Joel Neto: o último livro e o golfe

Escritor e golfista açoriano diz que romance “Arquipélago” foi a grande “empresa” da sua vida

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Joel Neto com o seu cão, Melville, na ilha Terceira / © António Araújo

Joel Neto foi jornalista de quase todos os principais jornais portugueses, onde trabalhou como redactor, editor, chefe de redacção e grande repórter. Hoje é colunista dos jornais Diário de Notícias e O Jogo, em cujos diferentes cadernos assina várias colunas diárias e semanais, dedicadas ao quotidiano, à cultura e ao futebol. Regressou às ilhas dos Açores em 2012, onde nascera e crescera, em busca do ideal da vida no campo, e é de lá que continua a escrever diariamente; a sua coluna diária “A Vida no Campo” (Diário de Notícias) tem obtido amplo louvor crítico, tanto da parte dos leitores, como da parte de jornalistas da imprensa, da rádio e da televisão. Autor de livros de diferentes géneros, inclusive vários volumes de crónicas, Joel Neto assumiu-se como escritor profissional precisamente em 2012, após aquele que considerou o último livro da sua adolescência criativa: Os Sítios Sem Resposta; Arquipélago é o primeiro resultado dessa investida profissional. O romance é o primeiro (e mais importante) de uma série de quatro livros em diferentes géneros que tem programados para um espaço de dois anos, e que inclui um volume de relatos, um folhetim e uma grande reportagem. Mas Joel Neto é também um ilustre golfista e jornalista especializado na modalidade, o que justificava plenamente esta entrevista.

GOLFTATTOO – A primeira edição de “Arquipélago” esgotou em armazém em apenas dez dias. Surpreendido? Como vês a boa recepção por parte do público?

JOEL NETO – Tínhamos expectativas muito altas, eu, a minha editora e a minha agência. Mas o arranque suplantou-as totalmente. A mudança é mesmo essa: a receptividade por parte do público. Sempre tive boas críticas e suficientes atenções mediáticas. Desta vez, os leitores aderiram. Chega a ser comovente. Aqui há dias, o Nuno Camarneiro falava-me de uma teoria da física quântica segundo a qual, se atirarmos vezes suficientes uma bola de borracha contra uma parede de betão, há uma vez que a bola fura a parede. Sinto-me  a viver essa vez.

Marcador (edição e divulgação), Booktailors (agenciamento), editores, revisores, consultores técnicos e científicos... Houve aqui realmente um trabalho de equipa para o sucesso inicial de “Arquipélago”?

E não te esqueças dos “beta readers”, os leitores prévios (chamemos-lhe assim). Sim, houve. A meu pedido e de acordo com o modelo anglófono, em particular o norte-americano. Arrisco-me até a dizer que, se a literatura tem futuro como indústria, é por aqui. O melhor é apressarmo-nos, porque começa a haver demasiada coisa travestida de literatura e disponível para ocupar o espaço que ela já teve enquanto indústria. E, embora não posso ocupar o espaço que ela mantém como expressão artística, pode seguramente destruí-lo.

O livro foi apresentado oficialmente na FNAC do Chiado a 28 de Maio, estamos no dia 7 de Junho e dizes-me que a tua agenda tem sido dura, que estás como que a jogar à batalha naval. Têm sido muitas as solicitações? Conta-nos como tem sido a tua última semana e meia em Lisboa?

Têm sido muitas as solicitações, felizmente: para eventos, para entrevistas, para almoços de celebração. Além disso, tento dar atenção a cada leitor que me contacte: na Feira do livro, pela Internet, na rua, até ao telefone. Como prometi em casa que a seguir íamos uma semana de férias, ainda tive de acumular todo o trabalho dos jornais. Foi duro, mas é um dilema dos bons. Oxalá tivesse duas semanas assim por ano, ao mesmo tempo de exaustão e realização.

Os lançamentos do livro nos Açores são só a 26 de Junho, em Angra do Heroísmo, e a 2 de Julho, em Ponta Delgada. Porquê este hiato?

Em Angra, gosto de fazer sempre os meus lançamentos nas Sanjoaninas, pelo que só podia ser nessa altura. Por outro lado, gosto sempre de ir primeiro à minha cidade e só depois a São Miguel.

No lançamento do livro na FNAC Chiado, com Alice Vieira à sua esquerda / © D.R.

Que influência é que a feitura deste livro teve no teu regresso, há três anos, à ilha Terceira, onde resides desde então? Tinhas o livro já na cabeça e sabias que só o poderias construir lá? Finda a obra, não ponderas voltar à Lisboa?

Sim. Todos os livros são diferentes consoante o lugar (e a idade, e o estado de espírito) em que são escritos. Mas este, em particular, exigia que eu recuperasse memórias que só aquela geografia podia trazer-me de volta. Penso voltar a Lisboa, mas não ainda. Fomos por quatro ou cinco anos e, se calhar, acabaremos por ficar seis ou sete. Sentimo-nos a viver uma fase de grande criatividade, eu e a minha mulher.

Como foi conciliar a escrita de “Arquipélago” com os teus afazeres profissionais, nomeadamente as crónicas que escreves diariamente para “O Jogo” e o “Diário de Notícias”, e que, exigem, por si só, concentração e pensamento? Quais foram as tuas rotinas na construção de “Arquipélago”?

Foi a empresa da minha vida: a tarefa mais difícil que alguma vez desempenhei. Em particular no último ano, em que trabalhei seis dias por semana, das oito da manhã às onze da noite. Dedicava as manhãs ao livro (8h-15h) e as tardes aos jornais (15h-23h). É algo que não posso voltar a fazer, porque o meu corpo não aguentará.

