"Aproximei-me tanto da natureza que me tornei natureza"
Há 15 anos que Sebastião Salgado não expunha em Portugal. Regressa com Génesis, uma odisseia fotográfica que o levou a todo o planeta à procura do que é primitivo, dos vestígios do que é mais puro, seja na natureza seja no homem. A exposição já foi vista por 2,5 milhões. Chega a Lisboa no dia 10 de Abril.
Uma gráfica com a maquinaria toda em funcionamento é capaz de não ser o sítio ideal para dar uma entrevista por telemóvel, por isso, quando o telefone tocou outra vez, já Sebastião se instalara noutra sala. E começou a falar, com um ritmo calmo, muito entusiasmado, de como as páginas estavam a sair bonitas, no ponto em que queria que saíssem. Só lamentou a falta de um editor para lançar o livro em Portugal, mas prometeu não desistir de o encontrar. O fotógrafo gosta de estar onde estão os trabalhos que levam o seu nome e este café, embora se ter intrometido no meio de uma odisseia fotográfica chamada Génesis, não foi excepção.
Apesar de no outro da lado linha correr tinta fresca e de estarem a sair páginas quentes com imagens sobre os grãos do cafeeiro, a conversa correrá mais ao sabor daquele que é o mais ambicioso trabalho do fotógrafo brasileiro. Em 2004, quando se encaminhava para os 70 anos e depois de uma pausa na fotografia para respirar, Sebastião Salgado lançou-se numa empreitada de dimensões homéricas que consistia em captar lugares e homens que representassem o que de mais prístino se pode contemplar hoje. O resultado dessa longa viagem, fruto de oito anos de trabalho e de mais de 30 viagens por todos os continentes, é Génesis (da raiz grega "nascimento", "origem"). A exposição que vai ser inaugurada no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, em Lisboa, no dia 10 de Abril, tem a curadoria de Lélia, inclui mais de duas centenas de fotografias e está organizada em cinco secções: Sul do Planeta, África, Santuários, Terras a Norte e Amazónia e Pantanal.
Desde que abriu ao público pela primeira vez, em Londres, em 2013, Génesis já foi vista por mais de 2,5 milhões pessoas em várias cidades em todo o mundo. Sebastião acha que este número não se deve ao seu nome. Acha que se deve à nossa insaciável vontade e ao prazer de vermos o lugar em que vivemos.
Já encontrou o que fotografar depois de Génesis?
Já. Vou publicar um livro sobre o café. Só vai sair agora, mas comecei a fotografar para ele antes do Génesis e depois do Génesis. Já fotografei na Costa Rica, na Tanzânia, na Indonésia... Comecei em 2002 e terminei em 2014. Já fotografei também duas tribos de índios na Amazónia porque estou a fazer um trabalho a longo termo sobre o movimento indígena brasileiro. Não parei de trabalhar.
Parece que a fotografia não lhe sai do corpo, é um vício?
É isso. Mas é o que eu sei fazer, é a minha vida, tenho de o fazer. Ainda agora, por exemplo, nestes dias em que estou muito ocupado com várias exposições a começar, a preparação deste livro e tudo resto, tenho já o pensamento nas próximas fotografias que vou fazer.
O tema do café faz parte da sua vida profissional, já que começou a trabalhar na Organização Mundial do Café (OIC), em 1971. Não deixa de ser um círculo interessante.
O café para mim é muito mais do que este círculo. Como brasileiro é um pouco estranho dizer isto, mas tenho de confessar: não bebo café. Mas o café corre-me nas veias, junto ao meu sangue. Quando o meu pai foi para a região de Aimorés, no final dos anos 30, ele transportava café com mulas. Vinha da serra da Mantiqueira (Minas Gerais) para Aimorés, onde depois o café seguia de comboio para Vitória e daí para exportação. Quando era menino acompanhava o meu pai no negócio em torno do café. Fazíamos grandes caminhadas. Dormíamos nas fazendas de café e trabalhava na apanha dos grãos. Acompanhava todo o circuito. Até que, depois de me ter formado em Economia, fui trabalhar na OIC. Por tudo isto, o café é muito importante para mim. Foi um enorme prazer fazer este trabalho.
Génesis, o primeiro livro da Escritura, remete-nos para uma narrativa sobre a criação do mundo sobrenatural. Mas ao percorrermos este trabalho vemos a natureza e o homem mais pelo lado evolucionista, sendo que as ilhas Galápagos, coração do evolucionismo darwiniano, foram a sua primeira paragem. Sentiu-se a balançar entre o místico e o científico?
