A economia é o verdadeiro incentivo para a assinatura de um acordo nuclear
Sem as sanções internacionais, o Irão poderia crescer a um ritmo de 5 a 8% ao ano. Só por aceitar as negociações, o Presidente Hassan Rouhani conseguiu aligeirar as restrições sobre os sectores petrolífero e automóvel.
No entanto, a economia iraniana ainda é uma sombra do que poderia ser se as sanções internacionais fossem levantadas. O investimento estrangeiro é praticamente inexistente. O desemprego é cavalgante, em particular entre os mais jovens. Alguns dos bancos do país vivem em situação precária. A corrupção é comum entre os grupos com conexões políticas que conseguem tornear as sanções.
“A economia não é saudável”, diz Djavad Salehi-Isfahani, professor de economia da universidade Virginia Tech. “É como um homem cheio de doenças que parte a perna. Põem-lhe gesso e a perna vai ao sítio, mas isso não cura as outras doenças que continua a ter”.
As seis potências internacionais que estão a negociar um acordo para limitar o âmbito do programa nuclear do Irão acreditam que a perspectiva do levantamento das sanções económicas chega para aliciar os líderes iranianos a aceitar um compromisso. As notícias sobre as conversações sugerem que a última divergência a ultrapassar tem a ver com a rapidez com que essas sanções podem ser eliminadas ou com com as que continuarão em vigor até que o Irão dê provas do seu respeito pelo acordo.
Os incentivos são estes: o acordo sobre o programa nuclear voltará a abrir os mercados à exportação de petróleo iraniano, que segundo as estimativas do ministro responsável poderá disparar para um milhão de barris por dia em poucos meses. O acordo também libertará uma parcela dos mais de 100 mil milhões de dólares de receitas petrolíferas actualmente congelados em contas bancárias que escapam ao controlo de Teerão.
Só estes dois passos teriam um impacto significativo, não apenas no Irão mas também sobre o preço do petróleo no mercado global e na geopolítica do Médio Oriente, onde o regime de Teerão está a sustentar ou aconselhar aliados como o Hezbollah no Líbano, o Presidente Bashar al-Assad na Síria, os rebeldes Huthis no Iémen ou o Governo de Bagdad na sua luta contra o Estado Islâmico.
Tudo isso enquanto a economia interna se deteriora.
“Penso que existem três frentes que explicam a hemorragia da economia iraniana”, enumera Karim Sadjadpour, analista do Carnegie Endowment for International Peace: o custo das sanções, a baixa do preço do petróleo e a factura do apoio aos aliados regionais. “Nada disto é sustentável a longo prazo. O papel do Irão na região está a expandir-se ao mesmo tempo que a economia está a contrair-se. Seguramente isso aumentará o ímpeto para a assinatura do acordo nuclear”, considera.
Se esse ímpeto existe ou não, é difícil dizer.
“É evidente que as sanções foram completamente contraproducentes se o seu objectivo foi impedir o desenvolvimento de um programa nuclear no Irão”, nota Seyed Hossein Mousavian, um investigador da universidade de Princeton e membro da equipa que negociou com o Irão em 2005. “Se o seu objectivo foi mais alargado, de causar danos à economia iraniana, então podemos dizer que danificaram a economia iraniana.”
Desde 2005, o Irão adquiriu mais centrifugadoras e mais avançadas, produziu mais urânio enriquecido e até construiu uma nova central subterrânea, lembra Mousavian.
E como sublinha Sadjadpour, “as sanções mais onerosas são as que estão directamente associadas ao comportamento nuclear do Irão, o que explica a boa vontade do regime em reavaliar as suas ambições nucleares”. Sem essa ligação, não teria havido nenhuma mudança. “Não vemos a mesma disponibilidade dos iranianos no que diz respeito à sua abordagem face a Israel ou ao seu apoio a Assad e ao Hezbollah”, compara.
As sanções económicas são um instrumento brusco de efeitos imprevisíveis. Na África do Sul, duraram anos antes de resultarem no fim do apartheid, que provavelmente se deveu mais à revolta interna. As sanções aplicadas à Índia por causa do seu programa de armas nucleares não tiveram qualquer sucesso e acabaram por ser levantadas. As restrições económicas impostas à China pela repressão dos protestos da praça de Tiananmen não levaram à adopção de valores democráticos. E o Presidente Barack Obama acaba de defender o fim do embargo a Cuba em vigor há meio século – o período em que os irmãos Castro estão no poder.
