O príncipe herdeiro prepara a subida ao trono da Samsung

O maior grupo empresarial da Coreia do Sul está a aproximar-se de uma mudança na cúpula. O filho do actual presidente, e neto do fundador, é o sucessor mais provável.

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A liderança da Samsung, um enorme conglomerado, está em fase de mudança REUTERS/Albert Gea
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Lee Jae-yong (esquerda), prepara-se para suceder ao pai Reuters

A Samsung é o maior conglomerado empresarial da Coreia do Sul e um dos dez maiores do mundo. Nos anos recentes, tornou-se líder mundial nos telemóveis, rivalizando com a Apple nos smartphones e mostrando uma capacidade de adaptação que faltou à Nokia. A marca também é conhecida pelos muitos aparelhos de electrónica: de computadores a frigoríficos e televisões. Mas esta é só uma das facetas do grupo.

As actividades do império Samsung estendem-se a muitos outros sectores, onde a presença da empresa é menos conhecida no mundo ocidental: os seguros e serviços financeiros, a construção naval, a indústria têxtil, o turismo e a química pesada, entre outros. As receitas anuais rondam os 300 mil milhões de dólares, um valor superior ao PIB português e que representa cerca de um quarto do PIB sul-coreano.

A liderança deste enorme conglomerado está em fase de mudança, depois de o presidente da Samsung Electronics (a fabricante de telemóveis) ter sofrido um ataque cardíaco no ano passado. Lee Kun-hee, de 73 anos, está desde então internado. As informações sobre o estado de saúde do empresário são escassas e vagas, levando a que um site noticioso de Seul, The Korean Observer, já tenha escrito o título que está implícito em muitos artigos da imprensa sul-coreana: "O presidente da Samsung, Lee Kun-hee, está morto ou vivo?". 

A Samsung já afirmou que o seu presidente (ou chairman) está a melhorar. Mas não restam dúvidas de que a substituição está para breve. E têm-se vindo a acumular os sinais de que solução deverá ser a sucessão dinástica que é a única forma de passagem de testemunho que o grupo conheceu nos seus 77 anos de história -- e que tem motivado críticas na Coreia do Sul, um país de forte tradição familiar, mas onde, segundo a imprensa, está a cair a tolerância pelos "príncipes herdeiros" dos impérios empresariais.

No mês passado, foi anunciada uma fusão entre duas empresas do grupo. O negócio faz parte de uma estratégia de consolidação de poder por parte de Lee Jae-yong, filho de Kun-hee. O negócio, a concretizar-se, colocará Jae-yong mais bem posicionado para herdar o lugar de topo na Samsung Electronics, que é a jóia da coroa do grupo e responsável por mais de metade da facturação total.

O plano implica que a Cheil Industries, uma empresa do grupo que desenvolve produtos químicos e tem uma marca de roupa, compre a Samsung C&T, uma empresa de construção que também tem um fundo de investimento. 

A Cheil, de que Lee é o maior accionista, controla a Samsung Life Insurance, que por sua vez é a maior accionista da Samsung Electronics. Na prática, aquela empresa (que foi fundada em 1954, mas só entrou em bolsa no final do ano passado) funciona informalmente como uma holding de topo.

Embora a proposta de compra da Samsung C&T aponte sinergias entre os dois negócios, o grande interesse de Lee é a participação de cerca de 4% que a construtora tem no capital da Electronics. Se a compra avançar, Lee será o maior accionista da empresa resultante da fusão. Entre os accionistas de referência estarão também as suas duas irmãs, que ocupam cargos executivos noutras empresas Samsung, e o pai. 

Não é, contudo, certo que o negócio avance. O Fundo Nacional de Pensões sul-coreano, o maior accionista da C&T, poderá vetar o processo, tal como fez com uma outra tentativa de fusão entre outras duas empresas do grupo, há alguns meses. E há também investidores mais pequenos que se poderão opor à compra.

O negócio seria feito inteiramente em acções e a proposta valoriza cada acção da C&T em apenas 0,35 acções da Cheil. Na Coreia do Sul, este rácio não é uma oferta do comprador. Segue, antes, uma fórmula com base na cotação das duas entidades durante um determinado período de tempo. Neste caso, o momento é a chave do negócio: a proposta foi feita numa altura de grande valorização das acções da empresa controlada por Lee Jae-yong e quando as acções da C&T atravessam uma fase de cotação abaixo da média. Mesmo não contabilizando o negócio da construção, só as participações da C&T noutras Samsungs, incluindo na Electronics, valem ligeiramente mais do que o valor proposto pela Cheil. A intenção de Lee está a ser controversa.