Se existe um Deus esse Deus é a natureza. É certo que as teorias que foram criadas em torno da evolução natural são muito estritas, tão estritas como se crê que Deus seja estrito. As regras da natureza são invioláveis, não falham, a justiça que a natureza pratica às vezes custa a chegar, mas ela chega. Estas duas dimensões são muito parecidas. Se existe um enviado pelo senhor da natureza, esse homem é Darwin. Eu não sou crente. Não acredito em religião nenhuma. Mas creio que existe uma ordem criada pela evolução. Escolhi as ilhas Galápagos como a primeira viagem de Génesis para tentar compreender o que Darwin compreendeu. Li o diário dele e pude perceber onde ele esteve exactamente em Galápagos. Tentei ir aonde ele foi, tentei ver a vida que ele viu, ir às crateras e aos vulcões que ele descreveu. Foi muito importante compreender a vida daquelas tartarugas gigantes, das iguanas, sentir a evolução através destes animais. Sentir que a evolução surge de uma maneira diferente em cada uma daquelas ilhas, dependendo de cada um dos seus ecossistemas. Foi uma lição fantástica. Quando a compreendi, fui embora.
Mas é perceptível um apego enorme a este trabalho, como alguém que abraça um dogma. Nesse sentido, acha que este é o seu trabalho mais… religioso?
Não. Não tenho nenhum trabalho religioso. É um trabalho de coração. Aquilo que disse sobre a natureza serve apenas para exemplificar a similitude entre as coisas da natureza e as coisas que se atribuem a um suposto Deus. Mas não tenho religião nenhuma. O que fiz foi dedicar-me muito a este trabalho, da mesma maneira que me dediquei a outros. Faço estas histórias porque tenho prazer em fazê-las, identifico-me com elas.
Depois de décadas comprometido com um olhar mais ligado ao jornalismo, afirma que, desta vez, partiu como um romântico. Foi uma forma de dizer “Quero fotografar com liberdade total”?
Exactamente. Fotografei com liberdade total. Escolhi fazer este trabalho. Escolhi onde ir. Dediquei o tempo que achei necessário dedicar. Fiz uma imensa viagem para conhecer o meu planeta. Dei a mim próprio um presente. Na idade que tenho [71], esse era o maior presente que podia ter. Ver as coisas que fui ver. Conquistei esse direito, corri atrás, preparei o projecto do sonho da minha vida e concretizei-o. Fui capaz, absolutamente.
Mas acha que o jornalismo não lhe daria a liberdade para erguer Génesis como acabou por erguer?
Dariam, porque o que fiz anteriormente também foi feito com esse espírito. Na realidade, jornalismo eu não fiz muito. O trabalho Êxodos foi feito a partir de uma ideia minha e só depois procurei as revistas. Aconteceu o mesmo com Génesis. Nenhuma revista põe um jornalista a trabalhar num projecto durante sete anos. Eu pude fazer porque me organizei para que isso acontecesse. Às vezes faz-se confusão dizendo que eu fiz um trabalho jornalístico. Na verdade eu fiz um trabalho documental. O facto de ter saído em muitas revistas de informação não transforma o meu trabalho em jornalisnmo. Vejo a missão do jornalismo muito conotada com a actualidade e por isso está mais destinada a cobrir um facto muito específico. Todas as histórias que eu fiz - Trabalhadores, Êxodos, Génesis, América Latina, Shael... - fiz porque quis fazer. Há uma pequena diferença aqui.
Nas paisagens deste trabalho, está muitas vezes perto do céu, a ver de cima para baixo. Não receia que estas fotografias pareçam captadas por um gigante para os anões verem? Não receia perder o pé da terra, o contacto directo?
