo por milhares de pessoas a partir de um ecrã gigante instalado na Plaza Sant Jaume: a sua proclamação como presidente da câmara foi celebrada com gritos de “Sí, se puede”, a palavra de ordem repetida pelas campanhas independentes. “Estou muito grata à cidadania por ter tornado isto possível”, agradeceu Colau.