Ana e Joana: o salto para a “vida real” entre Shandong e Tubinga
Em busca de alternativas, procurou um desafio que a fizesse mergulhar num choque cultural. Sentiu que precisava de sair do país. Por isso, quando a oportunidade de dar aulas de Inglês na China surgiu, não hesitou e mudou-se para Qingdao, na província de Shandong. Uma “pequena metrópole chinesa, onde caberia Portugal inteiro”, descreve.
Mais um mergulho na realidade: “A universidade é uma espécie de bolha. É um ambiente que nos absorve a nível intelectual e pessoal. Chega a um determinado ponto em que temos de investir na vida real e sentimos que existe um gap gigantesco entre a vida académica e a vida lá fora.” Muitos identificar-se-ão com esta sensação descrita por Ana.
Joana Tavares Macedo não foi para tão longe, mas também saiu de Portugal. Com 24 anos, frequenta um doutoramento, recebe um ordenado, tem seguro de saúde e paga impostos. Vai, por isso, poder usufruir de um apoio imediato em caso de desemprego após a conclusão do seu doutoramento. Onde? Alemanha.
“Para se evoluir em ciência tem de se sair de Portugal. Não é que a ciência em Portugal seja má. Não temos é tantos recursos. Nem somos tão valorizados”, esclarece a investigadora. Foi por isso que, ainda como aluna do mestrado de Bioquímica na Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa, que concluiu com uma classificação de 18 valores, decidiu realizar parte da tese na Alemanha através de um estágio na Universidade de Freiburg. A experiência despertou-lhe o interesse em prolongar a estadia para o doutoramento.
Pacote de conteúdos
Candidatou-se imediatamente a uma vaga de trabalho, pois temia o regresso a Portugal, uma vez que não queria perder a independência que já tinha conquistado e voltar para casa dos pais ou trabalhar fora da sua área de formação. Conseguiu: foi convidada a integrar uma equipa de investigação na Universidade de Tubinga, perto de Estugarda, onde agora se dedica ao estudo de uma proteína do sistema imunitário, a sua estrutura e a sua interacção com hidratos de carbono. É a mais nova no seu grupo de trabalho, composto exclusivamente por alemães.
Tal como Ana, Joana sempre teve vontade de investir em formação e experiência internacional, embora admita que tenha sido também “empurrada” pela crise. O mestrado sempre fez parte dos planos. “Só com os três anos de licenciatura, nem me sentiria preparada, nem acredito que conseguisse arranjar emprego. Não conheço ninguém que tenha ficado só com a licenciatura”, conta.
Ana partilha a mesma opinião. “Com a reforma de Bolonha senti que a licenciatura se tornou numa espécie de pacote de conteúdos de rápido consumo, que deveriam ser assimilados com mais tempo e com uma capacidade crítica e de análise completamente diferente”, desabafa. “Muitas vezes falta em Portugal um pensamento prático. Saber procurar com um objectivo final. Falta eficiência. Muitas vezes estuda-se e investe-se, mas nunca há um plano muito certo de como a coisa vai acabar, o que também tem o seu encanto, mas como produto final não resulta”, lamenta Ana.
Como a maioria dos jovens portugueses, Ana não teve pausas durante a sua formação. Hoje repensaria a decisão. “Provavelmente tiraria um ano depois do secundário e faria também uma pausa entre a licenciatura e o mestrado.” Mas não se arrepende da decisão de ter feito mestrado e não ignora o peso que esta formação lhe trouxe ao currículo. “Senti muito mais facilidade em conseguir entrevistas com mais frequência e em maior quantidade”, diz. Destaca, no entanto, “outras coisas igualmente importantes, como experiências internacionais e projectos pessoais”.
E é a essa fase que está decidida a dedicar-se agora. A experiência na China revelou-se agridoce, pelas diferenças e dificuldades inerentes, “mas que recompensam infinitamente”. “Distanciamo-nos do que está à nossa volta, de nós mesmos e do que já conhecemos, o que nos permite reflectir sobre o que somos e sobre aquilo que damos como hábito já adquirido.” A aprendizagem, em dois meses, foi enorme. Para já, a experiência durará até ao final de Setembro.
Gestão no caminho
Apesar de se confessar apaixonada por “tudo o que vai beber à arte, à música e à cultura em geral”, Ana tem consciência de que esta é uma área onde é muito difícil conseguir trabalho. E a experiência que teve em Portugal, ainda que pouca, desmotiva-a. Por isso, apostar na vertente de gestão cultural é uma hipótese.
Tanto Ana, como Joana, têm ainda esperança de um dia poderem trabalhar em Portugal. Mas não será para já. “Não estou a ver onde me poderia encaixar em Portugal com um doutoramento em Biologia Estrutural”, diz Joana, que não afasta o plano de também vir a estudar gestão, na vertente laboratorial, a médio prazo. Ainda não tomou decisões definitivas e tem várias opções em aberto, mas o mais certo é ficar na Alemanha.
Na sua universidade, Joana cruza-se com alunos e jovens investigadores vindos da Turquia, Itália, Índia e Irão. Mora com uma turca, um italiano e uma portuguesa. No seu grupo tem uma amiga a trabalhar na mesma faculdade e duas que foram recentemente para o Brasil e Inglaterra. Daqui a alguns dias, outra partirá para uma entrevista em Manchester.