Razões para não gostar de Rui Rio
Rio parece apreciar watch dogs mansinhos, que só ladram quando ele estala os dedos.
Recordemos os factos. Na noite de sexta-feira, a SIC noticiou que Rui Rio estava pronto a avançar para Belém, faltando apenas ultimar alguns contactos para apresentar a sua candidatura até final deste mês. Três dias depois, segunda-feira, Rui Rio desmentiu a notícia através de um comunicado, no qual se dizia entristecido, e que, “se algum dia” decidisse avançar com uma candidatura, seria ele próprio a divulgar essa informação “de forma clara e directa — sem recurso a outras fontes, sejam elas próximas, anónimas ou bem informadas”.
Só que a história não ficou por aqui, e no dia seguinte, terça-feira, aproveitando uma aparição pública, Rui Rio decidiu (mais uma vez) despejar as baterias em cima dos jornalistas, criticando a “desresponsabilização da comunicação social por aquilo que diz e escreve”. Mas disse mais: “Isto não é saudável em democracia. Isto poderá ser próprio de regimes totalitários. Sem a liberdade de imprensa não há democracia. A minha liberdade impõe que eu tenha também responsabilidade. Porque a minha liberdade acaba à porta da liberdade dos outros. A liberdade de imprensa também pára à porta da liberdade de todos nós.”
Ora vamos cá ver. Rui Rio tem todo o direito de não gostar de certas notícias que são publicadas na comunicação social e achar que elas foram ali plantadas para o prejudicar — em última análise, pode até ter razão, e boa parte da sua indignação ser inteiramente justificada. Só que depois ele mistura tudo — e é nessa misturada, muito musculada, muito avinagrada e muito pouco ponderada, que eu vejo emergir demasiadas vezes um genezinho autoritário, que à noite sonha humidamente com uma comunicação social bem ordenada, em que os jornalistas nunca se enganam e raramente têm dúvidas. Porque, afinal, basta perguntarem a Rui Rio onde está a verdade, que ele trata logo de informar.
Reparem: os jornalistas que fazem política não têm de estar à espera dos timings dos políticos para darem as notícias. Quando Rio decidir (se decidir) avançar para Belém, ele já terá com certeza uma equipa atrás dele, apoios, logística, que envolveram contactos e circulação de informação. Se um jornalista da área política está absolutamente seguro dessas movimentações e das datas da candidatura, o que ele tem a fazer é dar a notícia — mesmo que o candidato a desminta. Se Rio avançar até final do mês, o jornalista estava certo. Se não avançar, passa por mentiroso e perde credibilidade. É muito simples.
Mas uma frase como “a liberdade de imprensa também pára à porta da liberdade de todos nós” não quer dizer coisa absolutamente nenhuma e é até de uma assinalável estultice. O que a liberdade de imprensa mais faz é invadir a vida de gente que se tivesse a liberdade de escolher preferiria que nada se soubesse. Rio parece apreciar watch dogs mansinhos, que só ladram quando ele estala os dedos. Ao fim de mais de 30 anos na política, esta falta de cultura democrática é muito preocupante — sobretudo para quem anda a pensar instalar-se em Belém.
Jornalista, jmtavares@outlook.com