Atitude dos EUA em relação à base das Lajes foi “ostensivamente hostil”

Vasco Cordeiro, presidente do Governo Regional dos Açores, acredita, contudo, que ainda há espaço para solução de compromisso.

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Rui Soares

Passaram cerca de três meses desde a reunião da comissão bilateral marcada para discutir a redução militar nas Lajes e o silêncio instalou-se. Está preocupado?
Nem todas as diligências que se fazem neste âmbito se revestem da publicidade e da mediatização que uma reunião em concreto teria. Nesta fase estarão a ser acertados os calendários e os pormenores logísticos para a próxima reunião e o que eu gostava de dizer é que tenho confiança que o agendamento dessa reunião extraordinária corresponda a um acto de boa-fé de ambas as partes no sentido de se discutir com seriedade o assunto.

Quais são os assuntos que têm de ser abordados para poder considerar que o processo estará no bom caminho?
Não é possível chegarmos à próxima reunião com alguns aspectos fechados. Isso seria a negação da utilidade da própria reunião. Tudo o que tenha a ver com a configuração da intenção que foi manifestada pelos EUA quanto a números e calendários, a assunção de uma responsabilidade de ajudar a lidar com o impacto social e económico. Há um conjunto de dúvidas que considero legítimas da nossa parte e que devem ser debatidas. Houve compromissos públicos da parte americana — refiro-me às declarações que o então secretário Leon Panetta fez quando esteve em Portugal — e aquilo que foi anunciado não corresponde ao cumprimento desse compromisso.

Ao longo deste processo, muito do esforço de pressão centrou-se no Congresso norte-americano. Foi a estratégia correcta?
Face à forma e aos sinais que foram sendo recebidos quanto à abertura de outros níveis do Governo americano, essa incidência no Congresso foi uma boa abordagem. Porventura terá sido mais publicitada, mas também sei que não foi exclusiva. Houve outras diligências a outros níveis para demonstrar que se estava perante uma má intenção.

Mas ir pelo Congresso não é um desafio à Administração? Se apostamos na oposição, não colocamos em risco a disponibilidade da Administração Obama?
Nós socorremo-nos de todos os meios que temos à disposição. Há um dado na sua pergunta que faz toda a diferença. Nós não deixámos de falar com o Executive Branch. Não cortámos pontes. Mas também não era aceitável que limitássemos as possibilidades de abordar esse assunto com outros níveis de poder apenas por causa dessa situação. Foi a abordagem correcta, e foi a que da parte do Governo dos Açores teve a intervenção talvez mais incisiva, fruto também das ligações que existem entre congressistas e os Açores. Saliento que não está em causa a legitimidade dos EUA em definir, com o seu dinheiro, a organização dos seus meios militares. Se é certo que o pode fazer desta forma no seu território, quando estamos a falar do território de um país aliado o assunto  não deve ser conduzido desta forma.

Está a referir-se à forma como o anuncio foi feito?
Sim. Ignorar todos os esforços que o nosso país fez ao longo de dois anos, não havendo a mínima consideração quanto aos alertas que foram lançados, parece-me algo de ostensivamente hostil.

Essa hostilidade não lhe parece um mau sinal em relação ao resultado final disto?
O que eu sei é que o assunto, pelas várias dimensões da nossa relação, não devia ter sido tratado dessa forma. E na sequência de todo o esforço feito ao longo de dois anos não podíamos ter chegado ao resultado a que chegámos, que é exactamente o mesmo que foi anunciado em 2012. Não encontro qualquer justificação para que não tenham sido considerados argumentos que me parecem válidos da parte portuguesa. Até admito que não considerassem todos os argumentos.

Quando o ex-secretário da Defesa dos EUA Leon Panetta veio a Portugal, foi recebido pelo ministro da Defesa português. Panetta passou por outros países europeus nessa altura e foi recebido pelos primeiros-ministros. Isso teve consequências?
Deixe-me responder desta forma: cometo a ousadia de invocar o que tenho feito ao longo destes dois anos. Eu, para defender os interesses da minha região, faço aquilo que for preciso, reúno-me com quem for preciso. Vou aonde for preciso. Acho que é assim que estes assuntos devem ser tratados.

Acha que se vai chegar a um momento em que Portugal terá de responder da mesma forma como os EUA anunciaram a decisão? Em Janeiro falou numa bofetada de luva branca...
Eu continuo a acreditar na boa-fé e na sinceridade da abordagem dos diversos intervenientes. Temos um processo desencadeado em que há a oportunidade de corrigir o que não terá corrido da melhor forma.

