Uma ilha recém-nascida que é um laboratório natural
A actividade vulcânica ainda não parou em Nishinoshima, no Japão. Mas os cientistas já antecipam a evolução biológica naquela ilha. E pedem, por isso, cuidado a quem lá for.
É a partir dos efeitos dos dejectos depositados pelos pássaros marinhos nesta “ilha nua” que os cientistas planeiam estudar a génese dos ecossistemas.
Após uma forte actividade vulcânica, esta nova terra surgiu à superfície do oceano Pacífico em Novembro de 2013 no meio do pequeno arquipélago de Ogasawara, a cerca de um milhar de quilómetros a sul de Tóquio.
Apesar do seu isolamento, o arquipélago foi classificado como património mundial da UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura por poder vir a ajudar a compreender os mecanismos de evolução dos habitats naturais.
As ilhas de Ogasawara “são um exemplo notável dos processos de evolução em curso nos ecossistemas das ilhas oceânicas”, sublinha a UNESCO no seu site.
Alimentada regularmente pela lava lançada pelo vulcão, a nova ilha não parou de aumentar, ligando-se à ilha vizinha que já existia e era chamada de Nishinoshima. Por isso, a nova terra nunca chegou a ganhar um nome próprio.
No fim de Fevereiro, a ilha de Nishinoshima media cerca de 1950 metros de Este a Oeste e 1800 metros de Norte a Sul, tendo uma superfície total de 2,45 quilómetros quadrados, segundo a guarda-costeira japonesa.
É a primeira vez em cerca de 40 anos que uma terra surge na zona meridional do Japão. “Nós, biólogos, estamos muito interessados nesta nova ilha porque podemos observar o início dos processos de evolução”, explica o professor Naoki Kachi, do departamento de investigadores sobre o arquipélago de Ogasawara, na Universidade de Tóquio, à AFP.
A última fotografia aérea de Nishinoshima é de 27 de Abril e foi tirada pelos guarda-costeiros. Ela mostra uma coluna espessa de fumo branco que se liberta da chaminé vulcânica. Para já, a ilha não pode ser visitada.
Proibido contaminar
Mas, sabendo da fragilidade extrema do seu habitat, Naoki Kachi avisa que é preciso ter cuidado para que os humanos não introduzam espécies neste “laboratório natural”.
“Peço para que todos aqueles que forem visitar a ilha tenham muita atenção na preservação daquele ambiente, e sobretudo não levem para lá espécies externas”, pediu o investigador. “Os biólogos conhecem bem este problema. Mas a primeira equipa de cientistas que irá à ilha deverá ser provavelmente constituída por geólogos e vulcanólogos que não estão necessariamente ao corrente deste problema.”
Em 2007, quando visitou uma outra ilha do arquipélago de Ogasawara, a sua equipa preparou um espaço de desinfecção para armazenar os seus aparelhos de investigação, que eram novos e tinham sido previamente esterilizados. Naoki Kachi apela, assim, à “vigilância” daquela terra e diz estar pronto a dar conselhos aos colegas que queiram visitá-la.
Quando a actividade vulcânica abrandar em Nishinoshima, os biólogos japoneses esperam que comecem a chegar sementes de plantas trazidas pelas correntes marinhas e pelas aves migratórias.
“A minha área preferida é o impacto das aves no ecossistema das plantas: como os dejectos se transformam em fertilizantes orgânicos e alimentam a vegetação e como as aves alteram o ecossistema”, explica o investigador, ouvido pela AFP.
Estas aves poderão vir a nidificar na ilha e vir a ter uma presença permanente. A antiga ilha de Nishinoshima albergava colónia de aves. Quando o vulcão voltar a dormir, é provável que elas voltem a colonizar a ilha. No arquipélago de Ogasawara vivem cerca de 200 espécies diferentes de aves.
No Japão, que está numa zona sísmica e de vulcões (mais de 100 estão activos), houve quatro ou cinco aparições súbitas de ilhas depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Uma delas foi em 1986, mas a ilha desapareceu dois meses depois. Outra foi em 1973, também junto da ilha de Nishinoshima.
Mas o país não é o único a viver fenómenos destes. Nishinoshima pode seguir os passos de Surtsey, uma ilha que apareceu em 1963, a 30 quilómetros da costa da Islândia.
Nesta ilha árctica, os cientistas observaram a chegada de sementes pelas correntes marinhas, e o aparecimento de bactérias e fungos. Nos anos seguintes surgiram as primeiras plantas vasculares.
No início deste século, foi feito um recenseamento da vida à ilha de Surtsey. Os cientistas encontraram 60 plantas vasculares, 75 tipos de musgos, 71 líquenes e 24 espécies de cogumelos. A ilha islandesa tem ainda 89 espécies de aves e 335 invertebrados, segundo a UNESCO.