E agora algo completamente diferente: "Capitão Falcão"

O filme é tecnicamente bom, é desconcertantemente original, e não abdica de um cunho autoral, apesar do seu cariz popular e da apropriação de géneros cinematográficos e de outras fórmulas

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"Capitão Falcão" é o último filme popular português a chegar às salas. Tão inovador quanto audacioso, o filme de João Leitão tem falhas, mas tem também méritos notórios. O filme poderá ser analisado de forma isolada, mas talvez seja mais frutífero observá-lo tendo em conta o restante contexto do cinema português.

"Capitão Falcão" é uma espécie de herói de BD primitivo ao serviço do Estado Novo. Pegar num período ainda hoje controverso e cinzento, cada vez mais sujeito a revisionismo histórico e a saudosismos, poderia perfeitamente resultar em desastre. Por isso, a gestão equilibrada da tensão entre o ambíguo, o jocoso e a mensagem será, possivelmente, o ponto mais bem conseguido do guião. O exercício de desmontagem de certos discursos do antigo regime, embora por vezes problemático, é inteligente e pungente quanto baste. O problema principal, como referiu já Jorge Mourinha, é a falta de ritmo. O cómico esvai-se e, neste sentido, sai-se da sala com a sensação de que soube a pouco. A premissa prometedora e a expectativa gerada em torno do filme funcionam, paradoxalmente, um pouco contra ele.

Embora seja difícil afirmar que o filme se cumpre plenamente, há nele elementos que confirmam o ponto de viragem que desde há um tempo a esta parte se tem verificado no cinema português. Refiro-me principalmente a três aspectos: o filme é tecnicamente bom; é desconcertantemente original; e não abdica de um cunho autoral, apesar do seu cariz popular e da apropriação de géneros cinematográficos e de outras fórmulas.

Os problemas crónicos

Ao longo de décadas a produção nacional sofreu de problemas crónicos que acentuaram o estigma em torno do cinema português. O som roufenho, a montagem claudicante, a imagem de qualidade duvidosa e o registo excessivamente “teatral” por parte dos actores ditaram em parte a supremacia da telenovela brasileira e das séries americanas no entretenimento em Portugal. Durante anos não seria sequer possível levar a cabo uma tarefa de realização como "Capitão Falcão", por muito que se quisesse, sem parar o país e mover mundos e fundos.

Foi necessário muito tempo para que as tecnologias se democratizassem e os recursos humanos que tornaram possíveis "Capitão Falcão" e outros filmes mais recentes se desenvolvessem. O resultado: bandas sonoras, "stunts", genéricos e guarda-roupas de nível internacional — tendo em conta o campeonato a que o filme pertence. Não há nada em "Capitão Falcão", para além da língua e do assunto, que o façam parecer um “filme português”, expressão tantas vezes conotada com uma produção pobrezinha, onde os parcos recursos eram assumidamente notórios e limitativos. Não que o filme tenha tido um orçamento estratosférico (não teve), mas uma conjuntura favorável e o empenho de toda a equipa em levar a cabo este projecto condignamente está presente em cada cena e aspecto relacionado com a publicidade. É, entre outras coisas, este compromisso e esta postura que caracterizam um filme “indie”, e isso pode fazer — e faz — toda a diferença.

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