Jorge Jesus, o maquilhador que retocou o rosto do Benfica
Chegou há seis anos para interromper a hegemonia do FC Porto e tem dado luta ao rival. Somou o terceiro título numa época em que foi forçado a reinventar uma equipa campeã.
Jorge Jesus tem atropelado recordes atrás de recordes desde que, pela mão e crença de Luís Filipe Vieira, chegou ao Estádio da Luz para rentabilizar um plantel à altura das ambições do clube. Desde o número de vitórias consecutivas (18, alcançado a 02-03-2011), ao maior número de troféus numa temporada (três), até se assumir como o treinador com mais jogos na história do Benfica (183), o amadorense tem preenchido muitas alíneas do currículo. E agora tem mais uma competência a acrescentar: é o primeiro treinador português a sagrar-se bicampeão pelos “encarnados” – e o sexto a vencer três campeonatos, depois de Jimmy Hagan, Janos Biri, Fernando Riera, Lipo Herczka e Sven-Goran Eriksson.
Os méritos de Jesus são inegáveis e a Liga 2014-15 é apenas o exemplo mais recente de como foi disfarçando alguns dos buracos que o mercado cavou no plantel. O sinal de desinvestimento já tinha sido dado pela direcção, quando Luís Filipe Vieira assumiu a necessidade de baixar substancialmente a massa salarial, e as estocadas foram surgindo, uma atrás da outra, no Verão passado. Oblak, Garay, Siqueira, Markovic, André Gomes e Rodrigo, quase todos peças fundamentais no xadrez “encarnado”, disseram adeus a Lisboa e deixaram o campeão a braços com um quebra-cabeças.
O Benfica demorou a reagir e jogadores consagrados como Júlio César e Jonas chegaram, a custo zero, já com a época em andamento. Para além disso, as prolongadas lesões de Fejsa e Sulejmani e a ruptura de ligamentos de Ruben Amorim, logo à 3.ª jornada, depauperaram ainda mais o leque de opções disponíveis, que sofreria uma machadada adicional em Janeiro, com a transferência de Enzo Pérez para o Valência.
Era altura de recorrer àquilo que Jesus apelida de “o jogador do treinador”. Depois das adaptações bem sucedidas de Fábio Coentrão Matic e Enzo, por exemplo, a fórmula repetiu-se com Pizzi no miolo do meio-campo, tendo Samaris (normalmente um número 8 na selecção da Grécia) recuado para a posição 6. Eliseu cumpria os mínimos no lado esquerdo da defesa e Jardel agarrava com as duas mãos a oportunidade no centro da defesa.
Mais realista do que nunca, o treinador do Benfica dava mostras de pragmatismo sempre que a equipa não conseguia brilhar e a prova maior de maturidade chegou nos jogos com os rivais directos. Se, por um lado, teve mais dificuldades que o habitual nos duelos com o Sporting (o jogo de Alvalade foi um dos piores dos “encarnados” nesta temporada), no frente a frente com o FC Porto a estratégia de contenção valeu uma vitória decisiva, no Estádio Dragão, para a corrida ao título.
A jogarem quase sempre em 4-4-2 (ou 4-1-3-2), as “águias” voltaram a ser demolidoras no Estádio da Luz e a equipa técnica mostrou especial cuidado na gestão da condição física, especialmente quando Talisca (determinante no arranque de época) entrou numa fase de desgaste acentuado e perdeu de imediato a condição de titular. Uma circunstância minimizada pela classe e pela eficácia de Jonas, a quem Jesus deu a liberdade necessária para combinar na perfeição com Lima.
“O importante é ganhar. Se puder ser com nota artística, melhor”, foi uma das frases que mais se ouviram ao treinador nesta época. Trabalhador nato, estratega e perfeccionista, mas também intempestivo, egocêntrico e polémico q.b., Jesus é daqueles treinadores que gostam de andar na ribalta. E que hoje, mais do que nunca, depois de atingido um dos maiores objectivos a que se propôs, encarará com bons olhos os holofotes de uma Liga mais competitiva.