A alma de quem dá voz ao Canto Fundo

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O fotojornalista espanhol Adrián Morillo conheceu uma bailarina de flamenco no Verão de 2012, num festival onde ela estava prestes a actuar, na Andaluzia. Curioso pelo que se vivia nos bastidores, o fotógrafo entrou e deparou-se com o momento da confirmação de que viria a desenvolver um projecto fotográfico sobre a música flamenca. Narrou ao P3, em entrevista: "Conheci a bailarina María Moreno, que me atraíu muitíssimo." A décima primeira fotografia desta galeria é o retrato de María. "Fotografei-a antes e durante a sua performance. A experiência de ver María Moreno dançar foi muito impactante. Nunca antes tinha estado tão perto de uma forma de expressão tão emotiva e dramática. E nunca mais tornei a estar. Depois da sua actuação soube que o seu pai tinha falecido essa manhã. Tinha acabado de presenciar uma dança a sós com o seu pai." Foi então que Adrián entendeu a profundidade emotiva deste género musical, cujas história e raízes desconhecia até então. Este projecto chama-se "Jondo", o nome dado ao canto fundo flamenco, que é um estilo vocal que remonta ao surgimento do próprio género musical - desenvolvido pela comunidade cigana calé durante século XVIII. "A comunidade calé era composta por ciganos provenientes da Europa de Leste, era um povo nómada que se foi distribuindo pela Europa. [Na altura do seu surgimento,] o flamenco era uma prática marginal da região de Andaluzia, em Espanha, que decorria em reuniões familiares onde se cuidava que não estivesse alguém que não pertencesse à família. Nestas cerimónias partilhava-se um canto que narrava as vicissitures, medos, angústias e sonhos particulares desta comunidade. Um ritual despido, carente de guitarras e de baile, onde o canto fundo era o único meio de expressão possível e entendido como a expressão máxima da angústia nascida da experiência e da memória. Um canto improvisado, uma voz quebrada e incontrolada que surgia do sofrimento daqueles que o partilhavam." Assim descreve Morillo o canto fundo ("cante jondo"). Visitou, durante o desenvolvimento do projecto, inúmeras actuações deste género musical e perseguiu a essência desse espírito nos bastidores. "A práctica do flamenco tornou-se progressivamente pública, à medida que os ciganos se tornaram uma parte essencial da sociedade andaluz. (...) Converteu-se numa arte estudada e aberta, um espectáculo integrado dentro da cadeia económica contemporânea. A sua espectacularização trouxe consigo a omnipresença da festa. A abertura do flamenco à sociedade fê-la perder as suas características originais." Através da série fotográfica "Jondo", Adrián Morillo tenta resgatar, imageticamente, a atemosfera profunda, pesada, emotiva do flamenco, através da observação de quem lhe dá voz. Ana Maia