Império ultramarino: a contribuição para o crescimento de Portugal
Três investigadores portugueses afirmam que o atraso económico em Portugal não foi nem causa nem consequência, do Império. E que é para dentro do país que se deve olhar com mais cuidado.
Onde os poetas e escritores vêem aventura, romance e glória, os economistas e historiadores vêem oportunidades – ou perigos – para o desenvolvimento. Será que em termos líquidos o Império português foi benéfico para o crescimento económico nacional? Lúcio de Azevedo, escrevendo em 1928, argumentou que o Império foi um sorvedouro de recursos e mão de obra, já que apenas em raros momentos os lucros gerados foram suficientes para cobrir as enormes despesas. Consequentemente, concluiu que, o Império foi uma das causas do atraso do desenvolvimento português. Esta visão foi seguida, de uma forma ou doutra, por vários outros historiadores notáveis do século XX, incluindo Magalhães Godinho e Borges de Macedo, e foi reiterada por estudos em que foi contabilizado como estudo de caso o impacto económico da perda do Brasil.
A visão de Azevedo e outros de que a emigração e perda de mão de obra seriam funestas é difícil de compreender na medida em que, numa sociedade primariamente agrícola, a emigração, ao aumentar o rácio terra-trabalho, deveria aumentar o salário pago aos trabalhadores. Estes, no imediato, ficariam assim mais ricos. Já Oliveira Marques e José Mattoso criticaram a visão original de Azevedo por não ter em conta que a população portuguesa no período da era Moderna sempre cresceu em termos absolutos, pelo menos até finais do século XVII. No entanto, a fertilidade reage aos rendimentos e na verdade é difícil saber qual teria sido a evolução da população e dos rendimentos na ausência do Império.
Em investigação recente, mostrámos que nem o império foi a fonte de inestimáveis riquezas e oportunidades que alguma de tradição triunfalista quer fazer crer – e que o confortável retorno do marido de Constança também poderá sugerir. Nem foi a causa última do subdesenvolvimento português, que já se tornava óbvio em relação às economias mais avançadas da Europa desde meados do século XVIII, e se tornaria absolutamente evidente durante o século XIX. Mas se a visão dos otimistas é demasiado otimista, também a dos pessimistas é demasiado pessimista. A verdade é que os benefícios de um Império não se medem comparando retornos com custos ano a ano ou episódio a episódio, como Lúcio de Azevedo e outros fizeram. Antes, é preciso ter em conta, ao longo do tempo, quais são os benefícios indiretos, manifestados em incentivos à especialização produtiva e comercial, assim como aumentos de urbanização associados a ter relações comerciais privilegiadas com um Império.
Tais benefícios não são fáceis de contabilizar se olharmos para o caso português em isolamento. Só uma dimensão comparativa pode ajudar a saber qual teria sido a evolução da economia na ausência do Império. O método que usámos funciona bem porque assenta na comparação várias potências, coloniais ou não, e para isto são necessários novos dados e métodos estatísticos que tenham em conta que a capacidade de tirar partido de um Império se deve em parte às características específicas de cada país. Além disto muitas das variáveis relevantes para o crescimento como, por exemplo, a urbanização, tanto respondem a, como elas próprias influenciam a relação entre o comércio Imperial e o crescimento. Essa interação dita que seja necessária cautela para distinguir simples correlações – no tempo e no espaço – de relações causais.
Afinal não encontrámos evidência a favor de uma ideia frequente na historiografia portuguesa: a noção da decadência causada pelo Império durante a Idade Moderna (1500-1800.) O impacto do império na economia foi sempre crescente, e no seu auge, no século XVIII, o rendimento dos portugueses teria sido pelo menos um quinto mais baixo se ele não tivesse existido. Assim, as nossas conclusões mostram que o Império promoveu significativamente o crescimento, o que contradiz Wallerstein, um autor de grande impacto na historiografia Portuguesa.
Independentemente de variações no tempo e no espaço – por exemplo a mudança do centro de gravidade do império da Ásia para o Brasil – Portugal manteve quase sempre um volume de comércio por pessoa superior ao das outras nações coloniais Europeias. O império português foi, consistentemente, dos mais bem-sucedidos, o que corresponde aliás à percepção que os portugueses têm do mesmo, mas não os estrangeiros. Por exemplo, na conceituada História da América Latina, publicada pela Cambridge University Press, afirma-se que “as economias coloniais Ibéricas sofreram estagnação de longo prazo”.
Os nossos dados confirmam que até relativamente tarde, Portugal era um país pobre, mas não decadente. Estava ao nível dos da maior parte da Europa. Por exemplo, o rendimento médio português foi – talvez surpreendentemente para muitos – superior ao da zona a que hoje chamamos Alemanha durante todo o período da Era Moderna. Apesar disso, Portugal não convergiu com a Inglaterra e a Holanda, os líderes de então. Será isto, no entanto, uma demonstração de que o Império foi negativo para Portugal? Certamente que não. Tal como no caso da Holanda e da Inglaterra, o Império levou, em Portugal, a aumentos consideráveis da urbanização e crescimento. O Império ajudou Portugal a crescer, mas não o suficiente para travar a divergência em relação a estas potências. Nem isso teria sido possível. Mesmo se o comércio Imperial tivesse duplicado, uma impossibilidade prática, isso não seria suficiente para colocar Portugal ao nível das economias mais desenvolvidas. No longo prazo, o atraso em Portugal não foi nem causa nem consequência, do Império. Em particular, se queremos encontrar uma explicação satisfatória para as dificuldades do período da industrialização é olhando para dentro com mais cuidado, e não para fora, que encontraremos as respostas para esta magna questão do nosso passado económico.
Algumas conclusões revisionistas
– Ao longo do intervalo 1500-1800, este impacto sobre a economia portuguesa foi sempre positivo e tendencialmente crescente em termos relativos.
– No começo do século XVI, estima-se que a diferença, para mais, entre o rendimento per capita da metrópole e o que ele teria sido, hipoteticamente, caso não houvesse colónias era de cerca de 1%. Cem anos mais tarde era de 4% e, à volta de 1700, de 7%. No final de setecentos, o ganho líquido auferido desta forma atingia pelo menos os 20%.
– Isto não impediu, que a economia portuguesa tivesse experimentado um declínio sustentado, em termos reais e per capita, relativamente às economias líderes da Época Moderna.
– Durante os séculos XVI e XVII, o benefício material advindo do império, embora positivo, não foi suficiente para contrariar a tendência da metrópole para a estagnação. A notável expansão ultramarina do século dezoito, surpreendentemente, continuou a não compensar a erosão no nível de bem estar comparado causada, no plano doméstico, por pressões maltusianas e, no plano internacional, pelo arranque das economias mais dinâmicas da Europa pré-industrial.
– Deste modo, Portugal, já nesta época, começava a afastar-se claramente dos Países Baixos e da Inglaterra e iniciava-se o seu atraso económico no muito longo prazo.
(O título e entrada do artigo são da responsabilidade do PÚBLICO.)
O artigo, “The Great Escape? The Contribution of the Empire to Portugal’s Economic Growth, 1500-1800”, foi publicado em Fevereiro de 2015 na European Review of Economic History, da Oxford University Press, onde está em regime de acesso livre.