Duas mil horas de trabalho depois, o relatório do BES foi aprovado
PSD, PS e CDS votaram a favor. O BE absteve-se. O PCP votou contra. A comissão de inquérito ao BES acabou com uma salva de palmas e consensos inéditos, como o relativo ao fim dos off-shores.
O “apuramento dos factos” ocupa mais de metade do relatório. É um trabalho complexo, que detalha a participação dos agentes desta história: Ricardo Salgado e restantes administradores do GES, auditores, supervisores, governantes. É, em grande medida, o relato que ficará para a história desta comissão - porque as conclusões podiam ser outras e as recomendações têm prazo de validade.
Quanto aos factos, aquilo que nos permite a todos opinar, a unanimidade dos deputados ficou garantida na primeira votação do dia. Com elogios de todos os partidos. “O relatório está bem feito, está bem escrito, é fiel à verdade e é sério”, resumiu Pedro Nuno Santos, o coordenador do PS. “Não hesito em dizer que depois deste dia as comissões parlamentares de inquérito nunca mais serão o que foram até hoje”, sublinhou Carlos Abreu Amorim, do PSD.
Esta acabou com uma salva de palmas, depois da votação final global e das últimas declarações dos partidos, que enalteceram a qualidade do trabalho de todos: deputados, relator, presidente, assessores, funcionários parlamentares (do Sr. Fernando que assegura as condições da sala 6 à assessoria jurídica da comissão), até a dos jornalistas que acompanharam estes seis meses de trabalhos. O PCP foi o único partido a votar contra o relatório, mas sublinhando, pela voz de Miguel Tiago, que o fazia sobretudo por razões ideológicas, mais do que por divergências com o teor concreto do relatório.
Na votação na especialidade (em que os deputados apreciaram primeiro o apuramento dos factos, depois as 592 conclusões e, por fim, as 70 recomendações), não houve votos contra. O PCP absteve-se nas conclusões e nas recomendações, tendo visto as suas propostas de alteração (aquelas que o relator não incluiu no texto final) chumbadas pela maioria dos partidos. O BE também apresentou alterações, que foram chumbadas, mas votou favoravelmente cada um dos pontos do relatório. Mariana Mortágua explicou porquê: “Considerem este voto a favor como um compromisso para que quando estivermos a discutir as alterações legislativas nos lembremos do que estivemos a fazer aqui.”
Tal só foi possível, lembrou Cecília Meireles, do CDS, dada a “enorme paciência democrática” do relator e a capacidade de “cedência de todos os partidos”. Miguel Tiago, do PCP, confirma. Houve um “esforço de inclusão” de muitas das 96 propostas que os comunistas apresentaram. O problema, explicou o deputado, é que o relatório foi escrito com um enquadramento distante daquele que o PCP considera ser o verdadeiro problema: a natureza da banca e “da propriedade privada”. Contudo, o deputado do PCP considerou natural este desfecho.
Mariana Mortágua também apresentou críticas. “Este não é o relatório do BE.” Contudo, a estratégia do Bloco passou por “dar força” às recomendações deste relatório, apostando numa tentativa de consenso que se mantenha para lá da comissão, quando forem discutidas em plenário as alterações à legislação sobre o sistema financeiro. “Temos o dever de mudar a lei a respeito dos off-shores”, disse, sendo secundada por intervenções nesse sentido do PS, do PSD e do PCP.
“O diálogo genuíno, por vezes, compensa”, tinha dito, no início dos trabalhos, o relator Pedro Saraiva. Esta era uma das nove conclusões que tirou da sua experiência - “causa a que dediquei 2 mil horas de vida.” Fernando Negrão, o presidente da Comissão, explicou, no final, porque passou estes seis meses sem referir, uma única vez, “o nome de nenhum partido político”. E talvez esteja aí, na prevalência dos nomes próprios dos deputados, uma das chaves do êxito desta comissão.