Mas eu fui ver a terra. Caminhei muito, muito. Subi a montanhas… Lembro-me que no Alasca um aviãozinho largava-me num ponto e vinha-me buscar dez dias depois, ou duas semanas depois, dependendo do clima. Ficava em paz, sozinho. Subi àquelas montanhas a aprender a ver o meu planeta, a integrar-me nele. A partir de um momento era parte daquele todo. Quis muito olhar o todo. Fui o anão e o gigante ao mesmo tempo, porque eu também sou natureza, estive ligado a tudo. O nosso planeta é de uma beleza, de uma vastidão, de uma vivacidade… Tudo é vivo. Havia montanhas que imaginava mortas, mas elas são mais vivas do que eu. Se tivesse a capacidade de ver a natureza em milhares de anos, eu perceberia que aquilo tudo era móvel. Montanhas jovens, a crescer, ou velhas, a erodir e a renascer outra vez. Estive em cima de rochas que tinham um dia de existência. Tive de levantar um pé e pousar o outro por causa da temperatura com que vinham dos vulcões. Assim como estive em cima das rochas mais antigas do mundo, que ficam nas montanhas Guiana, na Venezuela. Foi um privilégio.
Diz que com este trabalho experimentou a sensação de entrar no planeta. Em que parte do globo se sentiu mais perto das ideias de Génesis?
Em todos eles. Mas houve uma viagem em que estive muito colado ao planeta. Foi durante uma viagem entre Lalibela, no Norte da etiópia, até ao Parque Nacional de Simien. Fiz 850 quilómetros a pé, caminhando por entre montanhas. Não havia estradas. Demorámos quase dois meses, 55 dias de marcha. Organizámos uma expedição com 18 jumentos, 15 homens, mais um guia, um cozinheiro e um assistente. Éramos 19 pessoas. A Lélia juntou-se depois à expedição. Foi uma viagem muito intensa. Pude sentir não só o planeta, como a nossa existência junto com o planeta. Passei em caminhos por onde o ser humano passa há dez mil anos. Sente-se um imenso poder em lugares assim. Estive muito, muito colado ao planeta.
Costuma falar muito da Etiópia. Tem alguma ligação especial com este país?
A Etiópia é o centro do mundo. Olha… a Etiópia é tão fabulosa! É o único país de África que nunca foi colonizado. Foi invadido mas não foi colonizado. A Etiópia é um país com um sistema global, completo, uma verdadeira cultura, um verdadeiro grupo de pessoas que se formaram há milhares de anos. A sua história, a história de Portugal, do tempo das grandes navegações, está ligada à Etiópia. Nessa altura foram enviados mensageiros por terra que fincaram a viver naquela terra. Nessa longa caminhada, vivi um pouco com os judeus negros da Etiópia, originários da rainha de Sabá e do rei Salomão. Muitos emigraram par Israel nos anos 80, mas ainda ficaram alguns. Aquelas tribos do Norte são coptas e judeus. Portanto, viajei por entre uma sociedade judaica e pré-cristã que há três mil anos já existia como sociedade, e é a mesma que existe ainda hoje naquele país. A Etiópia é de um poder imenso. A natureza é bela… para mim, a Etiópia é o umbigo do mundo.
Uma das coisas para que este trabalho nos chama a atenção é que 46% do planeta permanece intocável ou quase intocável. Isto surpreendeu-o?
Este dado é da Conservation International. Fiquei muito surpreendido e acho que são números que surpreendem toda a gente. Se pensar bem, esta percentagem é fácil de compreender, porque boa parte do planeta é formado por terras altas, terras áridas e terras frias de difícil acesso e difíceis de colonizar. Tudo junto, dá uma visão interessante. Não são as partes principais do planeta. Essas, nós conseguimos destruir. Uma grande parte dos 35 hotspots do planeta, como foram definidos pela Conservation International, já foi destruída. Mas ainda há muita terra virgem.
Ao lermos o texto de Lélia no livro, ficamos com a impressão de que o planeamento e a concretização do projecto foram em si uma odisseia. Quer falar do papel da sua mulher nesta aventura?
