O rock não tem guitarra eléctrica

São dois, um baixista e um baterista, e foram erguidos a salvação do rock na Inglaterra natal. Estreiam-se em Portugal a 2 de Abril, no Coliseu dos Recreios. Ben Thatcher fala ao Ípsilon

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Foi assim com os Royal Blood, verdadeiro fenómeno recente de popularidade na que se estreará em Portugal dia 2 de Abril (primeira parte dos Bad Breeding), depois do cancelamento de um concerto em Novembro passado, por doença dos músicos. O concerto adiado estava marcado para o Armazém F. Este que chega no início de Abril terá lugar no palco do bem maior, certamente mais histórico, Coliseu dos Recreios  não foi só em Inglaterra que o duo formado pelo vocalista e baixista Mike Kerr e pelo baterista Ben Thatcher foi crescendo em público desde a edição do single Out of the black em 2013. “Nunca tocámos em Portugal. Saber que o interesse por nós, apesar disso, permitiu essa escalada na sala onde se dará o concerto é incrível”, diz Thatcher ao Ípsilon desde o País de Gales, a meio da digressão europeia que os trará a Portugal.

Thatcher é um rapaz muito sereno e muito polido, nos antípodas do ser de força bruta em que se transforma quando se senta à bateria. Para ele, tudo o que aconteceu desde o supracitado primeiro single, seguido de um EP com o mesmo nome, seguido do álbum homónimo lançado em Agosto de 2014, resume-se a “uma sequência de boas decisões”: “A primeira foi eu e o Mike juntarmo-nos novamente para fazer música." A seguinte, manterem-se alheados o mais possível do burburinho criado e concentrarem-se “em compor boa música”. Simples, não é?

Thatcher e Kerr são amigos de longa data. Partilharam algumas bandas no passado, ligação interrompida quando o vocalista partiu para uma estadia de nove meses na Austrália. Quando regressou, Ben foi esperá-lo ao aeroporto. Pouco depois estavam na sala de ensaios. No dia seguinte, davam um concerto para amigos num bar de Brighton. Sim, com os Royal Blood é tudo muito rápido. “Adoramos tocar juntos e sempre tivemos boa química juntos, independentemente do género das bandas em que tocávamos. Mas quando estamos os dois, sai rock’n’roll. É o que nos faz sentir vivos." Mas que rock’n’roll é este?

É rock’n’roll sem guitarras. Mike Kerr toca baixo, cujo som é processado de mil maneiras (e tanto pode soar a guitarra de som grave, fundo, quanto a teclado infernal). É rock’n’roll que se alimenta daquilo que, na alvorada do século XXI, nos mostraram os White Stripes de Jack White (que surge como sombra por trás da voz de Kerr) ou os Queens Of The Stone Age de Josh Homme (também os Royal Blood fazem tangente entre o headbanging furioso e o desejo de abanar a anca com a graciosidade possível). A influência é tão grande, de resto, que enquanto ouvimos o álbum de estreia sentimos por vezes estar perante uma homenagem aos supracitados. Coisas do subconsciente, arriscamos, depois de ouvir Ben Thatcher explicar que a intuição é a verdadeira força-motriz da banda. “Não há nenhuma fórmula para trabalhar uma canção. Podem surgir de tantas maneiras. Limitamo-nos a juntar-nos numa sala e ‘jammamos’. Disso resultam coisas muito más e coisas realmente boas que gravamos nos nossos telefones. O passo seguinte é juntar tudo como num puzzle."

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Obrigado, Jimmy Page
Apesar da porta aberta no último ano ao mundo do estrelato, com um BRIT Award para Melhor Banda Britânica este ano a confirmá-lo, os Royal Blood parecem manter-se, confiando nas palavras de Ben Thatcher, serenamente intocados pelo frenesim à sua volta. Peça-se-lhe, por exemplo, um comentário ao estatuto de salvadores do rock em Inglaterra que a imprensa local lhes tem atribuído vezes e vezes sem conta e Thatcher dirá primeiro o óbvio – “dado que o rock’n’roll nunca morreu, é difícil que ressuscite”. Depois será diplomata apaziguador. “Há tanta música actualmente que, por vezes, não há espaço para algumas bandas aparecerem. Muito do que surge mais destacado é pop e R&B, o que é óptimo, porque é feito por óptimos compositores e, muitas vezes, é música fantástica. É certo que não se vê hoje dar-se tanto relevo ao rock’n’roll ou à música mais pesada, talvez por haver a ideia de que não terá tantos ouvintes, mas a verdade é que há sempre espaço. Nós tivemos um pouco de sucesso e, com ele, conseguimos levar este tipo de música a algumas pessoas mais. Poder ser o veículo disso é fantástico."

O grande fascínio de Ben Thatcher parece continuar reservado para aquilo que descobriu poder criar com Mike Kerr quando decidiram que a banda não precisava de mais ninguém. Vê-o como uma vantagem. Primeiro, porque se conhecem há muito e sabem instantaneamente o que vai na cabeça do outro. Depois, pela simplificação do processo. “Sendo só dois, é muito mais fácil perceber o que não está a funcionar e, consequentemente, também o que funciona na perfeição. Pensa na canção Layla [de Eric Clapton, gravada originalmente com Derek & The Dominoes]. Tem um belo groove, mas o segredo é ‘aquela’ linha de guitarra, não é?”. Layla foi gravada por cinco músicos. Os Royal Blood são apenas dois. “Temos de conseguir o mesmo groove sem que qualquer outro elemento seja acrescentado."

Até agora, a julgar pela reacção que têm provocado, nada parece faltar. Até Jimmy Page é fã. Foi o guitarrista dos Led Zeppelin que lhes entregou o Brit Award o mês passado. E, posteriormente, não poupou nos elogios. “Jimmy Page é uma lenda absoluta e tocou numa das melhores bandas de todos os tempos. Vê-lo a elogiar-nos estava para além dos nossos maiores sonhos. Disse-nos que gostou de nos ouvir e que continuássemos. Foi o melhor conselho que nos podia dar." É o que estão a fazer os Royal Blood. Acabaram de chegar. Continuarão. 

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