Mortes de figuras da oposição ensombram clima político na Ucrânia

Um ex-deputado do Partido das Regiões, liderado pelo ex-Presidente ucraniano, encontrado baleado em casa e um jornalista pró-Moscovo morto em plena rua. Desde Janeiro que oito personalidades próximas de Ianukovich morreram em circunstâncias misteriosas.

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Aliados do ex-Presidente estão a braços com a justiça ucraniana Konstantin Chernichkin/Reuters

As autoridades abriram um inquérito por “morte com premeditação” ao caso de Kalashnikov, segundo o deputado Anton Guerashenko, conselheiro do Ministério do Interior. O corpo foi encontrado na sua casa em Kiev e a morte foi “causada por balas”, informou o ministério, através de um comunicado citado pela AFP.

Os investigadores vão trabalhar sobre vários possíveis motivos para a morte de Kalashnikov, entre os quais as suas “actividades políticas”. O ex-deputado era um dos organizadores das marchas “Anti-Maidan” — que pretendem servir de contraponto aos protestos pró-europeus. A televisão estatal russa Russia Today refere uma carta que Kalashnikov terá escrito a um amigo recentemente em que dizia que um “genocídio aberto contra a oposição, ameaças de morte e insultos sujos” se tornaram “a norma”.

A morte do ex-deputado do Partido das Regiões é a mais recente de uma série de mortes em circunstâncias estranhas entre aliados do antigo Presidente ucraniano Viktor Ianukovich, nos últimos três meses. Entre eles está o próprio filho de Ianukovich, que morreu no final de Março depois de um autocarro se ter despistado para o interior do lago Baikal, na Rússia.

Um jornalista ucraniano, conhecido por ter posições pró-russas, foi morto nesta quinta-feira por dois atiradores em Kiev, de acordo com o Ministério do Interior. Oles Buzina escrevia para o jornal diário Sevodnya e chegou mesmo a concorrer às eleições legislativas pelo Bloco Russo, não tendo conseguido ser eleito. Tal como Kalashnikov, o jornalista também estava envolvido nas marchas "Anti-Maidan".

O Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, considerou que as duas mortes são uma "provocação deliberada" para desestabilizar o Governo e prometeu uma investigação "transparente". "É evidente que os dois crimes são do mesmo género", acrescentou.

Círculo de Ianukovich sob fogo

Depois da fuga de Ianukovich para a Rússia, em Fevereiro do ano passado, na sequência dos protestos na Praça da Independência de Kiev, o Partido das Regiões, que então controlava o aparelho de Estado, o Parlamento e várias regiões do país, entrou rapidamente em processo de colapso. Vários dos seus membros desertaram e actualmente os que se mantêm estão concentrados num novo partido, o Bloco da Oposição.

O novo Governo ucraniano lançou, desde então, um processo de “ajuste de contas” com esse passado recente através de várias investigações e da emissão de mandados de captura — o próprio Ianukovich, que encontrou abrigo na Rússia, é procurado pela Interpol por “homicídio em série” por causa do seu papel durante os protestos em Kiev, em que uma centena de pessoas foram mortas pelas forças de segurança.

Muitos dos antigos membros do círculo de Ianukovich fugiram para a Rússia, mas os que permaneceram na Ucrânia eram frequentemente vítimas de insultos e ameaças — alguns chegaram mesmo a ser empurrados para caixotes do lixo por multidões em fúria.

Um ex-governador regional, que estava a ser investigado pela sua participação na repressão dos protestos em Kiev no início do ano passado, foi encontrado morto também no último mês. Oleksandr Peklushenko, ex-líder da província de Zaporizhzhia (Sudeste), foi baleado no pescoço e as investigações apontavam para a tese de suicídio.

A 9 de Março, o ex-deputado Stanislav Melnik apareceu baleado na casa de banho da sua casa. Mikhailo Sheshetov, que foi vice-presidente do partido, morreu depois de se atirar da janela de um 17.º andar no final de Fevereiro. Pela mesma altura, o ex-autarca de Melitopol (Sudeste), Sergei Valter, que estava a ser investigado por abuso de poder, foi encontrado enforcado e, um dia depois, um ex-dirigente da polícia da mesma cidade também apareceu morto. A 29 de Janeiro, o ex-governador de Kharkov (Nordeste), Oleksii Kolesnik, foi encontrado enforcado.

O Ministério do Interior tem catalogado estes casos como suicídios, mas os críticos do Governo consideram que a pressão das investigações sobre os ex-políticos os tem levado a tirar a vida. “Centenas de pessoas nas províncias são chamadas diariamente para interrogatórios pelos investigadores. Estamos a ver o procurador-geral a tornar-se um órgão punitivo”, dizia em Março ao Guardian Sergei Larin, membro do Bloco da Oposição. “É assim que a democracia tem sido destruída.”

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