Sabe uma coisa: eu gosto muito da minha mulher. O principal acontecimento da minha vida foi o dia em que encontrei a Lélia. Pouco depois de nos termos encontrado, coisa de um mês, já tínhamos uma conta conjunta no banco. Tivemos uma vida de uma comunhão muito forte. Tenho uma grande admiração por ela. Não só porque acho a minha bela, mas também porque é inteligente, porque tem uma energia que pouca gente tem. A Lélia tem uma qualidade ética, um quadro de valores muito importantes. Falamos da fotografia e do fotógrafo, mas não se fala de quem está junto do fotógrafo, aquele que faz a base para que se possam construir projectos de fotografia. É como quando vemos os icebergs, vemos só uma pontinha, mas o que está em baixo é muito mais importante. O ditado diz que atrás de um grande homem está sempre uma grande mulher. Não estou a dizer que eu seja um grande homem, mas quero contrariar este ditado porque o que há é mulheres ao lado os homens. A Lélia sempre andou ombro a ombro comigo. Todas as ideias, todos os conceitos de trabalho, foram feitos com ela. Quando eu estudava Economia, ela estudava Arquitectura. Por coincidência, o arquitecto é o irmão gémeo do fotógrafo. Nós trabalhamos com espaços, com luz. A formação que tive em Economia não foi diferente de parte social da formação que a Lélia teve. Os arquitectos têm uma formação completa. Estudei muito com a Lélia. Estudamos o marxismo, estudamos geopolítica, estávamos no mesmo grupo de estudo. Nós pensámos muito em conjunto. Mais: é ela que desenha os meus livros, é ela que concebe as minhas exposições. A exposição de Lisboa, vai ter a sua curadoria. Ela faz a cenografia, escolhe as cores, experimenta sequências, tamanho das fotografias. Somos uma dupla muito complementar não só no trabalho, mas em tudo na vida.
Então, na prática, ela é a parteira de todos os seus projectos…
É a maior associada que podia ter na minha vida. Somos sócios em tudo.
Porque é que a meio deste projecto decidiu isolar um livro e uma exposição sobre África?
Tenho uma enorme admiração pelo continente africano. Para os brasileiros, África tem uma conotação muito especial, mesmo que a maioria dos brasileiros não a compreenda inteiramente. Há 150 milhões de anos o continente africano e o americano eram um só. Basta olhar para os contornos dos continentes do lado atlântico. Eles encaixam. O que nós no Brasil temos de minerais, do lado africano também tem, os vegetais, apesar de uma certa evolução, também não são tão diferentes assim. Houve um movimento de população importante iniciado com o comércio de escravos pelos portugueses. Uma das grandes componentes raciais brasileira é a africana. Para mim, a África terá sempre uma conotação especial. É o continente principal. Se a Etiópia é o umbigo do mundo, a África é a cabeça do mundo. É um continente completo, em culturas, em línguas, em história. É muito especial para mim.
Alguma vez teve medo enquanto fotografava para este trabalho?
Ah, sim, várias vezes. E corri alguns riscos sem saber que estava a corrê-los. O meu assistente é guia de alta montanha, Jacques Barthélemy. Quando planeámos este trabalho, percebemos que havia riscos que eu desconhecia. Até aqui, conhecia apenas o risco e o perigo da nossa espécie, da agressividade da nossa espécie, mas não conhecia inteiramente os riscos ao enfrentar a natureza. Decidimos ter alguém perto de mim que fosse chegado à natureza. O Jacques continua a ser o meu guia até hoje.
Em África, fomos atacados por elefantes, por rinocerontes… Tive medo.
Em 2013, cumpriram-se 40 anos desde que decidiu ser fotógrafo. Em vez de editar Génesis, o patrão da Taschen propôs-lhe uma obra retrospectiva. Porque recusou?
Eles propuseram-me uma grande edição com todo o meu trabalho do tipo da edição especial que foi feita para Génesis. Mas não quis fazer nessas fotografias - que são imagens sociais, com sofrimento, e trabalho - um objecto de arte. Preferi não fazer.
Depois de Migrações disse ter perdido a fé na humanidade. Génesis serviu para recuperar essa fé ou continua perdida?
Não mudei o meu ponto de vista em relação à humanidade. Acho que a humanidade é uma espécie sem saída. Não somos uma espécie sustentável, destruímos tudo à nossa volta ao ponto de haver lugares onde já não é possível viver por causa da nossa destruição. A única espécie realmente predadora somos nós. Quando terminei Migrações não acreditava na espécie humana, como não acredito até hoje. Fiquei desesperado, porque os humanos eram a minha única referência. Mas depois, quando comecei a replantar uma floresta na nossa quinta no Brasil (Vale do Rio Doce, Aimorés), quando decidimos fundar o Instituto Terra e depois da concretização de Génesis comecei a viver em paz. Compreendi que se a nossa espécie desaparecer, sobreviverão muitas outras, a das formigas, a dos camaleões, a dos rinocerontes... São espécies tão importantes como a nossa.
