O homem mais bem pago de França não quer "filhas" esbanjadoras

O líder da Altice ganhou 17 milhões de euros em 2014, uma remuneração superior à da média dos presidentes de empresas francesas.

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Drahi diz que a Altice leva os fornecedores franceses para todos os mercados em que está presente REUTERS/Philippe Wojazer

Tal como outros media franceses, o Le Figaro baseou-se nos cálculos da Proxinvest, uma empresa francesa que aconselha os investidores quanto às práticas do governo das sociedades e às resoluções propostas às assembleias gerais das empresas cotadas. Esta consultora, ao analisar o relatório e contas de 2014 da Altice (que entrou em bolsa em Janeiro do ano passado a valer 28,25 euros e na sexta-feira fechou nos 112 euros), concluiu que o líder do grupo internacional de telecomunicações ganhou 17 milhões de euros no ano passado graças aos direitos de compra de acções (stock options) da companhia, que se auto-atribuiu.

Uma remuneração anual seis vezes superior à média dos presidentes das empresas cotadas em França, que ronda os 2,9 milhões de euros, segundo os dados do último relatório da Proxinvest.

Por alguma razão, Drahi aparece este ano na 57ª posição na lista de milionários da Forbes, quando no ano passado estava no 215º posto. Mas não foi para falar sobre a sua fortuna que os deputados do Parlamento francês chamaram à Comissão dos Assuntos Económicos (CAE) o terceiro homem mais rico do país. A dívida, nomeadamente a dívida de mais de 30 mil milhões de euros da Altice, foi um dos temas sobre os quais o empresário foi questionado na sua audição na Assemblée Nationale, a 27 de Maio. Para uma empresa que cresce e tem resultados positivos, o endividamento não é um problema, contrapôs Patrick Drahi.

Além da dívida, o apetite insaciável por novas aquisições (a mais recente foi a operadora de cabo norte-americana Suddenlink), o interesse nos media, o investimento em fibra óptica, e as dificuldades na relação com colaboradores da SFR e seus sub-contratados e fornecedores... todos estes temas foram abordados pelos deputados. E a todos Drahi respondeu de forma firme, ao longo da audição de duas horas, que começou com o presidente da CAE a ironizar, dizendo que a sua comissão “não está à venda”.

O presidente da Altice demorou-se sobre o tema do “mal-estar social” que se vive na SFR (actual Numericable-SFR), de cujos colaboradores, fornecedores e prestadores de serviços aparecem com frequência queixas nas páginas dos jornais. E de forma tranquila garantiu aos deputados que há alguns assuntos pendentes, mas “não questões de fundo”. “O mal-estar não fomos nós que o criámos, foi o anterior accionista”, disse Drahi.

A SFR passou “de uma empresa que ganhava muito dinheiro, a uma empresa sem estratégia que perdia dinheiro todos os dias”. E o que se faz “quando se chega a uma campeã que passou à terceira divisão? Mudam-se o treinador e o capitão da equipa”. E de preferência, rapidamente. Numa semana toda a gestão da empresa mudou, “porque não se faz o novo com o antigo”, afirmou o gestor.

“Sim, os assalariados [colaboradores] não estão felizes, mas a situação está melhor”, garantiu, porque agora sabem que estão numa empresa que investe e pode crescer. E quanto aos prestadores de serviços e fornecedores? Bem, a verdade é que a SFR se tinha transformado numa "menina do papá", que gastava sem pensar, porque no final do mês a casa mãe pagava as facturas, ilustrou Drahi. “Mas o papá mudou e a minha filha já não se porta assim; agora verifico tudo o que ela gasta”, acrescentou. A premissa fundamental "é pagar o preço justo para poder investir".

E os fornecedores que aceitaram “modernizar-se”, os que aceitaram as condições da Altice, “são os melhores”, sublinhou. E estão mais felizes porque sabem que podem perder uma pequena parte do negócio em França, mas ganham muito mais porque vão para todos os mercados onde a Altice está presente, contou o gestor. E quanto às queixas sobre atrasos e suspensões de pagamentos? Também para isso há explicação, disse Drahi aos parlamentares franceses. É que se o método de gestão Altice é super rápido (“não fazemos reuniões para que no final a decisão tenha de ser tomada noutra reunião”), já o processo de verificação de contas e validação de pagamentos “é algo que leva o seu tempo”.

“Centralizámos tudo [os pagamentos] e começámos do zero” e por isso há “alguns atrasos”, admitiu Drahi. “A boa nova é que lhes pagamos, sabemos sempre a sua situação financeira e não os deixamos ficar em dificuldades”, assegurou o patrão da Altice. Os que "vão para os jornais falar são filiais dos grandes grupos", assegurou. "Não me parece que tenham dificuldades de caixa, têm é um problema de gestão da organização e ainda não se modernizaram", enfatizou.

Se no caso da PT Portugal a Altice garante estar à procura da nova equipa de gestão dentro de casa, e se a situação financeira e de mercado da operadora não se pode comparar com a da SFR (que a Altice comprou à Vivendi  por mais de 13 mil milhões de euros e que fundiu com a sua operadora de cabo Numericable, criando um novo colosso do mercado de telecomunicações francês, que compete directamente com a líder, a Orange), nem por isso se esperam grandes contemplações no capítulo da racionalização de custos.

Na quinta-feira, na primeira mensagem que enviou aos colaboradores da PT depois de assumir a gestão da empresa, no dia 2, Armando Pereira, o sócio português de Drahi, sublinhou que a PT (de que é o novo presidente do conselho de administração) “representa um projecto de longo prazo”, em que um dos pilares da estratégia passa por “reduzir custos (…) para manter o (…) investimento em inovação”.

Essa será uma das “prioridades diárias”, disse o homem que tem cerca de 30% da Altice e que quer fazer com que a PT “seja uma empresa cada vez mais bem gerida”. As mudanças que a nova estratégia acarreta ainda não são conhecidas, mas a PT também mudou de papá e disso já ninguém tem dúvidas.

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