Qual será o défice real em 2015?
O Conselho de Finanças Públicas (CFP) considera que o Governo vai tomar medidas quantificadas, mas não especificadas devidamente no OE2015, para que o défice não seja superior a 3% dada a importância de não se ter um défice excessivo em 2015. Na realidade só o saberemos em definitivo em Março de 2016 quando o INE fizer o seu apuramento.
Aquilo que designo aqui como “saldo real” é aquele que resulta de uma execução sem medidas extraordinárias e sem cativações de despesa. Também estou convicto que dada a importância simbólica de não ultrapassar os 3%, que o Governo, se necessário, irá utilizar todos os instrumentos ao seu alcance para apresentar um “saldo global efectivo” inferior aquela barreira psicológica. Porém, tal não traduzirá a situação real do país que se vê quer através do “saldo real” quer, de forma ainda melhor do saldo estrutural primário (sem juros nem efeito do ciclo económico).
A metodologia que tenho utilizado aqui para estimar o défice real, é fácil de entender, embora difícil de implementar. Trata-se de analisar os desvios da nossa estimativa da execução orçamental em relação ao previsto no OE2015 a partir das principais rubricas das receitas (os seis principais impostos, e as contribuições para a CGA e Segurança Social) e das principais despesas (pessoal do Estado e dos FSA pensões da CGA e Segurança Social, subsídio de desemprego) e outras despesas que não têm tanta relevância económica, mas que têm muita relevância social (RSI, CSI, subsídio a crianças e jovens). Esse desvio é negativo (-0,54% do PIB ou seja quase mil milhões de euros) pelo que partindo do saldo inscrito no OE2015 (-2,7%) obtém-se uma previsão de défice de 3,24% do PIB, assumindo que o desvio em contabilidade pública (em que são registados os dados) é idêntico ao em contabilidade nacional (que é relevante para Bruxelas e para nós).
A figura fala por si e ilustra a quase totalidade dos desvios estimados. A agravar o défice deverá estar uma sobreorçamentação das receitas fiscais e das contribuições sociais e uma suborçamentação da despesa com pessoal do Estado. A minorar o défice está a eventual sobreorçamentação do subsídio de desemprego e das despesas de pessoal nos FSA. A um nível de maior detalhe na fiscalidade o IVA terá uma receita maior do que a orçamentada, mas esse desvio é neutralizado pelo desvio negativo do IRS. Acontece que a receita fiscal em IRC, Imposto de Selo e Tabaco, será provavelmente inferior à prevista, o que explica aquela variação.
Estamos ainda no terceiro mês do ano, e estes resultados são obviamente preliminares, mas as tendências sobretudo as mais expressivas já não nos suscitam grandes dúvidas.
O eclipse do governo, a cultura e o conhecimento
1- O governo apresentou o Plano de Estabilidade (PE) no Parlamento, aquilo que deverá ser a sua estratégia caso vença as eleições legislativas de Outubro, e as medidas que pensa tomar. Doze economistas apresentaram as propostas para um compromisso para a década e ofereceram-nas ao PS e ao debate publico do país. Pois bem, o PE do Governo passou completamente despercebido quer na Assembleia da República quer nos comentadores. Digamos que o Governo se eclipsou do país.
Em vez de debater as suas medidas pareceu mais interessado em debater as propostas dos economistas. Questionaram a credibilidade dos números que apresentamos, mas sinceramente, parece-me que falta autoridade ao Governo para falar de credibilidade nos números quando se trata de previsões.
Recorde-se o fracasso total das previsões orçamentais para 2012 nomeadamente no tocante à receita fiscal. Só em três impostos (IRS, IRC e IVA) o Governo falhou as previsões em 2736 milhões de euros ou 1,7% do PIB. Não tenho memória de tão enorme erro de previsão da receita fiscal. Comparem-se sucessivos documentos de estratégia orçamental e veja-se quão ambicioso era o Governo no início no corte das “gorduras do Estado” e na concomitante redução do seu peso na economia e como rapidamente alterou todas as suas previsões.
2- No livro “O Prisioneiro, o Amante e as Sereias” está a figura de O. Williamson que ilustra que acima do funcionamento ordinário da economia estão instituições de segunda ordem (contratos e estruturas de governação), e acima destas outras de primeira ordem (desenho constitucional, sistemas eleitorais, direitos de propriedade). Quer umas quer outras estão encrustadas (Granovetter) em instituições informais (costumes, tradições, normas, religião), as mais difíceis de mudar.
Nunca em democracia tivémos um excedente orçamental precisamente pelo desajustamento entre as regras formais da União Económica e Monetária (por exemplo o PEC) e a, chamemos-lhe, cultura predominante nas nossas elites políticas e sociais que leva a contorná-las com habilidades (desorçamentação, PPP, etc.). A mudança cultural que é necessário operar no país, da esquerda radical ao CDS, é passar a fundamentar as propostas de políticas públicas no conhecimento da realidade do país.
Foi isso que António Costa pediu aos economistas e foi isso que nós contribuímos dentro das nossas possibilidades. O PS já iniciou, e tem de reforçar, a sua mudança cultural. Esperamos que os outros, Governo e oposições, também o façam. Professor ISEG/ULisboa. Membro do Grupo de Trabalho do cenário macroeconómico para o PS