Morreu Sevinate Pinto, um homem-chave da agricultura dos últimos 40 anos

Ex-director-geral da Comissão Europeia e ex-ministro, Sevinate Pinto foi um incansável lutador pelas causas da agricultura e dos agricultores. Tinha 69 anos e faleceu hoje em Lisboa

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Sevinate Pinto tinha 69 anos Nuno Ferreira Santos
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Em Sines, em 2004 António Carrapato (arquivo)
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Na AR, em 2002 Daniel Rocha
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Durante uma conferência de imprensa na AR David Clifford (arquivo)
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Numa feira de produtos biológicos, no Porto Nelson Garrido
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Nelson Garrido
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Discurso no Congresso da Confederação Nacional da Agricultura Sérgio Azenha
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Na Assembleia da República, em 2002 Dulce Fernandes (arquivo)
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Visita à Tapada de Mafra depois de um incêndio, em Setembro de 2003 Luís Ramos (arquivo)

Nenhum dos grandes debates sobre a condição dos agricultores ou sobre os rumos da política agrícola nacional ou europeia se fez sem a sua intervenção. Foi um dos técnicos que mais contribuiu para o desenho das políticas nacionais nos últimos 40 anos.

Francisco Avillez, professor jubilado, conheceu-o no Instituto Superior de Agronomia nos anos de 1970 e desde então partilharam uma amizade continuada. “O seu contributo para a agricultura foi importantíssimo”, afirma Francisco Avillez. Não apenas pelo seu domínio profundo da realidade do mundo rural, também pelo conhecimento que acumulou sobre a PAC e do efeito das políticas nacionais nas transformações do sector. “Teve sempre uma preocupação muito grande pelos agricultores, para os quais tentou sempre comunicar uma visão optimista”, diz Francisco Avillez. “Reagia muito mal aos ataques que se faziam à agricultura”, em questões como a alegada dependência dos subsídios, “o que lhe causou algumas inimizades”, sublinha Luís Mira, secretário-geral da CAP.

Armando Sevinate Pinto estudou um ano medicina antes de se mudar para o curso de Agronomia, no ISA. Daí saiu para o no Centro de Estudos de Economia Agrária da Fundação Gulbenkian, onde se produziram reflexões e se definiram políticas de fomento para um sector que estava na cauda da Europa. Continuou pelo ministério do Comércio, antes de ingressar no Gabinete de Planeamento do Ministério da Agricultura. Fernando Gomes da Silva, ex-ministro do governo de António Guterres, era o director do gabinete nesse tempo e recorda-o como uma pessoa “estudiosa e um trabalhador incansável”. Quando António Barreto era ministro, costumava pedir a Gomes da Silva para resolver questões difíceis “com os seus ‘sevinates’”.

Já como chefe do Gabinete, Sevinate Pinto teve a dura tarefa de acompanhar o processo de adesão à CEE. “Ele foi um dos principais responsáveis por esse processo”, diz Gomes da Silva. Depois, em 1987, vai para Bruxelas, onde se torna director-geral da Comissão Europeia para o Desenvolvimento Rural. A sua capacidade técnica e a sua temível capacidade de argumentação reforçam a sua capacidade de manobra e permitem-lhe fazer aprovar regulamentos, como o marcante 2080, que se ajustavam na perfeição aos interesses de uma agricultura pobre como a portuguesa. Esse regulamento alargava as ajudas da PAC à florestação de terras agrícolas, o que fez crescer a área plantada com espécies relevantes como o sobreiro ou o azinho.

De volta a Portugal, em 1993, entra como sócio na AgroGés. Em 2002 chega ao cargo de ministro da Agricultura no governo de Durão Barroso. Depois manteve a sua actividade como técnico e como permanente agitador de águas. Torna-se mais tarde consultor de Cavaco Silva, função que abandona após ter subscrito o “Manifesto dos 70” em defesa da renegociação da dívida pública. “Era um homem íntegro e sério, que nunca abdicou de pensar pela sua própria cabeça”, nota Gomes da Silva.

Com as viragens da PAC no sentido do desligamento das ajudas da produção, o que implicaria novas discussões sobre a competitividade agrícola do país em mercados mais abertos, Sevinate Pinto marca a sua oposição, entrando em divergência com personalidades como Gomes da Silva ou Francisco Avillez. Para ele, as ajudas nunca foram um favor ou uma protecção aos agricultores, mas uma compensação pela abertura dos mercados com a qual o sector ficou a perder. “Ele sempre conseguiu perceber muito bem as limitações e vantagens da PAC”, diz Francisco Avillez, pelo que “se discordámos em muitas coisas, no essencial estávamos de acordo”. Também Gomes da Silva afirma que “concordámos muito mais do que discordámos”.

Contundente nas suas opiniões, com um conhecimento vasto sobre todas as dimensões da agricultura, corajoso e livre, Sevinate Pinto aproximou-se nos últimos anos de Paulo Portas e do CDS. “"Muito do que sei e defendo em matéria de agricultura devo ao conselho amigo e inteligente de Armando Sevinate Pinto", afirmou hoje Paulo Portas em declarações à Agência Lusa.

O funeral de Sevinate Pinto está marcado para segunda-feira, às 14 horas, com uma missa na Igreja da Ressurreição, em Cascais.

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