Creches criadas pela Câmara de Lisboa em dificuldades ou de portas fechadas
Entre as 11 creches do programa B.a.bá há três que ainda não abriram. A direcção de um dos equipamentos em funcionamento diz que está em risco de não pagar subsídios de férias aos funcionários e vai subir os preços.
Desde que foi anunciado, em Maio de 2011, o programa que a câmara apelidou de B.a.Bá e que inclui a criação de 11 creches em estruturas modulares tem sofrido uma série de vicissitudes. Primeiro foram os problemas no concurso público lançado para a concepção e construção daqueles equipamentos, depois os atrasos na conclusão das obras e finalmente as dificuldades em torno do financiamento da actividade das creches.
Neste momento, são oito aquelas que já estão de portas abertas, e que de acordo com a autarquia são frequentadas por cerca de 400 crianças, e três as que permanecem encerradas. Em respostas a perguntas do PÚBLICO, a câmara transmitiu que as últimas estão “a aguardar licença por parte da Segurança Social”.
Já a União das Mutualidades Portuguesas (UMP), que vai gerir uma creche com capacidade para 84 crianças na freguesia de Santa Clara, dá uma justificação diferente. Questionada pelo PÚBLICO sobre o porquê de esta creche ainda não ter entrado em funcionamento, a entidade presidida por Luís Alberto Silva justificou a situação com o facto de estar “a aguardar respostas relativamente à comparticipação financeira, fundamental para garantir o funcionamento e a sustentabilidade deste equipamento social”.
A UMP garante que “tem recebido bastantes inscrições de famílias que se encontram sem resposta de creche para as suas crianças”, salientando que a análise desses processos permitiu concluir que “os rendimentos das famílias são bastante reduzidos, tratando-se pois de crianças provenientes de famílias vulneráveis e com particulares dificuldades económicas”. Nesse sentido, diz a mesma entidade, “o apoio financeiro através da atribuição de uma comparticipação por utente, seja pela Câmara Municipal de Lisboa, seja pelo Instituto da Segurança Social, mostra-se fundamental para garantir o seu funcionamento e sustentabilidade”.
Em relação à câmara, a UMP lembra que esta “acordou” com as entidades a quem foi entregue a gestão das creches, “na altura das negociações”, “assegurar uma comparticipação, por utente, de 250 euros”. Quanto à segurança social, a entidade presidida por Luís Alberto Silva nota que já “requereu a celebração de um Acordo de Cooperação que assegure a comparticipação por utente, não tendo, até à data, recebido resposta”.
A questão do financiamento de que fala a UMP está também na origem das dificuldades sentidas pelas creches do Programa B.a.Bá que já estão de portas abertas. Dificuldades que, como o PÚBLICO noticiou na altura, já se faziam sentir em meados de 2014, e não foram até à data resolvidas.
Em causa está o não pagamento de um apoio financeiro que, de acordo com várias entidades envolvidas neste processo, foi prometido pela câmara, embora tal não tinha ficado escrito em lado algum. Desde que esta pasta foi assumida pelo vereador dos Direitos Sociais, João Afonso tem insistido que o apoio financeiro às creches “é da responsabilidade do Estado”, embora tenha também deixado a garantia de que o município “não se exime da sua responsabilidade e interesse em resolver o problema”.
Para a reunião da Câmara de Lisboa do passado dia 1 de Abril chegou a estar agendada uma proposta, subscrita por João Afonso, que visava “aprovar o apoio financeiro extraordinário ao funcionamento das creches B.a.bá no ano de 2013/2014”. A proposta, que segundo foi transmitido ao PÚBLICO previa o pagamento às entidades gestoras dos equipamentos de uma comparticipação de cerca de 245 euros por mês por cada criança do 1.º e 2.º escalão, acabou por ser retirada.
“Havendo a expectativa de ser encontrada a solução global, muito em breve, para a questão das creches B.a.Bá, foi decidido adiar para esse momento a votação, em reunião camarária, de uma proposta”, justifica a autarquia, que acrescenta estar a aguardar “a formalização, por parte da Segurança Social, da celebração de novos acordos e indicação do número de crianças apoiadas”.
Quem não se conforma com a justificação do município para o adiamento da proposta é a Associação Caminhos da Infância, que gere o Centro Infantil Maria de Monserrate (CIMM), no Areeiro. Para a direcção da associação, que admite que está em risco de não conseguir pagar os subsídios de férias aos trabalhadores da creche, “não faz sentido nenhum a câmara fazer depender um pagamento passado de uma coisa que, a haver, será para o futuro”.
No site da associação, os problemas que se fazem sentir na creche não são escondidos: “Dadas as dificuldades de liquidez e os actuais constrangimentos associados à obtenção de acordo de cooperação com a Segurança Social, e com a contínua falta de resposta da CML [Câmara Municipal de Lisboa], estabelecemos, para o ano lectivo 2015/2016, uma mensalidade única de 350 euros, excepto para as crianças que já frequentam o CIMM”, diz-se.
Ao PÚBLICO, a direcção reconhece esse facto e garante que daí não advirá o incumprimento da norma do contrato de arrendamento firmado com a câmara segundo a qual pelo menos 25% dos alunos não deverão pagar mais do que 50 euros por mês. “Vamos ter 50% a pagar o máximo e 50% a não cobrir o custo real, que é de 350 euros”, diz a direcção, considerando que em relação às crianças já inscritas há “um compromisso ético, moral” de continuar a cobrar os valores inicialmente estabelecidos. As mais penalizadas, acrescenta, serão as crianças da classe média, na medida em que nesta creche vão deixar de ser praticadas as mensalidades “intermédias”.
Segurança Social diz que “nunca foi auscultada”
O Instituto da Segurança Social reage com críticas ao município às perguntas do PÚBLICO sobre as creches criadas no âmbito do programa B.a.bá. “A Segurança Social nunca foi auscultada neste processo pela Câmara Municipal de Lisboa, ao contrário do que devia ter acontecido”, sublinha o instituto.
Em resposta escrita enviada através da sua Unidade de Comunicação, o instituto acrescenta que “neste momento a Segurança Social, dentro das inúmeras prioridades a que tem de atender a nível nacional, está a procurar uma solução para resolver um assunto sobre estas creches, impulsionadas desde o início e em exclusivo pela Câmara Municipal de Lisboa”.
Aquela entidade não esclarece se há de facto creches “a aguardar licença por parte da Segurança Social”, como diz a câmara, nem tão pouco diz se as entidades gestoras das creches já apresentaram pedidos de celebração de acordos ou quando se prevê que eles venham a ser celebrados.
Segundo o instituto, a 31 de Dezembro de 2014 estavam em vigor, na área das crianças e dos jovens, 5107 acordos, “correspondentes a um investimento de 510.722.654,40 euros”.