Alex Ross Perry filma os piores momentos da vida das pessoas
No momento em que um jovem cineasta americano dá que falar internacionalmente, o IndieLisboa mostra os filmes que lhe trouxeram esse reconhecimento – Listen Up Philip e Queen of Earth
Listen Up Philip (2014), uma comédia negra e escarninha sobre o universo literário interpretada por Jason Schwartzman, Elisabeth Moss e Jonathan Pryce, venceu o Prémio Especial do Júri em Locarno, em Agosto último, e passa na competição internacional (hoje na Culturgest às 21h30 e domingo, às 22h00, no Ideal). Queen of Earth (2015), com Moss e Katharine Waterston num confronto entre duas amigas numa casa de férias, estreou-se em Fevereiro, em Berlim, e é mostrado numa sessão única fora de concurso (Culturgest, sábado 2 às 21h30).
Ao telefone de Nova Iorque, Alex Ross Perry confessa ao PÚBLICO estar tão entusiasmado quanto curioso sobre o interesse internacional pelos seus filmes: “Acho óptimo que as pessoas mostrem estes dois filmes juntos. Mas muitas vezes pergunto-me o que é que os faz viajar assim; Listen Up Philip, por exemplo, é um filme tão verbal, tão apoiado no diálogo, que deve haver muitas coisas que passam ao lado dos europeus...”
Em parte, esse interesse vem da referência constante ao cinema dos anos 1970. Ver os seus filmes é sentir-se transportado para uma estética e para um olhar sobre o mundo que remete para os filmes de gente como Woody Allen, Bob Rafelson, Sidney Lumet, Arthur Penn ou Hal Ashby. “Nasci em 1984, por isso muitos desses nomes moldaram o mundo em que nasci e onde cresci. Vêm de uma era onde as coisas eram muito mais livres em termos do tipo de cinema que se fazia: eram dramas adultos sobre pessoas feitos com relativamente pouco dinheiro, e cresci a achar que esses filmes eram o que de melhor se podia fazer enquanto cinema de qualidade. Já não se fazem muito hoje em dia...”
Curiosamente, para Queen of Earth as referências foram muito mais europeias. “Rainer Werner Fassbinder foi importante para esse filme, sobretudo Martha e As Lágrimas Amargas de Petra von Kant – o modo como ele olhava para mulheres retidas num local e em conflito emocional uma com a outra. Vi os dois filmes juntos numa sessão dupla e foram uma inspiração muito forte. Mas também pensámos muito em Polanski, sobretudo em Repulsa e Beco sem Saída.”
O Indie mostrara a segunda longa de Ross Perry, The Color Wheel (2011), no concurso internacional de 2012, mas os dois novos filmes, rodados e estreados no espaço de tempo de 18 meses, marcam um salto de gigante para o cineasta nova-iorquino. A temática não mudou significativamente – a sua insistência em acompanhar personagens alheadas e niilistas que se julgam o centro do mundo. The Color Wheel seguia um irmão e uma irmã cuja relação passiva-agressiva tornava um tormento acompanhá-los durante uma mudança; o Philip de Listen Up Philip é um escritor nova-iorquino narcisista e egocêntrico que vive no seu próprio mundo; em Queen of Earth, Catherine, recém-saída de uma separação, literalmente envenena o ambiente durante a estadia na casa de férias de uma amiga. “Os meus filmes são sobre pessoas que estão a passar pelo pior momento das suas vidas”, defende Ross Perry. “São pessoas feridas, e é isso que as torna tão interessantes. Passar tempo com elas pode ser difícil, porque estão a passar por algo desagradável, mas isso não faz delas más pessoas.”
O salto de gigante, então, tem mais a ver com os recursos disponíveis e com a própria experiência do realizador ao passar de rodagens improvisadas com amigos e conhecidos para estruturas mais formais e profissionalizadas. “Não teria sido capaz de subir de nível se não tivesse começado como comecei, nem acho que tenha mudado assim tanto o modo como trabalho. Acontece apenas que Listen Up Philip é como se fosse o meu primeiro filme verdadeiro: foi a primeira vez que rodei com actores profissionais e uma equipa grande. Já Queen of Earth foi feito muito depressa, um pouco 'contra' Listen Up Philip, que era um filme 'castanho', cheio de câmara à mão, enquanto este é um filme 'azul', frio e estéril, com a câmara muito mais estática. Foi divertido rodar outra vez com uma equipa de seis pessoas, num único cenário, muito depressa.”
Esse voluntarismo de fazer coisas com poucos meios é comum à nova geração de cineastas independentes americanos que o Indie tem ajudado a revelar em Portugal (e que continua sem chegar às nossas salas) – como Andrew Bujalski, Matt Porterfield, Joe Swanberg ou Joel Potrykus. “Muitos de nós conhecemo-nos mutuamente e apoiamos muito fortemente os filmes uns dos outros,” explica o realizador – Swanberg, por exemplo, é um dos produtores de Queen of Earth. “Isso leva toda a gente a fazer melhores filmes e a ajudar-se uns aos outros a irem mais longe. Ao longo dos últimos anos criou-se uma atmosfera de cinema muito viva e excitante, atenta a coisas diferentes e que falam directamente com as pessoas.” Alex Ross Perry é provavelmente um dos melhores exemplos disso – e vamos poder vê-lo no momento certo.