Mas Obama não hesitou em recorrer às sanções económicas nem contra o Irão nem contra a Rússia, em retaliação pela anexação da Crimeia e pelo apoio aos rebeldes do Leste da Ucrânia. Nos dois casos, as sanções foram muito mais eficazes do que anteriores pacotes, porque foram multilaterais e porque a queda do preço do petróleo deixou as respectivas economias ainda mais coxas.
No caso do Irão, uma série de sanções aplicadas pelos EUA e as Nações Unidas em 1979, 1995 e 2006 foram ainda mais apertadas em Janeiro de 2012 quando a União Europeia impôs um embargo ao petróleo iraniano e congelou os bens do Banco Central iraniano. “Foram as sanções que aplicamos que criaram esta oportunidade”, afirmou Obama no seu discurso sobre o Estado da União, em 2014.
Richard Nephew, que em Fevereiro cumpriu dois anos como coordenador da política de sanções no Departamento de Estado, diz que as sanções trouxeram o Irão até à mesa das negociações, mas nem assim os EUA e restantes países que compõem o P5+1 conseguiram ditar os termos da conversa.
“Os iranianos aceitaram negociar porque eles querem realmente resolver o seu problema nuclear. Poderiam tê-lo feito sem as sanções, mas no caso foram as sanções que os motivaram. E as sanções não os levarão a abrir mão do que eles consideram ser os seus interesses nacionais fundamentais”, adverte.
As novas sanções de 2012 destacam-se porque atingiram o fulcro da economia iraniana: a indústria petrolífera. A Agência Internacional de Energia estima que as vendas de petróleo do Irão tenham alcançado um milhão de barris no ano passado. OS EUA conseguiram pressionar alguns dos melhores clientes do Irão – China, Japão, Coreia do Sul e Índia – a reduzir substancialmente as suas importações, e também a reter os pagamentos. Um dirigente chinês admitiu que a dívida de Pequim já ascende aos 25 mil milhões de dólares. Uma fonte governamental citada por um jornal indiano colocou a dívida do país em quase nove mil milhões de dólares.
“As sanções tiveram um impacto muito severo no Irão", diz Bryan Plamondon, economista da consultora IHS. Em 2012, a economia contraiu 7%, e ainda mais 2% em 2013. E apesar de ter registado um crescimento de 3,5% no ano passado, a queda do preço do petróleo deverá atirar a economia de volta à recessão este ano. Segundo o Fundo Monetário Internacional, as receitas petrolíferas iranianas são agora menos de metade do que eram em 2011/12 antes dos preços terem caído 50%.
Um dos principais responsáveis pelo afundamento económico do Irão foi o ex-Presidente Mahmoud Ahmadinejad. Nos seus oito anos de mandato, o Irão arrecadou mais de metade do total das receitas dos últimos cem anos, mas Ahmadinejad esbanjou o dinheiro. Mandou construir habitação social para dois milhões de pessoas, aumentou os subsídios aos consumidores de energia, pressionou os bancos comerciais a financiar projectos inviáveis com motivações políticas. Para pagar isso tudo, mandou o Banco Central imprimir dinheiro. Resultado: a taxa de inflação disparou para os 45% e o colapso económico tornou-se iminente.
Nesse cenário, o desenvolvimento da tecnologia nuclear, mesmo que fosse genuinamente para fins civis, não faria o menor sentido do ponto de vista económico: o sector eléctrico nacional é alimentado pelo baixo custo da produção doméstica de gás natural.
Quando o Presidente Hassan Rouhani tomou posse, em Agosto de 2013, inverteu imediatamente algumas das políticas do seu predecessor. Cortou os subsídios, aumentou os impostos e reduziu a impressão de moeda. A taxa de inflação caiu para um quarto da anterior.
As medidas de Rouhani granjearam-lhe enorme popularidade, e não apenas entre os jovens. Salehi-Isfahani diz que os membros do corpo da Guarda Revolucionária que estão a chegar à idade da reforma estavam preocupados com as suas reformas e com a instabilidade da economia – o seu fundo de pensões era um dos principais investidores na companhia nacional de telecomunicações que foi privatizada.
Rouhani também fortaleceu a economia ao aceitar o Plano de Acção Conjunta para o recomeço das negociações nucleares. Foi o suficiente para aligeirar as restrições aos sectores petrolífero e automóvel. Mas 90% das sanções mantiveram-se em vigor.
Se as sanções fossem totalmente abolidas, a economia iraniana poderia crescer a um ritmo de 5 a 8% ao ano, estima Salehi-Isfahani. “Não se pode dizer que as sanções não resultaram. Mas um país como o Irão não se desmorona facilmente. Existe uma base industrial que, com algum engenho, encontra maneira de produzir para as necessidades do país. O país não cresce, mas também não colapsa”, conclui.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post