Fiscalistas defendem protecção de dados reforçada para titulares de cargos públicos
Protecção de dados dos cidadãos em geral também deve ser garantida pelo Estado. “Não se entende que todo e qualquer funcionário da AT possa aceder aos dados fiscais de qualquer contribuinte”, diz fiscalista.
Rogério Fernandes Ferreira, presidente da Associação Fiscal Portuguesa, e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, foi um dos primeiros a defender que considera justificável que o sistema informático da administração tributária tenha um sistema de alertas, não para determinadas pessoas, mas para titulares de determinados cargos públicos, à semelhança do que acontece com outras entidades públicas. Para este advogado, este sistema de maior protecção de titulares de cargos públicos, que também são os mais escrutinados, não é incompatível com a existência de regras que protejam os restantes cidadãos de acessos indevidos aos seus dados.
Questionado sobre se deve existir especial reserva no acesso a dados fiscais de pessoas que ocupem determinados cargos públicos, Samuel Fernandes de Almeida entende que o termo não será “especial reserva, mas sim controlo reforçado no acesso a dados fiscais de titulares de cargos públicos e órgãos de soberania, como o Presidente da República, o primeiro-ministro, os conselheiros do STA, entre outros”.
“Com efeito, apesar do princípio da legalidade, igualdade de contribuintes, não me choca, bem pelo contrário, que o acesso a esses dados seja restrito e seja justificado o seu acesso por parte dos funcionários do fisco”, defende este especialista em direito fiscal e sócio da Miranda.
Para aquele advogado, “o acesso mais condicionado, não poderia em circunstância alguma representar qualquer forma de limitação ou condicionamento do funcionamento da Autoridade Tributária, nomeadamente nos seus poderes de controlo e poderes inspectivos. Ou seja, este tipo de medida jamais poderia ser instrumentalizado para subtrair estes titulares das suas obrigações declarativas e do poder inspectivo da AT, nomeadamente em matérias sensíveis como as manifestações de fortuna e controlo de rendimentos no estrangeiro por exemplo”.
O acesso mais condicionado não implica, para Samuel Fernandes de Almeida, que se descure a protecção dos cidadãos em geral. “Não se mostra aceitável que os cidadãos num Estado de direito estejam sujeitos a uma espécie de voyeurismo fiscal. O que ressalta deste caso da lista VIP é que inexistem mecanismos efectivos de controlo de acesso aos dados fiscais dos contribuintes, o que é grave e violador dos seus direitos”, defende o jurista, acrescentando ainda que “não se entende que todo e qualquer funcionário da AT possa aceder aos dados fiscais de qualquer contribuinte”.
Para este especialista, justificar-se-ia a “a criação de graus de acesso, consoante as funções e categorias do respectivo funcionário (…) sendo que nos casos de titulares de cargos públicos esse mesmo acesso seria restrito e condicionado a um número menor de funcionários e com funções inspectivas e de chefia”.
“Não se trata naturalmente de diminuir ou coarctar os poderes inspectivos e o acesso à informação por parte da AT, mas sim de regular o acesso a esses mesmos dados, articulando a defesa dos interesses financeiros do Estado e a reserva da vida privada dos seus cidadãos”, concluiu Samuel Fernandes de Almeida.
Pedro Botelho Gomes, sócio da José Pedro Aguiar Branco e Associados, defende que “o que deve prevalecer sempre e acima de tudo é o princípio do sigilo fiscal”. Adianta que, “do lado dos contribuintes este princípio materializa-se no direito de cada um ter o exclusivo de acesso aos seus próprios dados”. Para este advogado, “questão diferente é o acesso dos funcionários da AT aos dados de todo e qualquer cidadão”.
“Obviamente que qualquer sistema de segurança interna dos serviços no controlo das fichas de dados consultadas e acedidas informaticamente deverá vir a ser implementado rigorosamente nos mesmo termos para todos os contribuintes”, defende.
Para Pedro Botelho Gomes, face à “concentração de serviços de cobrança e cruzamento de dados na AT, sempre com vista à eficácia do combate à evasão fiscal, há necessidade de implementar ferramentas técnicas de controlo que antes não existiam nem eram necessárias nos termos em que o são hoje”.
“Qualquer cidadão perceberá que se tentarmos adoptar uma ferramenta informática que detecte o acesso indevido e abusivo a informações protegidas pelo sigilo fiscal, a eficácia da mesma só pode ser testada, mesmo que em fase experimental, tendo por referência contribuintes alvo de uma especial curiosidade quanto aos seus dados, curiosidade essa que deriva sempre da circunstância de ser figura pública e de reconhecida notoriedade, seja um artista, um futebolista ou um político”, defende. E acrescenta que, “pelo contrário, se a experiência for efectuada por referência ao anónimo pequeno comerciante de uma aldeia do interior do país obviamente que teremos a errónea conclusão de que tudo está a funcionar bem e no período de análise não se registaram acessos e consultas que levantem qualquer suspeita e que ponham em causa o mencionado princípio do sigilo fiscal que se pretende escrupulosamente observado num Estado de direito democrático”.