Testes genéticos – sim ou não?

Em Fevereiro passado, nos EUA, foi aprovada pela primeira vez a venda directa ao público de um teste de genética médica. Em Portugal, pelo contrário, esta prática foi proibida em Setembro de 2014 através da regulamentação legal dos testes genéticos. É difícil, no entanto, acompanhar e fiscalizar um mundo em constante mudança.

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Sandra Ribeiro/Arquivo

O caso dela é bastante semelhante ao de Angelina Jolie, também portadora de uma mutação genética hereditária no gene BRCA1. A actriz norte-americana submeteu-se a uma dupla mastectomia preventiva em 2013 e recentemente divulgou ter retirado os ovários e as trompas de Falópio para evitar desenvolver cancro nestes órgãos. Casos amplamente divulgados como este têm dado visibilidade aostestes e à controvérsia que os rodeia.

Os testes preditivos são feitos a pessoas saudáveis, mas que apresentam um risco acrescido de desenvolver uma doença — por exemplo, familiares afectados, como no caso de Tamara Milagre e de Angelina Jolie. Um resultado positivo não significa que a pessoa vá forçosamente desenvolver a doença, mas indica que o risco de isso acontecer é maior. Nestes casos, um acompanhamento médico permite vigilância redobrada e, se necessário, a adopção de terapêuticas precoces.

Os testes preditivos são apenas um dos muitos tipos de testes genéticos. Permitem detectar alterações ou variantes de uma sequência de ADN, de um gene ou de um cromossoma e podem ser realizados para despistar doenças genéticas – ao analisar alterações específicas associadas a uma doença, como acontece com os testes de diagnóstico, com os testes preditivos, e com os de detecção precoce (por exemplo o chamado teste do pezinho). Há também testes usados para finalidades forenses, como é o caso dos testes de paternidade ou dos que são utilizados na investigação criminal, em que são analisadas as características genéticas individuais para a identificação pessoal.

Esta é uma área em mudança, pois os avanços técnicos e científicos vão alargando o campo das análises genéticas. Ao mesmo tempo é uma área que levanta várias questões éticas e legais. Até recentemente, em Portugal, a situação era de vazio legal.

Embora a lei relativa à informação genética individual e à informação de saúde seja de 2005 (Lei n.º 12/2005), a regulamentação específica para os testes genéticos surgiu apenas em 2014 (DL n.º 131/2014). Esta regulamentação veio colmatar muitas lacunas e estabelecer os princípios para a realização dos testes e as regras de protecção da informação genética pessoal.

Acesso directo, ou não?
Ainda a lei não fora regulamentada, há cerca de dois anos, quando Patrícia Rodrigues foi surpreendida pela oferta de uma empresa que realizava testes de genética gratuitamente no contexto de uma campanha de divulgação. Levada pela curiosidade, Patrícia aceitou. O processo era simples: "Bastava fazer um swab" – raspar o interior da boca com um cotonete. "Depois, esqueci-me disso". Meses mais tarde foi surpreendida por um email com os resultados — possuía duas alterações genéticas associadas a doenças circulatórias e imunitárias. "Fiquei preocupada", admite. Posteriormente foi seguida em consulta de genética médica no Hospital D. Estefânia, em Lisboa, onde voltou a fazer as análises. Os resultados revelaram-se negativos em relação a uma das mutações, indicando que o primeiro teste era um “falso positivo” e, apesar de confirmar a existência da outra mutação, minimizava os efeitos.

Casos como o de Patrícia Rodrigues ilustram alguns dos problemas associados ao acesso directo a estes testes. Devido às implicações associadas aos testes genéticos, a venda directa ao público, sem prescrição médica e sem aconselhamento genético, constitui uma preocupação do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). Como observa a advogada e ex-presidente do CNECV, Paula Martinho da Silva, lembrando o parecer emitido em 2008, "os geneticistas sempre consideraram essencial o acompanhamento médico especializado, tanto no pedido da análise, como no acompanhamento do doente quando lhe é dada a informação, assim como à família".

