Ana Rita: com uma bata trocada pela crise

A função é contrária ao que havia planeado quando concluiu o mestrado em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal com 19 valores.

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A corrida aos mestrados em Portugal está longe de se escrever com histórias de jovens que entram rapidamente no mercado de trabalho e logo na sua área de formação. Ana Rita é um desses casos.

Depois de meses à procura de um trabalho na área de colaboração e investigação científica, a urgência de um emprego obrigou-a a trocar a bata de laboratório por uma bata numa fábrica de pastelaria e congelados. No seu turno trabalham pelo menos quatro pessoas licenciadas. Aluna da Universidade de Coimbra, fez parte do núcleo de estudantes, dedicou todo o seu tempo aos estudos e após concluir a licenciatura em Biologia, em 2012, seguiu imediatamente para o mestrado, onde concluiu a tese em Setembro do ano passado.

Rita manteve-se em Coimbra até ao final do ano passado, enquanto trabalhava numa investigação que espera ver publicada em breve. De Setembro a Abril candidatou-se a uma dezena de empresas de Biotecnologia Vegetal e a bolsas de investigação, em Portugal e além-fronteiras. “Tentei algumas candidaturas para o estrangeiro, mas noto que lá fora, e especialmente na minha área, já pedem doutoramento”, conta. Sem respostas positivas, regressou a Leiria e, com 26 anos, está novamente a viver na casa dos pais.

Apesar de consciente da conjuntura que se vive em Portugal, confessa que tinha alguma esperança de que a entrada no mercado de trabalho fosse mais fácil depois de uma especialização. “Não tive a perspectiva de que iria logo arranjar emprego, mas pensei que com o mestrado as coisas fossem mais fáceis, o que acabou por não se concretizar”, desabafa.

A sua tese de mestrado versou sobre o estudo das propriedades bioactivas das urtigas e os seus potenciais. De uma forma geral, Rita explica que a sua especialização trata do melhoramento e da aplicação das propriedades das plantas. Um projecto que atraiu a atenção e apoio da Confraria da Urtiga, com sede na Guarda, e que, recentemente, entronizou a investigadora como Confrade Honorária.

À pergunta sobre a razão que a levou a prosseguir com a sua formação, Rita responde que a licenciatura não foi suficiente para se sentir preparada para o mercado de trabalho. “As licenciaturas são curtas e falta-lhes experiência prática. Uma pessoa acaba uma licenciatura e fica a pensar: o que é que eu sei fazer? Estamos num meio académico em que não há qualquer ligação com o mundo real, com o mundo do trabalho. O mestrado veio por isso corrigir essa lacuna e permitir uma componente mais prática e autónoma ao aluno.”

Além disso, acrescenta, acredita que um dos outros factores que incitam os alunos a seguir mestrado é a falta de alternativa e a busca por uma ocupação. “Se não fizerem mestrado, o que vão fazer?” O desemprego é o cenário provável.

“Não sei que tipo de consciência é que o Estado tem sobre a vida de estudantes e a vida pós-estudante”, questiona a investigadora. Depois de 17 anos de investimento na formação, Rita só vê dois caminhos: “Ou essa pessoa tem muitas qualificações e vai fazer uma coisa que não tem nada que ver com aquilo para o qual foi formada ou então vai sair daqui. E os outros países agradecem-nos.”

Se voltasse atrás, provavelmente começaria por uma área mais específica ou “talvez mudasse totalmente”. As razões? Rita tem na família uma empresa de contabilidade. Na altura sempre afastou essa hipótese do seu currículo académico. Hoje, a opinião é outra. “Se em Setembro deste ano, um ano depois de ter concluído o meu mestrado, não conseguir fazer nada na minha área, é o momento de começar a abrir outras perspectivas.” Para tal, pondera investir novamente na sua formação, agora em contabilidade ou gestão.

Sem embargo, lamenta a falta de opções em Portugal. “Nem sequer tenho oportunidade de dizer que não gosto da minha área, porque não tenho oportunidade de a experimentar.”

 

 

 

 

 

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