Uma casa que guarda a História
Tivesse ela as suas duas torres e talvez não passasse tão despercebida. Mas as torres que lhe davam a imponência devido a uma estrutura mandada construir por ordem real, no século XIV, em terra dominada por bispos, como era o Porto de então, desapareceram há muito. Por isso, a Casa do Infante, antiga alfândega da cidade, local onde se julga ter nascido o Infante D. Henrique e, hoje, museu e sede do Arquivo Histórico Municipal, quase não é notada pelos mais distraídos, que passam pela Rua da Alfândega, em pleno centro histórico portuense.
Da rua é pouco mais que uma parede de pedra. Pedra velha, é certo, que isso nota-se apesar do restauro a que foi sujeita na década de 1990. Mas muitos não perceberão que estão perante uma das construções mais antigas do Porto e também uma das mais importantes. Ali, em 1394, diz-se que nasceu o Infante D. Henrique, que passaria à história com o cognome de O Navegador, pelo impulso que deu à expansão marítima portuguesa.
Por essa altura, as duas torres da casa tinham funções distintas, funcionando uma como alfândega e a outra como morada do almoxarife do rei. O edifício era o maior da cidade e aquele onde se supunha que ficavam alojados os reis quando visitavam o Porto. Ora foi exactamente o que aconteceu, julga-se, com D. João I e D. Filipa de Lencastre, que visitaram a cidade, por um período alargado, quando a rainha já se encontrava grávida de muitos meses do Infante. Não há — ou não foi ainda encontrado — qualquer documento que prove que o parto aconteceu ali, mas o arquivo guarda outro documento que ajuda a sustentar a tese de que aquele é o berço do Infante. Como contava Sofia Alves, directora do departamento de Cultura da Câmara do Porto, há alguns dias, está preservado no arquivo municipal o rol das despesas feitas para o mui faustoso baptizado do Infante, na Sé do Porto. “Como ele foi baptizado quatro dias depois do nascimento, é bastante provável que a rainha, acabada de ser mãe, não se tenha deslocado de outro sítio para a cidade, para baptizar a criança”, dizia.
Faltava, para desfazer as dúvidas, que o rei se tivesse lembrado de afixar uma placa no edifício, dando conta de que ali nascera o seu filho Henrique. Mas o Porto agarra-se às suas quase certezas e até acabou de inaugurar, numa das áreas da casa, uma nova ala integralmente dedicada ao Navegador e aos mundos que ele ajudou a descobrir.
A Casa do Infante é, contudo, bem mais do que essa nova ala e, diga-se, guarda vestígios de uma história bem mais antiga do que a dela. Porque, quando se avançou com o seu restauro e se procederam às respectivas escavações arqueológicas, a casa revelou que antes de ser do Infante ou alfândega, muito antes sequer de haver reis portugueses naquele local, fora habitação de um cidadão romano suficientemente abastado para ter ali uma espécie de palacete. As réplicas dos vestígios dos pavimentos romanos em mosaico são apenas um dos resultados dessas escavações, hoje visíveis numa visita à casa, que, apesar da sua discrição, ainda acolheu, em 2013, cerca de 40 mil visitantes. Metade dos quais estrangeiros.
Agora, aproveitando a inauguração da nova ala, a antiga zona museológica beneficiou de algumas melhorias. Os responsáveis pelo espaço julgaram, por exemplo, que, num dos expositores, era hora de substituir o rosto envelhecido do Infante, retirado dos painéis de S. Vicente, pela imagem de um Henrique mais jovem que, a poucas dezenas de metros da casa, numa estátua instalada na Praça do Infante D. Henrique, aponta o horizonte. “Decidimos colocar aqui esta imagem porque chegámos à conclusão de que muitas pessoas que nos visitavam não sabiam que a estátua que está na praça representa o Infante D. Henrique”, contara Sofia Alves. Quem julgariam que era?, questiono-me.