Iranianos pedem que não se “desperdice o momento” nas negociações do nuclear
Delegações prolongaram as negociações por mais 24 horas. França exige vigilância de 25 anos para garantir fim da vertente militar do programa nuclear iraniano. Irão insiste na anulação das resoluções da ONU.
Os negociadores emergiram do isolamento ao início da noite de quarta-feira para mais uma vez afirmarem que as discussão estão a ser "produtivas", que há “progressos” e que um desfecho positivo e satisfatório para todas as partes ainda é possível. A assinatura de um pacto que será a todos os títulos histórico está dependente da “vontade política” dos intervenientes – aparentemente, já existe um acordo preliminar, embora “frágil e incompleto”, sussurrava-se nos corredores.
As delegações falam desde o início da semana num “rascunho de compromisso”, com os parâmetros ou os contornos do acordo definitivo, mas que teima em não chegar. Esta quarta-feira, declarações desencontradas contrariavam o optimismo da véspera, quando o prazo negocial foi prolongado pela primeira vez: afinal, as posições não estariam tão amadurecidas quanto se julgava e as conversações estavam à beira do colapso.
“Chegou o momento. O Irão tem que fazer uma escolha e tomar uma decisão”, resumiu em Washington o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, numa declaração lacónica que sugeria que os Estados Unidos não estariam dispostos a deixar a fase negocial arrastar-se por mais tempo. Do lado do Irão, vinham declarações no sentido oposto. “O sucesso das negociações nucleares depende da vontade política das potências internacionais”, contrapunha o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Mohammad Javad Zarif.
Ao fim da tarde, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, apareceu para informar que “esta noite serão apresentadas novas propostas e feitas novas recomendações”, sem adiantar mais nada sobre as ditas cujas propostas ou os seus autores. Pressionado, admitiu que “naturalmente” era possível que o processo viesse a resultar em nada. “Não posso prever se [as novas propostas] permitirão fechar o acordo já esta noite, mas atendo à convergência que alcançamos, também não posso excluir essa possibilidade”, disse.
Foi o bastante para reanimar a multidão. Logo a seguir, os Estados Unidos confirmavam que o secretário de Estado John Kerry esticaria a sua estadia em Lausanne por mais 24 horas: “As conversas estão a ser produtivas. Estamos a fazer progressos e vamos continuar a negociar até chegarmos a um compromisso”, indicou a sua porta-voz.
O seu congénere iraniano, “assaltado” pelos repórteres quando saiu para um curto passeio pelas margens do lago, deixou no ar a ideia de que este é o momento da verdade. “Os nossos parceiros não podem desperdiçar esta oportunidade [de chegar a acordo] porque ela pode não se repetir”. “O compromisso não se alcança à pressão. Os nossos parceiros já experimentaram a pressão, agora chegou o momento de experimentar o respeito”, disse.
Kerry e Zarif são os dois homens no centro desta trama: foi a eles que coube a difícil missão de ultrapassar décadas de provocação e antagonismo mútuo. “O que está em causa não são detalhes técnicos, é uma relação institucional de hostilidade entre os EUA e o Irão”, explicava à CNN Fawaz Gerges, especialista em estudos do Médio Oriente na London School of Economics. Só que depois de décadas, “chegamos ao momento em que há uma convergência de interesses entre a Administração Obama e a liderança iraniana. É por isso que vamos os dois lados a tentar tudo por tudo para chegar a acordo, em vez de abandonar as negociações”, considerou.
Supervisão e sanções atrasam acordo
Apesar de a linha de chegada na maratona de negociações estar à vista, o sprint final tem sido travado por três questões fundamentais, entre elas a definição de um calendário para o período de vigilância e supervisão internacional do programa iraniano, para garantir o fim da sua vertente militar e o objectivo de desenvolver armas nucleares.
Neste aspecto, há décadas a separar os dois lados das negociações, com o Irão a aceitar ser vigiado por cinco anos e a França a tentar impor um calendário de 25 anos, dividido em duas partes: durante os primeiros 15 anos, as potências internacionais teriam como principal missão garantir que os iranianos estariam sempre a pelo menos um ano de enriquecerem urânio em quantidade suficiente para produzirem armas nucleares; depois disso, mais dez anos de vigilância internacional para garantir que a componente militar do programa tinha sido completamente eliminada.
No meio destas duas propostas está a delegação dos Estados Unidos, que tem usado uma linguagem propositadamente vaga para obter o tão desejado acordo: "dois dígitos", ou seja, pelo menos dez anos, mas longe do quarto de século exigido pelos franceses. Segundo umas das pessoas envolvidas nas negociações, que a agência AFP cita sem revelar a identidade, "nem todos concordam" com as condições da delegação francesa, em particular os norte-americanos, para quem os 25 anos de vigilância são "um objectivo desejável", mas não uma exigência.
Outra das questões fundamentais é o levantamento das sanções que têm sido impostas ao Irão desde 2002.
Os iranianos exigem a anulação dessas medidas e a revogação das quatro resoluções do Conselho de Segurança da ONU sobre o programa nuclear do país. Os Estados Unidos e a União Europeia recusam essa ideia, mas estão dispostos a levantar as sanções sobre os sectores financeiro e dos hidrocarbonetos, que têm arruinado a economia do Irão.
Para os representantes iranianos, o país continuará a ser visto como um pária enquanto as resoluções da ONU estiverem em vigor, mesmo depois de ter sido assinado um acordo; para norte-americanos e europeus, essa é uma questão que nem se põe – a ONU só levantará as suas sanções quando houver certezas de que o programa nuclear iraniano não tem uma vertente militar.
O último espinho cravado na garganta dos negociadores é o objectivo do programa de investigação e desenvolvimento do Irão sobre energia nuclear. Esta é mesmo a questão fundamental, porque exige que os iranianos deixem de tentar enriquecer urânio em centrifugadoras mais potentes, e que aceitem abrir as portas de todas as suas instalações aos inspectores da Agência Internacional de Energia Atómica. A ideia é levar o Irão a desistir da ambição de construir centrifugadoras mais potentes, e garantir que só 6500 das actuais 20.000 sejam utilizadas.