Num campo tão natural e paradisíaco como o do Clube de Golfe da Ilha Terceira, o golfe representava para ti um escape da escrita e do trabalho?

Muito pouco. Joguei umas 30 vezes nestes três anos. No último ano, umas cinco. Já não acerto na bola. Mas, agora, quero recuperar o swing.

Pediste-me que a data para esta entrevista não ultrapassasse domingo, porque a partir de hoje, segunda-feira, entras de férias com a tua mulher, Catarina. É o descanso do “guerreiro”? Onde e como vão ser os teus próximos dias?

Vou estar em Praga durante uma semana. Parece pouco, mas para nós, que somos freelancers e nunca temos férias, é bastante. Planeio dormir, ler, comer e beber. Espero passar os sete dias num permanente estado de razoável embriaguez.

Joel Neto / © António Araújo

Também já fizeste uma incursão na literatura de golfe, escreveste a Bíblia do Golfe, da editora Prime Books, que, depois das “Bíblias” do Sporting, do Benfica e do FC Porto, quis começar precisamente pelo golfe uma sequência dedicada a outras modalidades. Como foi para ti teres feito esta obra?

Foi interessante. Um modo de retribuir à modalidade um pouco do tanto que ela me tem dado. E também uma boa maneira de criar um espaço de distanciamento entre a primeira e a segunda versões do meu livro anterior, “Os Sítios Sem Resposta”. Foi nesse intervalo que o escrevi.

A “Bíblia do Golfe tem um sub-título: “O melhor jogo do mundo”. O golfe é mesmo o melhor jogo do mundo?

O melhor e o pior. O mais difícil e filosófico, mas também um sacaninha ingrato que não nos perdoa o mínimo deslize. Neste jogo, o excesso de desejo é a morte do artista. E eu sou um apaixonado...

Como e quando é que nasceste para o golfe?

No final de 2006, creio. Tive aulas com o professor Domingos Moita. Fiz-me sócio do CG dos Jornalistas e depois, em simultâneo, do CG Aroeira e do CG Ilha Terceira. Tenho muitas saudades da Aroeira e dos meus amigos da Aroeira. Foi a primeira coisa de que tive saudades ao instalar-me na ilha.

É verdade que chegaste a single figure de handicap em apenas 12 meses?

Não sei se foi em 12 meses, mas penso que foi em menos de 24. Na altura, jogava quatro vezes por semana. Mas é um tipo de evolução que vem depressa e vai depressa também.

Não me esqueço de uma crónica tua em que falavas da primeira volta que fizeste abaixo das 80…

Sempre fui um bocado gabarolas. Mas, sobretudo, quis registar a preclaridade de um momento assim. Nos últimos três anos, se joguei cinco vezes abaixo das 80, foi muito.

Sendo escritor e cronista, manténs a tua ligação ao jornalismo através do golfe, no jornal “O Jogo”. Mas és também um pensador do golfe e, assim sendo, pergunto: tens alguma ideia feita sobre o motivo por que Portugal não ultrapassa os 13 mil, 14 mil ou 15 mil jogadores federados? A República Checa é mais recente no golfe e já vai quase nos 60 mil…

Portugal vive há 40 anos numa espécie de PREC permanente. O jogo não é barato, claro. Mas o pior é o anátema social. Só joga golfe – pensa-se – quem quer ascender socialmente. E, em muitos casos, isso é de facto verdade. Há toda uma grossíssima faixa da população à qual o jogo mete nojo. Assim não se cresce. É preciso tornar este jogo mais sexy. É precisa comunicação a sério.

Ricardo Melo Gouveia será a estrela por que o golfe português tão ansiosamente aguarda?

Estou convencido de que pode sê-lo. Esta regularidade deixa-me siderado. É qualquer coisa de fenomenal. No European Tour, em 2016, far-se-á o diagnóstico diferencial.

O que se passa com Pedro Figueiredo e Ricardo Santos?

O Ricardo passa por um mau momento por que todos os jogadores passam, mas de que ninguém em Portugal alguma vez saiu. É esse o seu desafio: fazer o que nunca ninguém fez, que é voltar lá acima. Mas ele já está habituado a fixar novas referências e acredito que recuperará. É o meu herói número 1. O Pedro talvez esteja a lidar com as expectativas que havia à sua volta, ou mesmo dentro de si próprio. Faz-me lembrar, à escala, o Patrick Cantlay, que hoje é uma sombra do Jordan Spieth. Mas hoje é hoje, não para sempre. Se o Cantlay ressurgirá, não sei. O Pedro, estou convicto de que se afirmará.

Tiger Woods vai voltar a vencer um major?

Agora já acho que não. E olha que tentei continuar a acreditar até ao fim. Creio que o momento de deixar de acreditar chegou. Mas continua a ser o melhor que alguma vez pisou o verde.

Não resisto a perguntar, para finalizar: quais são os teus escritores de eleição, portugueses e estrangeiros?

É muito difícil dizê-lo. Mas talvez os que mais me influenciaram tenham sido o Eça, o Saramago e o João de Melo, entre os portugueses; mais o García-Márquez, o David Lodge e o Jonathan Franzen, entre os estrangeiros. Se conseguires identificar aqui um padrão, óptimo. Mas isto é só do ponto de vista do fôlego narrativo. Em termos de recursos estilísticos, imagética, visão do mundo e tudo o mais que enforma um escritor, eu podia dar-te mais uns 50 nomes e continuava a pecar por defeito. Desde Homero que tudo me influencia, mesmo que por interposto autor. Todos somos influenciados por todos, mesmo nos casos em que não os lemos ou conhecemos.

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