Esta questão das Lajes é o principal problema que enfrenta neste seu primeiro mandato?
Posso-me queixar de muita coisa neste mandato, não posso queixar-me de falta de desafios. E que não têm que ver apenas com a questão da intenção americana. Temos uma situação económica e social que exige o melhor dos esforços do governo e dos açorianos para ser ultrapassada. Fizemos nos últimos anos um trajecto particularmente elucidativo da capacidade dos açorianos de ultrapassarem esses desafios. Do ponto de vista social, do ponto de vista da educação. Mas continuamos com desafios muito concretos.

Como, por exemplo?
Desemprego. Uma das áreas que foram definidas desde o inicio como o principal desafio. Temos desafios para ir a sectores mais específicos e concretos, como na área da agricultura. A extinção do regime de quotas leiteiras, pela influência que pode ter em termos de desregulação do mercado e dos preços pagos à produção, é um aspecto que exige particular atenção. Na Educação, temos desafios que passam pelo sucesso escolar e abandono precoce e matérias em que, além do que já foi feito, há ainda muito a fazer. No domínio do Turismo, a alteração quanto ao modelo das acessibilidades aéreas à região implica um esforço acrescido de monitorização.

A vinda das low-cost não podia ter ocorrido há mais tempo?
Esteve três anos parada nas gavetas do Ministério da Economia. O primeiro encontro que tive com o então ministro Álvaro Santos Pereira foi em Agosto de 2011. Mas o que interessa é que está decidido. Através de um bom modelo, garantindo aqueles que eram os objectivos primordiais: protecção dos residentes e dos estudantes. E para nós não é indiferente ver a Região Autónoma da Madeira reclamar o modelo aplicado nos Açores.

Já se nota algum impacto desta mudança?
Nota-se ao nível dos preços.

E na economia e turismo?
Ainda é cedo. Há muitos factores a ter em conta neste processo. Não é possível comparar o fim-de-semana de Páscoa deste ano com o do ano passado. Temos que ver quando calhou a Páscoa. Estamos a iniciar uma caminhada e não escondo que nessa relação que se estabelece entre rotas liberalizadas e o próprio modelo de funcionamento interno haja acertos que devam ser feitos. Estamos numa ilha [Pico] que tem diversas forças vivas que têm criticado as soluções apresentadas. Estamos num esforço para garantir que o modelo que temos serve os açorianos e é um factor de desenvolvimento e de criação de emprego.

Mas considera a situação preferível à anterior?
Sim, é. Mas coloca ela própria desafios.

Há-de ter estudado o impacto desta decisão a cinco anos...
Temos que atender a questões prévias, nomeadamente o tipo de turismo que os Açores oferecem. E este não é, propriamente, um tipo de turismo de massas. Não oferecemos sol, não oferecemos praia, apesar de os termos. Isso enforma também o tipo de turista que vem aos Açores. Há factos que consideramos que trarão resultados. Entre 2006 e 2007 tivemos o melhor ano turístico, com 1,4 milhões de dormidas e tivemos algumas perturbações durante os últimos anos com descidas significativas. Estamos numa fase de recuperação. Há, contudo, três ou quatro ideias-chave que posso transmitir. Temos que ser particularmente rigorosos na salvaguarda da nossa capacidade de sustentabilidade ambiental. Não podemos correr o risco de matar a galinha dos ovos de ouro. Reconheço que o risco existe e procuraremos evitar que se concretize. Obviamente que os Açores têm ainda capacidade de crescimento em termos de oferta turística. Temos ilhas com uma realidade muito diversa, umas que estão mais exploradas ou mais conhecidas do ponto de vista turístico e isso implica avançar também nesse desenvolvimento. Vamos deixar este modelo funcionar, aperfeiçoar o que for necessário, desde logo nas ligações entre ilhas, com a confiança de que demos um passo significativo face a desafios, como é o caso do desemprego.

Por que é que o Governo dos Açores decidiu descer os impostos?
Vai à assembleia legislativa na próxima semana. Decidimos baixar, porque a carga fiscal que o nosso país tem é elevada. Devemos utilizar as ferramentas que a autonomia nos garante para descê-la até ao limite, no caso concreto, dos nossos recursos.

