Dez medidas para uma nova geração de recursos educativos
Para obter sucesso escolar é obrigatório aproximar a cultura escolar da cultura da juventude. A produção e distribuição de bons conteúdos digitais é, assim, um eixo fundamental dessa aproximação.
Não temos dúvidas que o contexto educacional ganharia muito com uma maior integração da ciência e da tecnologia nos programas de qualificação dos activos humanos, a iniciar em idade precoce, em linha com os novos ambientes e padrões de desenvolvimento da Sociedade do Conhecimento. Torna-se, assim, imperiosa a introdução nos currículos nacionais do ensino básico e secundário, de competências tecnológicas, designadamente no que respeita à produção, difusão e utilização generalizada de recursos educativos digitais (OER – open educational resources), que devem ser politicamente assumidos como uma nova utility.
Em Portugal, com excepção de algumas boas experiências pontuais, a utilização de conteúdos digitais em contexto de ensino-aprendizagem tem sido irregular, inconsequente, não-regulamentada, muitas vezes desactualizada e muito assimétrica. Portugal tem neste domínio muito a aprender e deve inspirar-se nas melhores práticas internacionais com o objectivo de promover a criação de uma nova geração de recursos educativos. Veja-se o exemplo do projecto brasileiro Qranio, que se tornou um caso de sucesso da gamification educacional, motivando as crianças e jovens a aprender através do elemento lúdico. Experiências semelhantes existem também na Finlândia e na Coreia do Sul, países cujos alunos têm dos mais altos níveis de qualificações do mundo.
Está mais do que demonstrado que os conteúdos digitais e multimédia permitem uma exploração profunda, que desperta todos os sentidos para a aprendizagem, por via da sua dimensão não-linear. A interactividade proporcionada pelos recursos educativos digitais pode ajudar tanto na tarefa de ensinar como na de aprender. Todo o conhecimento é mais facilmente apreendido e retido quanto mais activo e participado for o envolvimento dos alunos no processo de aprendizagem. Nos países líderes da indústria global dos conteúdos digitais lúdico-educativos, como é o caso da Finlândia, foram lançadas políticas públicas que permitiram alavancar essas indústrias. Em Portugal, a situação deste sector é caracterizada, por um lado, pelo domínio das grandes editoras e, por outro lado, pela reduzida dimensão empresarial dos estúdios e produtores independentes, quase tudo micro e pequenas empresas. Apesar de se tratar de um sector ainda pouco estruturado e incipiente, tem um potencial criativo e de know-how que representa a base de massa crítica necessária para a criação de uma indústria de produção de recursos educativos digitais, suportada numa política pública direccionada e orientada à sua dinamização e desenvolvimento.
Com esta estratégia pretende-se fortalecer a capacidade de inovação, visando estimular a criação de tecnologias e conteúdos nacionais, estimular o empreendedorismo e o desenvolvimento de empresas nacionais, fomentar a capacidade de empresas portuguesas se tornarem fornecedoras das cadeias de valor globais, promover a internacionalização das empresas e as exportações de conteúdos e atrair e reter editoras e empresas multinacionais capazes de oferecer emprego qualificado, transferência de tecnologia e acesso ao mercado internacional.
Resumindo, para o espaço educativo escolar se tornar um ambiente de troca de saberes e construção de reflexões e práticas transformadoras, torna-se necessária, em articulação fina com as escolas e com as editoras, uma utilização mais eficaz dos conteúdos digitais em contexto de ensino-aprendizagem. Para obter sucesso escolar é obrigatório aproximar a cultura escolar da cultura da juventude. A produção e distribuição de bons conteúdos digitais é, assim, um eixo fundamental dessa aproximação.
Neste sentido, consideramos essencial a criação de uma Estratégia de Recursos Educativos Digitais com os seguintes objectivos:
1. Desenvolver uma indústria portuguesa de recursos educativos digitais – livros digitais interactivos e objectos de aprendizagem em suportes como: vídeo digital, música, aplicações interactivas, interactividade multimédia, videojogos, edutainment – que seja inovadora e competitiva e que esteja ao serviço de objectivos educativos, integrada na política europeia do NEM (New European Media);
2. Promover a desmaterialização dos recursos educativos;
3. Envolver os alunos e os professores no processo de aquisição de conhecimento e de construção de competências, motivando-os através da utilização de conteúdos digitais, mais atractivos e apreensíveis e da criação dos seus próprios conteúdos digitais;
4. Gerar maior empatia entre professores e alunos, com o objectivo de criar um ambiente de maior motivação e de estímulo, que desenvolva o pensamento crítico, a capacidade de solucionar problemas e a criatividade;
5. Criar um ecossistema digital, através de uma App Store, de recursos educativos, bem como uma comunidade de prática, que agregue os esforços de desenvolvimento de novos recursos educativos, certificados por uma entidade reguladora independente;
6. Capacitar activos humanos para criar, gerir e operacionalizar empresas produtoras de conteúdos digitais, bem como assegurar a formação em TIC dos professores, forte aliado deste novo paradigma, ao abrigo do Programa de Qualificação do Portugal 2020;
7. Promover o acesso a financiamento que possibilite o crescimento das empresas e da competitividade internacional, através da criação de um gabinete específico que ajude, entre outras coisas, as empresas a preparar candidaturas aos apoios previstos no âmbito do Portugal 2020.
8. Criar um ambiente de negócios que permita o crescimento sustentado de PME impulsionadas por esta estratégia;
9. Criar procura de conteúdos por meio de compras públicas apoiadas pelo Portugal 2020.
10. Diminuir a factura das famílias no que toca ao custo dos manuais escolares em suporte de papel.
Daniel Adrião – Mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação (ISCTE-IUL)
Tiago Sena – Especialista em digital media e marketing, empreendedor