Há indignidade, bloqueios e várias fragilidades nos tribunais, avisam juízes
Dificuldades de acesso à justiça de família e menores e “bloqueio impressionante” de alguns departamentos dos tribunais fazem parte do balanço do novo mapa judiciário apresentado pelo Conselho Superior da Magistratura
À crónica falta de funcionários judiciais juntou-se, no novo mapa judiciário, o afastamento de algumas populações da justiça, por via da transferência dos tribunais para as capitais de distrito, e a acumulação de processos relacionados com dívidas. Numa conferência de imprensa onde esteve também presente o representante do Presidente da República no Conselho Superior da Magistratura, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça e por inerência deste órgão, Henriques Gaspar, não foi meigo nas palavras.
Falou da “dimensão impressionante do bloqueio” nas chamadas instâncias centrais de execução, departamentos para onde transitaram muitos milhares de processos judiciais de dívidas, e também das “dificuldades de acesso à justiça de família e menores”, igualmente por causa do encerramento ou transferência de tribunais. O facto de se tratar de uma área da justiça que lida com a protecção dos mais novos e com as responsabilidades parentais torna a resolução desta “disfuncionalidade”, como lhe chamou o magistrado, particularmente premente nas regiões das Beiras, de Trás-os-Montes, Alentejo e Açores.
Mas não ficam por aqui as críticas do órgão responsável pela salvaguarda institucional dos juízes e da sua independência, e que não integra apenas magistrados. A “indignidade” das condições de funcionamento de certos tribunais, alguns dos quais estão a funcionar em contentores ou com obras a decorrer, também não agrada ao Conselho Superior da Magistratura, que, apesar de tudo, reconhece virtualidades ao novo modelo, que diz não querer pôr em causa. Responsabiliza, porém, o Ministério da Justiça pela falta de condições logísticas. Um juiz pode despachar muitos processos por dia – mas se não tem oficiais de justiça suficientes a trabalhar com ele as suas decisões só terão efeito tarde e a más horas, exemplifica Henriques Gaspar, que ocupa o quarto lugar na hierarquia do Estado. “As dificuldades são de tal ordem que se torna urgente pensar na abertura de pelo menos outro concurso para funcionários”, observa o magistrado, explicando que as seis centenas que estão em vias de ser contratadas não chegam.
Nos tribunais do comércio, por seu turno, “a maioria dos processos são urgentes e os juízes sentem dificuldades em dar vazão às insolvências, quer às colectivas quer às particulares”, que passaram também a ser mais que muitas.
Para agravar tudo, houve uma “paragem” dos tribunais durante “perto de dois meses”, ainda por cima “logo no momento em que era preciso arrancar com determinação”. No início de Setembro o sistema informático Citius bloqueou, para só voltar a dar sinais de vida em meados de Outubro. “Há instâncias em que o problema foi resolvido por completo e outras em que isso não aconteceu”, lamenta o presidente do Conselho Superior da Magistratura, que deixa um aviso. “Enquanto não houver estabilização total deste sistema não é possível determinar o número de processos pendentes com fiabilidade e estabelecer objectivos realistas” para o sistema de justiça. Ou seja: fixar metas processuais, com a taxa de redução do número de processos pendentes por tribunal ou por comarca.
De resto, o Conselho Superior da Magistratura vê com maus olhos a imposição de metas deste tipo aos juízes, que “sempre foram escrutinados”. O seu vice-presidente, Joaquim Piçarra, explicou porquê: “Os tribunais não são unidades de produção. Não lhes peçam objectivos empresariais”. Os juízes irão agora dar conta destas suas objecções ao poder político. “Impõem-se alguns ajustamentos e o Conselho Superior da Magistratura apresentará propostas”, adiantou Joaquim Piçarra.
Já o Ministério da Justiça recusou-se a comentar as posições deste órgão, “no respeito pelo princípio da separação de poderes”.