O que é que desce?
O IRS no primeiro e segundo escalão tem um diferencial de 30 e de 25% em relação às taxas nacionais e os restantes escalões de 20%. O IVA tem um diferencial de 30% na taxa reduzida  e de 30% na taxa intermédia, mantendo-se uma redução de 20% na taxa normal. No caso do IRC, mantém-se um diferencial de 20 % em relação às taxas que vigoram no continente. Não alteramos agora o IRC porque, em relação ao que aconteceu em 2013, foi aí que houve um aumento de impostos nos Açores pelo facto do Governo da República ter decidido alterar a margem, a banda que existia de 30 para 20. Agora decidiu voltar aos 30% e resolvemos utilizar essa oportunidade até ao limite dos nossos recursos. Entendemos que, de forma responsável, não o deveríamos fazer em toda a extensão, acautelando assim a componente de investimento público que acaba por beneficiar a economia da região. A preocupação fundamental foi o rendimento das famílias.

E não corre o risco de colocar o orçamento sob stress?
De acordo com os últimos dados, o défice da região autónoma foi em 2014 de 0,1% do PIB. Se comparar com os 4% nacionais... A dívida dos Açores anda à volta dos 35% e a do país já ultrapassa os 130%. A gestão rigorosa das finanças públicas é uma das peças mais valiosas da autonomia. Só podemos tomar determinado tipo de medidas porque temos condições para o fazer com o nosso orçamento. Ainda em 2014 isso foi reconhecido pelo Tribunal Constitucional, quando foi suscitada a questão da constitucionalidade da remuneração complementar. E isso é para manter. Este cuidado é fundamental. Mas também é isso que nos permite aplicar medidas que não existem em mais nenhuma parte do país.

Como, por exemplo...
Complemento regional para o idoso, apoio à aquisição de medicamentos para idosos, complemento regional do abono de família.

Que avaliação faz da liderança de António Costa no PS?
Faço uma avaliação positiva com a consciência de que alguma da opinião publicada gostaria de ter outro tipo de oposição. Mas julgo que António Costa com serenidade, de forma tranquila e consistente, está a dar passos para tornar patente aos olhos da sociedade portuguesa  que existem alternativas às soluções do actual Governo e, sobretudo, que há um conjunto de valores que são corporizados na liderança de António Costa e que não são consubstanciados noutras lideranças. Posso-lhe dar exemplos concretos: aquilo que aconteceu com a saída de António Costa em Lisboa é um exemplo claro de responsabilidade e de verdade na política. Isso não acontece no Governo, onde se sucedem episódios em que ninguém assume a responsabilidade e ninguém tem a coragem de repor a verdade naquele que deve ser o relacionamento com os portugueses.

Há o problema das sondagens. Costa não descola...
Eu prefiro valorizar as eleições e não as sondagens.

Está à espera de que nas eleições o PS se distancie do PSD?
Do que estou à espera é que o PS continue  a seguir a estratégia delineada sem ceder ao imediatismo de algumas abordagens e que seja capaz de demonstrar à sociedade a validade do seu projecto. A partir daqui, os portugueses decidirão.

Conta que o PS ganhe as legislativas com maioria absoluta?
Ainda falta muito tempo. A questão neste momento é demonstrar, como tem acontecido, que, com António Costa, responsabilidade e verdade na política não são palavras vãs. E que o PS está paulatinamente a preparar as propostas que vai apresentar.

Na área do PS já surgiram dois candidatos à Presidência...
Também já surgiram três no PSD. É mais um exemplo de como estamos preocupados com o que ainda vem longe. As presidenciais, pela sua natureza, são eleições que radicam num exercício de cidadania. Acho muito bem que surjam dois, três, quatro candidatos nas mais variadas áreas políticas e que façam o seu caminho. Mas os partidos devem estar preocupados com as eleições nas quais os projectos políticos são determinantes.

Nas legislativas?
É aí que os partidos devem estar focados! Não faz sentido querermos que os partidos se distraiam num momento em que têm a responsabilidade de dizer aos portugueses como vão responder aos desafios.

Mas tem uma opinião sobre quem seria um bom candidato a Presidente?
O Vasco Cordeiro não é o PS. O Vasco Cordeiro tem a sua opinião.

Qual é a sua opinião sobre Sampaio da Nóvoa?
Parece-me ter o perfil adequado para ser Presidente no momento que o país atravessa.

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