Quénia: estas vítimas são "filhas de um Deus menor"?
Al-Shabab, um grupo terrorista, assassinou brutalmente 142 estudantes universitários, três soldados e três polícias
No passado dia 2 de Abril, no Quénia, foram brutalmente assassinados 142 estudantes universitários, três soldados e três polícias. Al-Shabab, um grupo terrorista com base na Somália, que apresenta já um historial sangrento e, de acordo com o canal televisivo "Al Jazeera", ligado à organização Al-Qaeda, foi o responsável pelo ataque.
Relatos de sobreviventes contam que, de madrugada, por volta das 5h30, hora em que os estudantes se encontravam a dormir ou a rezar, os homens armados de Al-Shabab revistaram o campus da faculdade e os dormitórios, separando os estudantes muçulmanos dos cristãos, com o objectivo de executar os últimos. No total, 142 estudantes assassinados, mais de 70 feridos e hospitalizados, com ferimentos causados por balas. Passaram-se 15 horas até à eliminação dos militantes, naquele que é, neste momento, considerado o ataque mais mortífero desde 1998, ano do ataque à embaixada dos Estados Unidos da América em Nairobi, tendo causado mais de 200 vítimas mortais.
E eis que, mais uma vez, se levanta a questão: “As vidas das pessoas negras importam?”. As vidas africanas continuam a ser tratadas como mortes anunciadas e que prescindem de ser reclamadas. Nas redes sociais, tem-se discutido até que ponto o resto do mundo se interessa por estas e outras mortes "negras", sendo recorrente a comparação com outros incidentes fora de África ou envolvendo pessoas de outras cores de pele, nomeadamente, de cor branca.
Sendo a justificação de Al-Shabab as diferenças religiosas, é caso para dizer que as vítimas foram mortas porque são "filhas de um Deus menor". Ora, se sabemos o suposto porquê da morte destes filhos e filhas, pergunto-me qual será o porquê de não prevalecer o seu luto pelo mundo fora e de maneira sonante? Religião errada? Cor de pele errada? Distância higiénica? Talvez. É mais fácil sentir a dor de quem está mais próximo culturalmente do que a de quem está longe e não partilha a nossa cultura. Contudo, neste caso em particular, há uma partilha religiosa. E dentro desta partilha religiosa, fala-se de amor, compaixão, união, família, irmandade. Não podemos partilhar a luta; e o luto? Podemos e devemos.
São filhos e filhas como todos nós. Acordam de manhã, lavam-se, vestem-se, tomam o pequeno-almoço e saem de casa a correr para o trabalho. Ou para a faculdade... A mãe de uma das vítimas dizia: “Quem me dera que o meu filho tivesse chumbado nos exames e não tivesse entrado para a universidade.” Uma mãe deveria desejar o melhor para os seus filhos e filhas. O que leva uma mãe a desejar o "insucesso" do seu filho? O desespero. A perda irreparável. E ao não repararmos nas chagas desta mãe estamos a acrescentar mais dor ao seu sofrimento. Não precisamos de tempo, nem de vontade ou de dinheiro. É irrelevante o nosso tom de pele.
“Deus é Grande”, gritavam os assassinos. E nós? O que dizemos? “É o drama, o horror, a tragédia?” É. E agora? Em que é que ficamos? Negros, brancos, cristãos, judeus, muçulmanos? Mortes. Mais que muitas. Estas 148 pessoas não vão ressuscitar. Mas, se ignoradas, morrerão não uma, mas duas vezes. E com o cunho do nosso silêncio.