Guerra colonial: “Adeus e até ao meu regresso”
A memória colectiva de todos os que estiveram mobilizados na guerra do ultramar está condensada numa frase emblemática e no paradoxo emocional entre os soldados e os seus familiares. Para ver até dia 1 de Maio no TAGV
Na sala branca do Teatro Académico Gil Vicente estão alinhadas dez fotografias, com rostos de militares mobilizados na Guiné, Angola e Moçambique, quando estes proferiam a frase “adeus até ao meu regresso!”. As fotos estão montadas em caixas de luz que se acendem e desligam a aleatoriamente. As diferentes vozes a entoar aquela frase sucedem-se, em "loop". Frederico Dinis, autor desta instalação visual e sonora, quis relembrar a época em que não existiam grandes possibilidades de comunicar com quem estava longe e onde a visão dos entes queridos na televisão funcionava como um bálsamo que aliviava a ansiedade e a aflição dos que viviam por cá. Uma exposição inserida no âmbito da Semana Cultural da Universidade de Coimbra, que este ano assinala os 725 anos da sua fundação.
Porque quis trabalhar o tema da guerra colonial?
A ideia surgiu de duas motivações diferentes, primeiro a participação do meu pai (e de outros familiares) na guerra colonial e recentemente a possibilidade de explorar o espólio do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra. Tendo crescido com um pai antigo combatente foram diversas as vezes em que o seu envolvimento neste período da história me despertou interesse, principalmente em saber mais sobre essa sua participação. Apesar desta minha curiosidade, sempre correspondida com histórias de episódios envolvendo camaradas, retratando situações normais, e nunca com relatos de missões ou pormenores sobre a guerra em si. Este silêncio sobre este período de alguém que o viveu na primeira pessoa ainda serviu para aguçar mais a minha curiosidade. Nos últimos anos tive a oportunidade de conhecer o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra e de trabalhar o seu espólio. Este acesso possibilitou-me conhecer mais aprofundadamente um período da nossa história, que permanece muito em silêncio, e assim diminuir (um pouco) a minha curiosidade.
Quanto tempo passou a vasculhar os arquivos?
Do imenso espólio do Centro de Documentação chamou-me a atenção as mensagens de vídeo de natal e de ano novo que eram transmitidas pela RTP, devido ao meu interesse de investigação focado no estudo das relações entre o som e a imagem. Após algum tempo de visionamento, entendi que existia um paradoxo entre as mensagens e os relatos de quem por cá assistia a elas. Assim, a grande maioria das mensagens tem uma grande falta de emoção dos soldados que são entrevistados, devido a estes serem "apanhados" a caminho de missões ou estarem em funções militares, e a carga emocional que o visionamento destas imagens gerava nos seus familiares e entes queridos em Portugal. Foi este paradoxo que me levou a pensar em desenvolver uma instalação que mostrasse as imagens dos militares, obtidas da projecção dos vídeos, com uma componente sonora que se tornou uma frase emblemática da guerra colonial, o "adeus até ao meu regresso". Foi um trabalho de pesquisa e estudo do espólio que demorou cerca de 3 meses.
Quando pesquisava as imagens, já o “adeus até ao meu regresso” ecoava na sua cabeça, ou ele surgiu depois, pela repetição?
Sendo filho de um ex-combatente já tinha ouvido relatos sobre a utilização da frase em diversos outros contextos. Mas, após o trabalho de visionamento, a sua constante repetição, quase mecânica, por parte de todos os militares acabou por tornar clara a sua escolha para o título. A própria componente sonora da instalação, transmitida num rádio da década de 70, recorre a dez frases de militares a dizerem "adeus até ao meu regresso" em "loop" contínuo, frases estas extraídas da componente sonora das mensagens.
As imagens dos soldados estão desfocadas. É de propósito?
O objectivo da instalação é trazer à discussão a memória colectiva dos combatentes da guerra colonial e a escolha das imagens procura representar o colectivo e não dez soldados em específico, daí estarem desfocadas. As imagens estão montadas em caixas de luz que se acendem e desligam aleatoriamente.
Existe a possibilidade desta instalação voltar a ser exibida?
Sim, claro que sim. Como peça dedicada à memória não faz sentido estar "fechada". Faz todo o sentido mostrar e trazer à discussão uma época na nossa memória que ainda tem muitos silêncios.