Parlamento Europeu adia votação sobre tratado de comércio com os EUA
Eurodeputados apresentaram mais de 200 emendas ao documento, e não se entenderam sobre o mecanismo de arbitragem entre Estados e empresas.
O debate mantém-se, mas não haverá votação. O projecto parceria transatlântica de comércio e de investimento – conhecida pela sigla inglesa TTIP – vai ser reenviada para a Comissão de Comércio Internacional, depois de terem sido apresentadas mais de 200 emendas e pedidos de votação por partes. Este dilúvio reflecte uma forte oposição de muitos eurodeputados do grupo Socialistas e Democratas e também da pressão exercida por muitas organizações não-governamentais, que estão contra o TTIP.
A União Europeia (UE) e os Estados Unidos (EUA) estão a negociar, desde 2013, a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, que envolve a abolição de barreiras alfandegárias e regulatórias em todos os sectores da economia, com excepção do audiovisual, e que deverá criar a maior zona de livre-comércio do mundo.
Mas este projecto suscita fortes resistências, sobretudo na Europa. Os críticos do TTIP consideram que este acordo terá impactos negativos importantes sobre os trabalhadores e cidadãos europeus, afirmando que porá em causa direitos laborais, a segurança alimentar e contribuirá para a desregulação financeira, entre outros pontos. Também a falta de transparência das negociações tem sido fortemente contestada.
Uma das cláusulas mais polémicas do TTIP é a referente ao Mecanismo de Resolução de Disputas entre o Estado e os Investidores. Apesar de ser o padrão hoje em dia usado em muitos acordos de comércio, os críticos do acordo receiam as consequências de permitir que uma empresa americana ou europeia processe os governos de outro país se tiver problemas com o seu investimento no estrangeiro. A título de exemplo, lembram disputas como as que opõem a empresa sueca de energia Vattenfall à Alemanha, por causa da decisão de encerrar as centrais nucleares, ou a tabaqueira Phillip Morris ao Governo australiano, por ter decidido proibir os logotipos dos fabricantes nos maços de cigarros vendidos no país.
Neste ponto polémico, a resolução do Parlamento Europeu já aprovada na Comissão de Comércio Internacional não fala em arbitragem privada, muito contestada, mas aceita um sistema de protecção de investidores que permita disputar litígios entre investidores e Estados, referindo que “a jurisdição dos tribunais da UE e dos Estados-membros deverá ser respeitada”.
No entanto, o facto de este mecanismo estar previsto no documento está a provocar muita celeuma entre os eurodeputados, inclusivamente entre o grupo dos Socialistas Europeus, a que pertence o eurodeputado-relator do documento que deveria ir a votação quarta-feira.
O Parlamento Europeu recomenda também à Comissão Europeia – que está a negociar com os EUA em nome da UE – que o TTIP não ponha em causa os padrões da UE, seja em matérias de protecção social, laboral ou ambiental. Em causa está a preocupação em que a parceria transatlântica obrigue os Estados Unidos a ratificarem acordos da Organização Internacional do Trabalho e que fiquem de fora do âmbito do tratado de comércio internacional serviços públicos como água, saúde, sistemas de segurança social e educação, entre outros pontos.
Apesar de esta ser apenas uma recomendação, a posição dos eurodeputados deve ser tida em conta, uma vez que o acordo que resultar das negociações só entrará em vigor após a aprovação do Parlamento Europeu e do Conselho de Ministros da UE.Na terça-feira, foi conhecido que a Plataforma Stop TTIP já conseguiu mais de dois milhões de assinaturas de cidadãos europeus de 14 países para travar as negociações. Estes valores são o dobro das assinaturas e dos Estados-membros que seriam necessários para levar avante uma Iniciativa Cidadã na União Europeia (UE).
No entanto, já no final do ano passado a Comissão Europeia deu conta de que não a iria aceitar, argumentando que esta possibilidade prevista nos Tratados deve ser usada para os “cidadãos da UE solicitarem à Comissão que use os seus poderes para propor a adopção de legislação” e que “não abrange pedidos para as instituições da UE para não fazerem alguma coisa”.
Ainda assim, a plataforma decidiu não parar com a recolha de assinaturas, além de ter a correr uma acção judicial contra o Executivo comunitário no Tribunal Europeu de Justiça.