"266 doentes chegaram um dia ao IPO para serem operados e não tiveram camas"

Joaquim Abreu de Sousa foi ouvido na comissão parlamentar de saúde na sequência de declarações que fez em Março sobre o adiamento de cirurgias oncológicas e repetiu que o sector está "no limite".

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PSD e o CDS consideraram que a posição do oncologista "alarmista" é contraditória com os dados do presidente do IPO do Porto Paulo Pimenta

Joaquim Abreu de Sousa foi ouvido na comissão parlamentar de saúde na sequência de declarações que fez no início de Março sobre o adiamento de cirurgias oncológicas por falta de camas. A audição foi requerida pelo PS e o médico prestou esclarecimentos apesar de desde há uma semana já haver uma nova presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia, a médica Gabriela Sousa, do IPO de Coimbra. “Neste momento o tratamento dos doentes com cancro em Portugal está no risco vermelho. As instituições estão no limite da sua capacidade e o sistema quando começa a perder resiliência começa a perder capacidade para resistir. Estamos aqui a alertar para prevenir que as situações ocorram”, justificou o médico.

O médico respondia aos deputados do PSD e CDS que consideraram que a posição “alarmista” do oncologista é contraditória com os dados do presidente do IPO do Porto – com os centristas a atribuírem alguns adiamentos a greves. Já PS, BE e PCP reforçaram as preocupações com a área do cancro em Portugal, tanto no acesso como na mortalidade e centraram muitas das perguntas na falta de prevenção da doença. Abreu de Sousa reiterou ainda que a situação não é “alarmista” mas sim “inaceitável” que “um doente tenha 50% de probabilidade de morrer” – um valor superior à média europeia. “A senhora deputada agora coloque-se do lado que quiser”, disse, em resposta à social-democrata Carla Rodrigues, depois de rejeitar estar a ser movido por razões ideológicas no debate.

“Obviamente que há aqui um problema de suborçamentação para as doenças oncológicas”, insistiu o especialista, considerando que é necessário que o carácter prioritário que a Direcção-Geral da Saúde dá ao cancro “se traduza na prática com mais recursos”. Sobre uma maior aposta na prevenção, o oncologista reconheceu que é necessária mas contrapôs que de nada serve fazer rastreios se depois os serviços públicos não conseguirem tratar os doentes atempadamente.

Ainda sobre as restrições financeiras, deu como exemplo o antigo problema de os medicamentos orais dispensados pelos hospitais não terem um orçamento próprio e, ao mesmo tempo, não poderem ser incluídos na despesa nem do internamento nem dos hospitais de dia. O PÚBLICO questionou o Ministério da Saúde para perceber se há ideias para resolver este problema e também a atrasada rede de referenciação oncológica, mas não obteve resposta.

“A gravidade [da situação] está demonstrada nos relatórios do Governo”, considerou ainda o médico a propósito das estatísticas nacionais. Aliás, Abreu de Sousa começou a sua intervenção socorrendo-se de uma apresentação de slides que agregaram nacionais e europeus e que mostram que Portugal está a ficar para trás. Ao todo, surgem no país 50 mil novos casos de cancro todos os anos e as pessoas com menos de 35 anos têm uma probabilidade de vir a ter cancro de 24% e de 10% de morrer da doença. O médico falou também de despesa, para criticar que Portugal gaste 53 euros per capita a tratar o cancro quando a União Europeia gasta mais do dobro e indexou esta diferença aos também resultados distintos. Voltando ao tema das camas, o médico disse que em 20 anos o Serviço Nacional de Saúde passou de 39.142 camas para 35.815 em 2012 e que um terço dessa oferta está nas mãos dos privados.

As declarações agora repetidas tinham sido feitas em Março por Abreu de Sousa, no mesmo dia em que o ministro da Saúde foi ouvido na comissão de saúde. Na altura, Paulo Macedo não negou que os três institutos portugueses de oncologia (IPO) do país tenham falta de camas perante o aumento do número de casos oncológicos, mas garantiu que a tutela tem respondido aos pedidos das instituições e foram os próprios institutos a definir outras prioridades.

O ministro da Saúde citou um comunicado da administração do IPO do Porto para dizer que houve mais de 300 cirurgias adiadas em 2014, mas devido a greves de profissionais de saúde. Paulo Macedo garantiu também que o Ministério da Saúde tem aprovado os investimentos prioritários definidos pelos IPO, mas adiantou que as instituições não têm pedido camas mas sim aparelhos de radioterapia e renovação dos blocos operatórios. Sobre as diferenças de números, Abreu de Sousa disse agora que os valores da administração não são contraditórios e que, na altura, o presidente do hospital apenas não tinha na sua posse dados actualizados.

Macedo referiu-se, em concreto, ao IPO de Lisboa, onde está a ser feito um investimento de mais de sete milhões de euros para agregar os laboratórios na antiga escola de enfermagem e libertar espaço para atendimento. “No IPO do Porto, as prioridades apresentadas foram a instalação do acelerador linear e a organização do ambulatório”, especificou. Sobre o mesmo tema, o secretário de Estado adjunto da Saúde, Fernando Leal da Costa, defendeu que parte do problema está no facto de os IPO continuarem a centralizar toda a actividade e afirmou que os doentes “podem ser desviados para outros hospitais onde há cirurgia oncológica” e menos problemas de vagas. Uma informação corroborada por Abreu de Sousa que 12 dos 56 hospitais públicos concentram a maior parte da actividade oncológica.

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