A regulamentação da lei introduziu uma grande mudança proibindo agora a venda directa ao público dos testes genéticos relacionados com a saúde, tornando ilegal a oferta no país bem como a oferta estrangeira dirigida a Portugal. Actualmente, estes testes apenas podem ser feitos com prescrição médica. Porém, os testes “não-médicos”, como os de paternidade ou destinados a estudos de ancestralidade, não estão abrangidos, ou seja, continuaram a ser vendidos ao público.

Em Portugal, para além dos laboratórios do Estado (laboratórios hospitalares e Instituto de Medicina Legal), há empresas privadas que realizam testes genéticos. Existe, no entanto, um circuito que dificulta a fiscalização — as empresas não sediadas em Portugal contactadas através da internet, que enviam kits para recolha de amostras em casa e comunicam os resultados por email. “Agora já há balizas legais, mas as preocupações mantêm-se, dada a complexidade da matéria e a dificuldade na aplicação da lei", resume Paula Martinho da Silva.

A verdade é que se está longe de prever a evolução deste novo fenómeno. Muito recentemente, em Fevereiro de 2015, nos EUA, foi autorizada pela primeira vez a venda directa de um teste de genética médica. Foi concedida autorização à empresa 23andMe para comercialização de uma análise para detectar se um indivíduo é portador de uma mutação associada ao síndroma de Bloom, uma doença rara. Apesar de se tratar de uma análise muito específica, a agência governamental FDA (Food and Drug Administration) admite vir a facilitar o acesso dos utilizadores a análises genéticas.

Conhecer o resultado, ou não?
O direito a conhecer os resultados é outro tema controverso. Paula Martinho da Silva explica que as pessoas têm esse direito, mas têm também “o direito de não querer ser informadas”.

Isto complica-se num caso de uma doença genética. "A doença genética, ao contrário de outras doenças, não se circunscreve a uma pessoa; o resultado de um teste não tem só consequências para essa pessoa, tem também para o seu núcleo familiar", observa Paula Martinho da Silva. Como o material genético é transmitido de pais para filhos e partilhado entre familiares, uma doença genética num membro da família poderá significar um risco acrescido para os restantes. "Há ainda uma larga discussão a este propósito", frisa a mesma especialista em bioética.

Depois de receber o resultado da análise do teste, que revelava um risco elevado de desenvolver cancro, a vida de Tamara Milagre mudou muito. Procurou contactar pessoas com o mesmo problema e que, apesar de não estarem doentes, enfrentavam um risco elevado de vir a desenvolver cancro. Isto levou-a fundar a associação evita, cujo objectivo é apoiar os portadores de alterações genéticas associadas a cancros hereditários. Na opinião de Tamara, o acompanhamento médico é essencial. "É extremamente perigoso fazer um teste pela internet. É fundamental os testes serem realizados no contexto de uma consulta bem organizada. Os resultados podem levar as pessoas a decisões ou alterações importantes na sua vida". Foi o seu caso: "Eu tinha 41 anos, não podia ficar parada à espera da doença ou da cura".

Quem tem acesso à informação genética?
Uma das preocupações associadas às análises genéticas é a da confidencialidade da informação e do acesso a terceiros a essa informação. A lei de 2005 estabelece que a informação de saúde é propriedade da pessoa. A informação genética é confidencial e os resultados de um teste genético devem ser comunicados ao seu titular e "em consulta médica apropriada".

A regulamentação recente veio limitar o acesso à informação genética pessoal: se o resultado tiver consequências imediatas para a saúde da pessoa, os profissionais envolvidos nos cuidados de saúde têm acesso aos resultados. Contudo, se o resultado não tiver consequências imediatas, como acontece nos testes preditivos, o acesso está reservado a médicos especialistas em genética. 

A lei também estabelece o princípio da não discriminação — ninguém pode ser prejudicado, sob qualquer forma, por causa de uma doença genética ou do seu património genético. Assim, as companhias de seguros estão impedidas de pedir ou utilizar este tipo de informação para estabelecer prémios mais elevados nos seguros de vida ou para os recusarem. O mesmo se passa com as empresas ou entidades patronais, que não podem exigir a realização ou acesso aos resultados destes testes aos seus trabalhadores ou potenciais trabalhadores — a lei apenas prevê excepções se estiver em causa a proteção do próprio trabalhador ou a saúde pública.

Texto editado por Victor Ferreira

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