Condutores com infracções graves no cadastro partem do zero na nova carta
Novo regime entra em vigor a 1 de Junho de 2016. Quem não cometer infracções durante três anos ganha três pontos, até um máximo de 15.
Se um condutor tiver duas contra-ordenações muito graves no cadastro e cometer mais uma até final de Maio do próximo ano ficará sem carta, mesmo que o processo seja decidido já na vigência do novo sistema. Mas se o mesmo condutor cometer uma infracção muito grave a 1 de Junho de 2016, as duas anteriores não vão ser consideradas no novo sistema. O condutor terá os mesmos 12 pontos que um condutor que não tinha qualquer infracção no cadastro. E perderá os pontos correspondentes apenas à infracção que cometeu no novo regime.
Estas regras foram aprovadas esta quinta-feira em Conselho de Ministros e representam um recuo face à primeira intenção do Governo, que pretendia que quem tivesse infracções no cadastro começasse com menos de 12 pontos. A mudança decorreu de uma sugestão de um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) que alertou para a inconstitucionalidade da proposta que queria que, se retirassem pontos, aos condutores que tinham cometido contra-ordenações graves ou muito graves nos três anos anteriores à entrada em vigor do regime por pontos.
“Essa disposição claramente viola o princípio da não retroactividade das normas sancionatórias, previsto no artigo 29 da Constituição”, lê-se no parecer a que o PÚBLICO teve acesso. A posição, reproduzida num parecer do Conselho Superior do Ministério Público, refere que a norma viola igualmente o direito constitucional de audiência e defesa no processo contra-ordenacional “na medida em que o infractor nunca salvaguardou a hipótese, no processo sancionatório, de ter de se defender da eventual futura aplicação de pontos”.
O secretário de Estado da Administração Interna, João Almeida, explica que os dois cadastros se vão manter em paralelo, mas um não acumula com o outro. “Os processos que estão em curso vão ser punidos pela lei que está actualmente em vigor. Não vamos limpar o cadastro”, afirma João Almeida.
Os 12 pontos que cada condutor receberá serão descontados à medida que este acumular infracções. Quem cometer uma contra-ordenação grave perde dois pontos, mas se for muito grave perde quatro. A condução sob influência do álcool ou substâncias psicotrópicas é mais penalizada: as situações consideradas graves subtraem três pontos, enquanto as muito graves fazem desaparecer cinco pontos. Sempre a descontar nos 12 pontos iniciais. E não podem ser retirados ao automobilista mais de seis pontos por cometerem contra-ordenações simultâneas – excepto se for apanhado com álcool em excesso ou com drogas.
Quando só lhe restarem quatro pontos, o condutor será obrigado a frequentar acções de formação de segurança rodoviária. Se atingir os dois pontos terá de repetir a prova teórica do exame de condução. Ao cumprir essas obrigações não ganha pontos, mas evitar ficar imediatamente sem carta.
Aos zero pontos fica sem carta e impedido de guiar durante dois anos. Só o poderá fazer a seguir, depois de realizar novo exame de condução e de frequentar também acções de formação. Os automobilistas passam a poder consultar o seu cadastro no novo portal das contra-ordenações.
O novo sistema inclui um regime de recuperação de pontos que premeia o bom comportamento (e não quem faz acções de formação, como acontece em Espanha). Assim, se o condutor não for apanhado em contra-ordenações graves ou muito graves nem a praticar crimes rodoviários durante três anos receberá três pontos extra, até a um máximo de 15. Já os condutores profissionais recuperam pontos logo ao fim de dois anos. As duas medidas foram sugeridas pela PGR.
A mudança é elogiada pelo presidente do Automóvel Clube de Portugal, Carlos Barbosa, que vê com agrado a chegada deste novo regime: “É o caminho que toda a Europa seguiu, e é um caminho equilibrado”. Só teme que o sistema possa ser desvirtuado por práticas fraudulentas, como, de resto, já sucedeu em Espanha, onde os pontos chegaram a ser vendidos: automobilistas com o cadastro limpo eram indicados pelos infractores como sendo quem ia ao volante no momento da infracção. Tudo era feito com a intermediação de empresas especialmente criadas para o efeito, explica Carlos Barbosa. Também Manuel João Ramos, da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados, teme o surgimento de esquemas deste tipo. Quanto ao sistema de pontos propriamente dito, acha-o coxo, por ter surgido de forma isolada, e não associado a medidas há muito preconizadas pelos governantes mas nunca implementadas, como a colocação de 140 novos radares nas estradas, as auditorias de segurança rodoviária ou a educação para a cidadania nesta área.