Morreu o poeta Prémio Nobel Tomas Tranströmer
O anúncio foi feito esta sexta-feira pelo jornal sueco Svenska Dagbladet citando um membro da Academia Sueca. No seu Twitter oficial, a Academia Sueca expressou pesar e anunciou que o poeta morreu na quinta-feira.
Pensar através de imagens para a poesia, dizia Tomas Tranströmer em muitas entrevistas, um pensamento sempre sublinhado no modo como exerceu o eu discurso poético. Era marcado por uma rara capacidade de iluminar o real nos seus mais pequenos detalhes, através da linguagem poética e uma imaginação prodigiosa onde conjugava o humano mais íntimo com a natureza mais selvagem.
Tomas Tranströmer, 83 anos, sueco, psicanalista, músico, tradutor e poeta que se inspirou em surrealistas como René Char ou no haiku japonês, conseguiu um discurso original, onde se destacava um dom para o uso de metáforas e uma limpidez e concisão linguística que o tornou no mais traduzido dos escritores suecos e lhe valeu o Nobel da Literatura em 2011. Em 1990, foi vítima de um AVC que o impediu de voltar a falar e lhe paralisou o lado direito do corpo. Bastante debilitado, Tranströmer morreu esta quinta-feira.
“O som das palavras dá-me uma imensa alegria”, afirmou em 2011, pouco depois de ter vencido o Nobel, numa entrevista por escrito ao espanhol El País. Havia mais de vinte anos que era incapaz de falar, mas continuava a escrever, numa melodia íntima que aprendeu a apurar desde que leu o poeta Horacio, nas aulas de Latim, tinha uns quinze anos e conhecia a depressão.
As sensações que o assaltaram estão registadas no seu único livro de prosa, As Minhas Lembranças Observam-me.(Sextante, 2012), traduzido por Ana Diniz. É um pequeno volume onde fica clara a dispersão de interesses do jovem Tomas. As ciências, a música – tocava cravo – as obras de arte e uma tendência para a discrição e para o isolamento. Depois da doença que o impediu de continuar a trabalhar, isolou-se numa pequena ilha do mar Báltico.
"Nos poemas de Tranströmer, as imagens poéticas abrem por vezes portas para estados psicológicos e para interpretações metafísicas, havendo uma espécie de 'ideia religiosa' que aflora em alguns versos”, referiu o escritor e crítico literário do PÚBLICO, José Riço Direitinho em 2011, quando se soube que era ele o vencedor do Nobel.
Apesar de muito traduzido, permanecia um nome até então pouco conhecido fora dos circuitos da poesia. Seria o Nobel a abrir as portas à sua edição em Portugal fora de edições colectivas. Só em 2012 teve direito a uma colectânea de poesia pessoal, o livro 50 Poemas (Relógio d’Água), numa tradução de Alexandre Pastor. Na página 17 desse livro lê-se: “Acontece, a meio da vida, a morte bater-nos à porta /e tomar-nos as medidas. Essa visita é esquecida,/e a vida continua. O fato, porém, esse/ é cosido em silêncio.”
Antes, havia poemas soltos. Luís Costa e Vasco Graça Moura fizeram algumas traduções. Entre elas Alfama, poema incluído na colectânea 21 Poetas Suecos (Vega, 1987). “No bairro de Alfama os eléctricos /amarelos cantavam nas calçadas íngremes. / Havia lá duas cadeias. Uma era para / ladrões. / Acenavam através das grades. / Gritavam que lhes tirassem o retrato./ "Mas aqui!", disse o condutor e riu à / socapa como se cortado ao meio,/ "aqui estão políticos" (...)” É um exemplo de que o território poético de Tomas Tranströmer não se limitava à paisagem do norte da Europa. O sul, o oriente – muitas alusões ao Egipto e ao deserto – sugerem uma atenção universal, como universais são os sentimentos e as inquietações da sua poesia.
Natural de Estocolmo, onde nasceu em 1931, Tomas Tranströmer formou-se em psicologia apesar de ter decidido o impulso poético se ter revelado muito cedo. Dizia, no entanto, que precisava de uma profissão que lhe garantisse sustento para a família, mas não o impedisse de escrever. Publicou o primeiro livro 17 dikter (17 Poemas) em 1954 e foi apurando as influências surrealista, modernista e surrealista, numa apropriação muito pessoal.
A experiência como psicólogo, sobretudo a trabalhar em prisões com jovens delinquentes, dava-lhe o contacto com uma realidade que ele trabalhou intimamente passando-a para a poesia, perturbante, incrivelmente dilacerante na sua contenção, de uma musicalidade que se entende quando se sabe da sua paixão pela música. Disse a sua mulher, que ele ouvia Händel quando recebeu o telefonema da Academia Nobel.
Lisboa
No bairro de Alfama os eléctricos
amarelos cantavam nas calçadas íngremes.
Havia lá duas cadeias. Uma era para
ladrões.
Acenavam através das grades.
Gritavam que lhes tirassem o retrato.
"Mas aqui!", disse o condutor e riu à
socapa como se cortado ao meio,
"aqui estão políticos". Vi a fachada, a
fachada, a fachada
e lá no cimo um homem à janela,
tinha um óculo e olhava para o mar.
Roupa branca no azul. Os muros
quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos mais tarde perguntei a uma
senhora de Lisboa:
"será verdade ou só um sonho meu?"
Tomas Tranströmer
Tradução de Vasco Graça Moura