Oposição quer ver explicada "doação" de quatro milhões da ANA a Lisboa

O acordo relativo à taxa turística aqueceu a primeira reunião de Fernando Medina como presidente da Câmara de Lisboa.

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Os argumentos dos europeus são recusados por 26 dos 36 membros da Organização da Aviação Civil internacional PÚBLICO/arquivo

Para esclarecer essa e as muitas outras questões que foram levantadas sobre o protocolo firmado a 30 de Março, ao abrigo do qual a ANA assume durante o ano de 2015 a taxa turística que estava previsto cobrar aos passageiros que desembarcassem no Aeroporto de Lisboa, o CDS sugeriu que a administração da gestora aeroportuária fosse chamada a prestar esclarecimentos na câmara. Uma pretensão que colheu o apoio dos vereadores do PSD e do PCP, mas que foi chumbada pela maioria.

Na mesma moção, o eleito centrista no município pedia também que, “tendo em conta o dever de transparência e de informação por parte dos titulares de cargos de administração pública”, fosse facultado o protocolo no centro da discórdia. Algo que só aconteceu no decurso da reunião camarária desta quarta-feira, o que valeu muitas críticas ao presidente estreante.

“Foi uma discussão algo bizarra. É particularmente ingrato estar-se a discutir sobre uma coisa da qual não se tem todos os elementos”, diz o vereador Carlos Moura, sublinhando que só “após muita insistência” é que o documento foi distribuído à oposição. “A câmara não são só os vereadores da maioria, são os vereadores todos”, diz o autarca comunista, criticando aquilo que considera ser uma demonstração de “falta de transparência e de falta de consideração”.

“Do ponto de vista ético e político, não é normal”, diz por sua vez o centrista João Gonçalves Pereira. Face à existência de “demasiados casos” em que a câmara celebra “acordos e protocolos com entidades externas dos quais resultam novas obrigações” sem que ao conjunto dos vereadores seja dada “a possibilidade de analisar, discutir e votar tais documentos”, o autarca apresentou uma segunda moção. Nela, defende que esses documentos “deverão ser submetidos, com a devida antecedência e em projecto, a discussão e votação pelo plenário da câmara”, pretensão que teve o apoio do PSD e do PCP mas foi travada pelos eleitos da maioria.

Em relação ao caso concreto do protocolo celebrado com a ANA, o social-democrata António Prôa entende que este, “no limite, está em situação ilegal” por aquele documento não ter sido aprovado pela câmara. Mas aquilo que mais preocupa o vereador é mesmo “uma questão de transparência”.

Nesta reunião, o PSD apresentou uma proposta na qual solicitava a revogação da componente da taxa municipal turística que diz respeito à chegada a Lisboa por via aérea. Isto porque aquilo que vai acontecer é “um financiamento directo da ANA ao município de Lisboa”, algo que os vereadores do partido entendem “não corresponder a uma verdadeira taxa municipal turística”.

“Há um desvirtuamento. Aquilo não é a taxa turística que foi aprovada, é outra coisa”, resume António Prôa, explicando que o que o PSD pretendia com a sua proposta era “ajudar a câmara a resolver uma trapalhada”. Uma interpretação que não foi acolhida pelos eleitos da maioria, que mais uma vez foram os únicos a votar contra.

Também esta quarta-feira, a Comissão de Economia e Obras Públicas da Assembleia da República aprovou por unanimidade um requerimento, do PSD e do CDS, para audição do presidente do Conselho Directivo do Instituto Nacional da Aviação Civil e do presidente do Conselho de Administração da ANA. Talvez aí os vereadores da oposição na Câmara de Lisboa consigam fazer a quem de direito a pergunta que os atormenta: por que é que a gestora aeroportuária detida pelo grupo francês Vinci chegou a este entendimento com o município.

“Quais são as contrapartidas deste cheque de quatro milhões de euros”, desta "doação", pergunta João Gonçalves Pereira, que considera que “há alguma coisa escondida” e acusa Fernando Medina de “opacidade”. 

“Qual é o interesse da ANA em substituir-se aos turistas, com esta facilidade?”, pergunta por sua vez António Prôa. “É uma empresa privada. É muito estranho que se disponibilize a abdicar de parte do seu lucro”, acrescenta o autarca, que também quer ver esclarecido qual o “impacto” que este acordo terá para a gestora aeroportuária.

“A Vinci não é exactamente uma associação benemérita”, afirma ainda Carlos Moura. “É estranho que venha dar um presente à câmara municipal só porque sim”, conclui o vereador comunista.

Nova versão do Factor F aprovada

Depois de uma primeira versão da proposta ter sido recebida pela Assembleia Municipal com acusações de favorecimento de alguns promotores imobiliários, a Câmara de Lisboa aprovou esta quarta-feira uma nova versão da proposta relativa ao Factor F. Trata-se de um factor de ponderação que é usado no cálculo das compensações urbanísticas devidas ao município pelos promotores imobiliários.

Agora, em vez de propor que esse factor seja reduzido em dois casos, num para 0,3 e noutro para 0,1, a câmara sugere que isso aconteça em três situações: em bairros ou zonas de intervenção prioritária (F=0), em zonas abrangidas por operações de reabilitação urbana sistemática (F=0,1) e em áreas de reabilitação urbana ou consolidadas (F=0,3). Nos restantes casos, o Factor F é fixado em 0,5.

O CDS e o PCP votaram favoravelmente a redução relativa aos bairros e zonas de intervenção prioritária e abstiveram-se nos restantes casos. O centrista João Gonçalves Pereira critica que o executivo não tenha explicado “qual o impacto financeiro da proposta”.

Por sua vez, o comunista Carlos Moura diz ter “algumas dúvidas” sobre se não serão “demasiado abrangentes” algumas das reduções contempladas. “Tememos que possam vir a ser utilizadas para fins menos claros”, disse.

Já António Prôa, do PSD (partido que negociou com o vereador Manuel Salgado a versão agora aprovada) disse ao PÚBLICO que não queria pronunciar-se.     

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