Lee Jae-yong, 46 anos, divorciado e com dois filhos, é o terceiro homem mais rico da Coreia do Sul, de acordo com a revista americana Forbes. Tem um doutoramento pela reputada Harvard Business School, nos EUA, passou por cargos executivos na Samsung Electronics, onde é ainda vice-presidente. É também conhecido por Jay Y. Lee, uma versão mais ocidentalizada do nome. Tanto a imprensa ocidental e como a oriental o descrevem como mais reservado e menos carismático do que o pai. Mas, ao contrário deste, tem a vantagem de não ter no cadastro nenhuma condenação por fraude.

Em 2008, Lee Kun-hee viu-se a braços com um processo na justiça que começou precisamente com acusações de ter causado danos financeiros ao grupo ao tentar passar ilegalmente o controlo da empresa para as mãos do filho. Foi absolvido daquela acusação, mas acabou condenado a uma pena de prisão suspensa por crimes financeiros e evasões fiscais. Apenas quatro meses depois, recebeu uma amnistia do Governo, para que pudesse liderar a candidatura da cidade de PyeongChang à organização dos Jogos Olímpicos de 2018. A candidatura foi bem-sucedida. No início deste processo, demitiu-se da presidência, mas voltou ao posto dois anos depois.

Lee Jae-yong tem um currículo mais limpo, mas não isento de casos que lhe trouxeram danos de reputação. Há dois anos, acusações de que um dos seus filhos tinha tido acesso privilegiado a uma escola de topo (os sul-coreanos são conhecidos por serem extremamente exigentes com a educação dos filhos) levaram-no a fazer rapidamente um pedido público de desculpas.

O caso começou quando um membro das autoridades locais de Seul afirmou que um dos filhos do empresário entrara para aquela escola, apesar de não ter notas para isso. O acesso teria sido feito ao abrigo de uma cláusula especial para alunos socialmente desfavorecidos, que se podia aplicar a filhos de pais solteiros ou divorciados. O jovem acabou por sair voluntariamente da instituição. "Peço desculpa por ter causado problemas nos assuntos relacionados com a escola do meu filho. Julgo que o correcto é o meu filho sair da escola, já que a controvérsia sobre o assunto disparou. É culpa minha que não tomei bem conta dele", afirmou então o empresário, num comunicado.

A postura mais discreta de Lee Jae-yong, que contacta pouco com a imprensa, não basta, porém, para uma boa imagem pública. A falta de legitimidade e de experiência para o cargo de presidente são dois pontos frequentemente apontados na imprensa económica sul-coreana. Por outro lado, a sombra dos antecessores é grande.

O avô fundou a pequena empresa de distribuição de mercearias que deu origem ao grupo. O pai, que assumiu a presidência em 1987, duas semanas após a morte do fundador, conduziu os negócios por quase três décadas de grandes mudanças na electrónica de consumo: da proliferação de computadores pessoais, ao aparecimento dos primeiros telemóveis e de muitas outras novas categorias de produtos. Foi também o responsável por tornar o fabrico de semicondutores (os chips dos processadores) um negócio central do grupo -- e um negócio que faz com que a Samsung seja hoje um dos grandes fornecedores da Apple, com a qual tem simultaneamente uma relação de parceria e de intensa rivalidade, nomeadamente nos tribunais, onde se digladiaram com acusações mútuas de violação de propriedade intelectual.

Se Lee Jae-yong herdar o cargo do pai, um dos desafios será manter o ritmo da empresa no importante mercado dos telemóveis. A Samsung é líder mundial, quer se façam as contas apenas ao mercado dos smartphones, ou se incluam também os telemóveis convencionais. Mas a concorrência está a apertar.

No ano passado, teve 25% do mercado de smartphones em termos de unidades vendidas, segundo números da analista IDC. Em 2013, tinha tido 31%. A quota da Apple, a principal rival, manteve-se relativamente estável, em torno dos 15%, ao passo que o mercado cresceu 28%. No último trimestre do ano passado, as duas estiveram praticamente empatadas, embora a Samsung tenha recuperado a liderança nos primeiros três meses deste ano.

O negócio de telemóveis da Samsung é muito diferente do da Apple. Enquanto os iPhones são telemóveis de topo, com grandes margens de lucro para a marca, a Samsung produz modelos para praticamente todos os preços. E, embora a Samsung controle o fabrico de boa parte dos componentes dos seus telemóveis, está dependente do sistema Android, desenvolvido pelo Google e que equipa praticamente todos os smartphones da marca (alguns também têm Windows Phone). A Apple, pelo contrário, tem um sistema próprio, algo que a Samsung tem estado a desenvolver, mas que praticamente não usa.

Neste terreno, uma das preocupações de Lee Jae-yong (ou de um improvável presidente que não ele) serão as marcas asiáticas emergentes, focadas em telemóveis de preços relativamente baixos, como é o caso a chinesa Xiaomi, que começa agora a atacar os mercados ocidentais. No ano passado, a Xiaomi já conseguiu tirar à Samsung o título de maior fabricante no mercado chinês.

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