Economistas, políticos e apóstolos
Costa já colocou as cartas em cima da mesa. A partir daqui teremos um debate mais construtivo.
Depois da “Agenda para a Década”, agora é a vez de o PS de António Costa apresentar “Uma Década para Portugal”. A década é a mesma, mas o documento que foi elaborado por um grupo de 12 economistas apresenta propostas concretas. Do ponto de vista político, o PS dá um passo em frente. Concordando, ou discordando, os socialistas colocam em cima da mesa uma alternativa e o grupo parlamentar do PS deixa de andar órfão de discurso e à espera do 6 de Junho (data prevista para a apresentação do programa eleitoral), que nunca mais chegava.
Ainda no plano político, foi triste a reacção a quente do PSD, que, pela voz de José Matos Correia, veio apelidar o plano do PS de "programa do logo se vê". Mas quando foi questionado sobre medidas concretas, disse: "Não tive, como calcularão, oportunidade de ler o documento [...].”
António Costa já advertiu que o documento "não é a Bíblia", nem os economistas "são apóstolos". Provavelmente, um grupo de outros 12 economistas, igualmente bem-intencionados, teria feito propostas diametralmente opostas. A bondade ou as fragilidades do documento vão ser escalpelizadas ao longo dos próximos dias.
Após uma primeira leitura, não deixa de ser preocupante que os economistas façam tábua rasa de algumas reformas, como a do IRC, que por acaso até resultou de um acordo com o PS de Seguro. Ou a do quociente familiar, que seria substituído por uma nova dedução. Se as reformas estruturais são redesenhadas de quatro em quatro anos, deixam de ser reformas estruturais.
O documento também sugere a reposição mais acelerada do rendimento das famílias, propondo uma reposição total dos salários da função pública e uma eliminação da sobretaxa já a partir de 2017. E o IVA da restauração regressa aos 13%. O documento confia que o próprio alívio da austeridade dará um impulso adicional à criação de riqueza, que por sua vez tratará de conter a derrapagem no défice provocada por esse mesmo alívio.
Os economistas lançam sugestões válidas, mas bastante polémicas, para a Segurança Social e para o mercado de trabalho. Baixar a TSU no imediato a troco de pensões mais baixas no futuro é uma operação arriscada se a economia não evoluir como se espera. E no mercado de trabalho, o limite que se quer colocar nos contratos a prazo é “compensado” por uma outra proposta de cariz mais liberal, que é a criação de uma nova forma de despedimento, o chamado “regime conciliatório”. Resta saber como a ala mais à esquerda do PS reagirá.
A nível social, o documento tem a preocupação de tentar repor os chamados mínimos sociais, e cria o "complemento salarial anual", que é uma espécie de crédito fiscal para aqueles que recebem um salário abaixo do limiar de pobreza. Não é claro onde é que o PS conseguirá meios para esta política social mais simpática, mas hoje já se sabe definitivamente muito mais sobre o que pensa o PS do que aquilo que se sabia ontem. E isso é positivo para que a partir de agora o debate seja feito à volta de ideias e propostas concretas.