O problema é que nós estamos a acabar com uma das espécies mais importantes de todas, a das baleias. Os japoneses e os noruegueses estão a terminar com a cabeça de uma cadeia. Não compreendem que não podemos cortar a nossa cabeça. Se não mudarmos o nosso comportamento em relação à natureza, vamos desaparecer. E o certo é que não estamos a mudar esse comportamento, pelo contrário, estamos a usar cada vez mais espaços que não são os nossos.
Mas, hoje, vivo em paz porque me aproximei tanto da natureza que me tornei natureza.
É comum encontrar as palavras "épico" e "grandioso" para classificar o seu trabalho. Entende-as mais como uma elogio ou como uma crítica?
Não me afecta. Quem faz essas críticas não sou eu. Vivi a vida que quis viver. Vi aquilo que quis ver. Fotografei o que me deu prazer ou o que me revoltou, em lugares onde tive o gosto de ir e outros em que tive o desgosto de ir. Há pessoas que acham a minha fotografia profundamente estética e que eu estetizo a miséria. Isso é problema deles, não é meu. Ver uma fotografia é o mesmo que ler um texto de um autor e gostar ou não gostar.
Tem seguido a fotografia contemporânea? Como olha para um certo abandono do documental clássico a favor de outras linguagens mais centradas no conceptual?
A fotografia é uma casa com muitos quartos, tem muitos estilos, muitas formas. A fotografia que me encanta é a fotografia da vida. E os fotógrafos de que gosto são aqueles que se envolvem a longo prazo, que colocam muito deles e da sua própria história, angústia e prazer no seu trabalho. Quando vou ao Paris Photo, noto que 90% das mais de 500 galerias que lá estão mostram sobretudo fotografias conceptuais, que são criadas para serem vendidas como objecto. Mas as fotografias que me encantam são as fotografias do Henri Cartier-Bresson, do Richard Avedon, do Álvarez Bravo, da Graciela Iturbide, são fotógrafos com uma certa maneira de estar vida. Considero essa a verdadeira fotografia. Tudo o resto é um trabalho plástico, vindo de artistas plásticos que usam o suporte da fotografia para exprimir um ponto de vista, a sua criatividade. Como usam o suporte da fotografia, aquilo passa a ser fotografia. Mas para mim, fotografia é outra coisa.
Desde que foi inaugurada, a exposição Génesis já foi vista por quase dois e meio milhões de pessoas. O que imagina que leva um tão grande número de pessoas até às suas fotografias?
Não acho que as pessoas venham à minha fotografia. Acho que são tão vistas pelo que estão a representar, pelo que contam. Temos um interesse muito grande pelo nosso planeta. As pessoas regressam à natureza. O que estamos a fazer em Génesis é uma espécie de estado da arte do planeta. É um corte representativo do que a Terra tem de prístino, de puro. Acho que as pessoas são atraídas nesse sentido. Não vão ver as fotografias do Sebastião Salgado. Elas vão ver o planeta Terra. Claro que haverá pessoas que virão porque gostam da minha fotografia, mas a maioria nem sabe que eu existo.
Escreveu sobre um momento em que viu orcas a caçar as crias de leões-marinhos e da sua tristeza ao ver este lado cruel da natureza. Apeteceu-lhe alguma vez interceder pelo mais fraco? Chegou a fazê-lo em alguma ocasião?
Na natureza não. Ela segue uma regra básica. O predador na natureza preda exclusivamente pela sua necessidade de sobrevivência. Ele não preda para acumular, para fazer negócio ou para alimentar o ego. Preda para existir. Se as orcas caçam o leão-marinho, o leão-marinho caça uma série de seres vivos dentro do oceano. É a cadeia da vida. Intercedi muitas vezes para nós, dentro da nossa espécie. Várias vezes parei e fiz, mas para as outras espécies não. Não tenho esse direito.
Quer partilhar algum caso em que tenha intercedido por alguém?
Prefiro não partilhar.
Há 15 anos que não expunha em Portugal. Como vê este regresso?
Tenho um imenso prazer em regressar. Adoro Portugal. Passou demasiado tempo desde a última vez que aí estivemos.
Qual foi última fotografia que tirou?
Foi da irmã da Lélia que morreu na semana passada no Brasil de uma maneira brutal. Foi atropelada por um carro enquanto caminhava na calçada. Era uma pessoa que eu adorava. Era uma das minhas melhores amigas, era uma irmã muito próxima de Lélia. Sofremos muito com essa morte. Acho que foi a última fotografia que fiz. Foi na terça-feira da semana passada, no Brasil.