Primeiros sinais de alerta na Clintonlândia

A um ano e meio das eleições para a Casa Branca, Hillary Clinton continua como a candidata democrata mais forte. Mas as sondagens já começam a reflectir uma tendência que poucos se atreviam a verbalizar há poucos meses: não é certo que Hillary chegue à Casa Branca sem grandes sobressaltos. A sua equipa teme os “alegados escândalos”.

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O “escândalo” dos emails está a ensombrar a vida de Hillary NICHOLAS KAMM/AFP

Hillary Clinton, a antiga primeira-dama, senadora e secretária de Estado, que há muito construiu um nome próprio para além do apelido, continua bem colocada para vencer as eleições, tornando-se a primeira mulher a liderar a maior potência mundial e a levar consigo para a Casa Branca o primeiro primeiro-cavalheiro da história do país.

Mesmo assim, quando ainda não passaram dois meses desde o anúncio oficial da sua candidatura à nomeação pelo Partido Democrata, uma ligeira queda nas sondagens, nos últimos dias, fez soar alarmes: afinal, até no “Planeta Hillary” – esse astro baptizado no ano passado num artigo do jornal The New York Times pela repórter Amy Chozic – tudo o que sobe também pode descer, ao contrário do que as sondagens pareciam indicar.

Na mais recente sondagem do Washington Post e da ABC, 41% dos inquiridos disseram que vêem Hillary Clinton como uma pessoa honesta e digna de confiança, contra 52% que pensam o oposto. Estes são os valores mais desfavoráveis desde Abril de 2008, durante a sua primeira tentativa de chegar à Casa Branca, e uma queda de 22 pontos percentuais no último ano. Noutra sondagem, da CNN, Hillary é vista de forma favorável por 50% dos inquiridos, o valor mais baixo dos últimos 14 anos.

“As percentagens que reflectem a falta de confiança nela permanecem teimosamente elevadas, e o mais alarmante para a Team Hillary é que os ‘alegados escândalos’, como os membros da campanha de Clinton gostam de lhes chamar, começam a fazer mossa na sua vantagem, o que tem causado calafrios aos democratas, que puseram todos os seus ovos no cesto de Hillary”, escreveu há dias o site Politico.

Os “alegados escândalos” são assuntos verdadeiramente delicados, que não só têm feito mossa no arranque do processo de escolha dos candidatos do Partido Democrata como vão regressar em força no Verão de 2016, quando já se souber quem vai lutar por um lugar na Casa Branca contra o adversário do Partido Republicano, e caso se confirme a vitória de Hillary Clinton nas eleições do seu partido.

Para além das velhas questões sobre o financiamento da fundação que reparte com o marido e a filha e das ligações à alta finança de Wall Street ("demasiado próximas" para os republicanos, que a acusam de hipocrisia; e erradas por simplesmente existirem, segundo a ala mais progressista do seu partido), Hillary Clinton embrulhou-se numa história mal contada sobre emails pessoais e profissionais, que a obrigou a dar uma conferência de imprensa delicada. Isso não é propriamente inédito na história da família Clinton, mas seria dispensável no lançamento de uma segunda candidatura à presidência, na qual Hillary tem tudo a perder se não ganhar, após a inesperada derrota nas primárias de 2008 frente ao fenómeno em acelerada construção que era o então jovem senador Barack Obama.

Mais sete meses de escândalo
O “alegado escândalo” dos emails é uma história que ilustra na perfeição a ideia de que os Clinton são muitas coisas – muitas delas boas –, mas não são propriamente um exemplo de transparência.

Em Março, quando ainda não era oficialmente candidata à nomeação pelo Partido Democrata, Hillary teve de explicar por que razão decidiu enviar e receber emails de trabalho através de uma conta privada durante os quatro anos em que desempenhou o cargo de secretária de Estado – não era uma conta alojada num serviço como o Gmail, mas sim num servidor particular, fisicamente localizado na sua mansão em Chappaqua, no estado de Nova Iorque.

Depois de acossada por uma comissão de inquérito que está a investigar o atentado contra o consulado norte-americano em Benghazi, na Líbia (criada pela Câmara dos Representantes e liderada por um congressista republicano), Clinton acabou por entregar mais de 30 mil emails profissionais ao Departamento de Estado. Mas a forma como o fez deu ainda mais espaço aos seus inimigos para continuarem a pintá-la como uma espécie de rainha republicana, alguém que considera estar acima da necessidade de prestar contas à opinião pública – dos mais de 60 mil emails que disse ter encontrado na sua conta privada, Hillary escolheu metade através de um programa de pesquisa por palavras-chave, que rotulou como "emails profissionais", e apagou a outra metade, que disse estarem relacionados com assuntos particulares, como o casamento da filha ou a morte da mãe.

Mais uma vez, como em tantos outros “alegados escândalos” do casal Clinton, não é de ilegalidade que se fala. Neste caso, Hillary está a ser acusada de falta de transparência e de não respeitar uma recomendação da Administração Obama para que todos os membros da sua equipa usem as contas do Governo para questões profissionais – quanto mais não seja, é uma porta que se fecha nos Arquivos Nacionais, o organismo responsável por preservar os documentos históricos e governamentais, e uma porta que se abre às teorias da conspiração sobre o papel de Hillary Clinton no atentado de Benghazi.

E de que forma pode este assunto prejudicar a candidatura de Hillary Clinton a meio ano do início da escolha do Partido Democrata e a 18 meses das eleições gerais? À primeira vista, de forma nenhuma, dada a distância temporal em causa. Mas na semana passada um tribunal federal decidiu que o Departamento de Estado tem de revelar os milhares de emails entregues por Hillary Clinton de 30 em 30 dias, a partir do final de Junho – se este calendário for cumprido, o último volume de emails enviados e recebidos por Clinton enquanto secretária de Estado será conhecido a 29 de Janeiro de 2016, apenas três dias antes da primeira batalha eleitoral entre os candidatos do Partido Democrata, no estado do Iowa.

As sondagens já começam a reflectir uma tendência que poucos analistas se atreviam a verbalizar há poucos meses: apesar de continuar a ser a grande favorita, não é certo que Hillary chegue à Casa Branca sem grandes sobressaltos. Sendo uma das pessoas mais conhecidas em todo o mundo, o problema de Clinton não é a notoriedade, nem há dúvidas sobre a sua capacidade de liderança; o que a sua campanha teme é que os “alegados escândalos” não sejam devidamente esclarecidos até à batalha final, quando os milhares de milhões de dólares que ela angariar até lá se envolverem numa luta suja com os milhares de milhões de dólares que o candidato republicano angariar durante o mesmo período – ainda mais se esse candidato juntar ao seu nome próprio o apelido Bush.

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