Há jovens a autoflagelarem-se nas redes sociais
Comportamento pode explicar-se com a necessidade de atenção ou como uma forma de se promoverem junto de colegas e amigos.
O fenómeno de “cyber self-harm” ou autoflagelação online é recente. Quem o pratica publica ou envia mensagens abusivas e insultuosas para os seus próprios perfis nas redes sociais, na maioria das vezes de forma anónima, uma situação que é permitida em algumas redes, como é o caso do Ask.fm, Yik Yak ou Tumblr.
No caso de Hannah Smith, foi isso que aconteceu. A adolescente foi encontrada enforcada no seu quarto. Para trás tinha ficado um autêntico massacre de ataques anónimos feitos online através do Ask.fm, como se veio a confirmar numa investigação aos perfis que a jovem mantinha nas redes sociais.
Os pais de Hannah iniciaram uma campanha a denunciar as fragilidades e perigos que sites como o Ask.fm representam para as crianças. Aquele reagiu garantindo que iria tentar identificar quem, de forma anónima, tinha atentado contra Hannah. A família ficou chocada com os resultados da investigação. Havia de facto mensagens publicadas por terceiros a atacar a jovem, mas a esmagadora maioria eram da autoria da própria. As autoridades concluíram o mesmo quando investigaram o computador e endereços de IP da adolescente.
O que leva um jovem a autoflagelar-se online é complexo e perigoso. Além dos danos psicológicos, existe também o risco de haver riscos físicos. Rachel Welch, directora da organização britânica Selfharm, um projecto que apoia jovens que fazem mal a si próprios física e psicologicamente, já teve contacto com vários casos de autoflagelação e alerta para graves riscos deste tipo de comportamento.
“Esta forma de auto-abuso pode funcionar como um catalisador para danos físicos e fornecer motivação para que continue. Pode tornar-se viciante para alguns fazerem algo como cortar-se, queimar ou arrancarem cabelo, e o período de recuperação pode ser prolongado, com muitas recaídas".
Segundo a Selfharm, a designação de autoflagelação pode representar vários comportamentos, mas no geral pode ser entendida como uma resposta física a uma dor emocional e pode ser viciante. As reacções podem levar à auto-mutilação, mas também a distúrbios alimentares ou abuso de drogas, exemplifica a organização.
Porquê auto-abuso online?
Quando a autoflagelação é feita na Internet, o caso toma outras proporções. Enquanto um jovem se auto-mutila muitas vezes sem ninguém o saber e o faz sozinho; no caso do auto-abuso online o jovem fica exposto online. Danah Boyd, uma das principais investigadoras na Microsoft Research e uma das primeiras pessoas a falar sobre este tema, considera que é “importante salientar que a autoflagelação online não será provavelmente a explicação para a maioria dos comentários negativos anónimos que se fazem, mas o facto de existir deve servir de alerta para todos, e especialmente para os pais que tentam lidar com o bullying”.
Citada pela fundação Cybersmile, uma organização com representação no Reino Unido e nos Estados Unidos que se dedica ao combate do cyberbullying, como uma das principais investigadoras nesta área, Danah Boyd encontrou três razões que podem explicar este tipo de comportamento num jovem: Pode ser um pedido de ajuda para conseguir a atenção dos pais ou de amigos quando se sentem vulneráveis. A importância de ter um estatuto social entre os colegas e amigos. O jovem é tão popular que está a ser alvo de comentários de “invejosos”. E o aumentar da auto-estima pode ser outra razão. Ao despoletar comentários abusivos, o jovem espera receber apoio de amigos através de elogios.
Emma Short, coordenadora do Centre for Cyberstalking Research, diz ter encontrado casos de auto-abuso na rede Tumblr. “A vasta maioria [dos comentários] era de utilizadores a afirmarem que se odiavam. Talvez seja uma forma de conseguir aprovação para os seus sentimentos. Investigações mostraram que se alguém publicar um post negativo online, perto de 30% das pessoas vão juntar-se à acção de bullying, mas perto de 60% vão atacar os abusadores e defender a pessoa alvo de comentários. Pode ser isso que estes jovens procuram”, argumenta a responsável, citada pela Cybersmile.
O fundador desta organização, Scott Freeman, sublinha que estes jovens não pertencem a uma geração de diários em papel, os seus sentimentos mais íntimos são descarregados online. “Estes miúdos vivem todas as suas vidas online, para eles é natural, é aí que devem revelar os seus sentimentos”.
Nos últimos anos, são vários os estudos publicados sobre a autoflagelação. Mas são raros os que se dedicam à temática do auto-abuso online. Um dos mais recentes foi publicado em Junho de 2012 pelo norte-americano Massachusetts Aggression Reduction Centre. Nesse ano, quando entrevistados 617 estudantes, 9% admitiu que já se tinha autoflagelado na Internet de forma anónima.
À semelhança do que sustenta Danah Boyd, o estudo concluiu que entre as motivações apresentadas para o comportamento, os jovens falaram numa tentativa de chamar a atenção de amigos e família, de levar outros a preocuparem-se consigo e a defenderem-nos online.
Ellie começou aos 15 anos
Ellie, agora com 19 anos, começou aos 15 a atacar-se a si própria de forma anónima. Aos 17 anos contou a sua história à organização Selfharm. Criou vários perfis anónimos e escreveu comentários no seu perfil verdadeiro. Acusava-se de ser feia e inútil. “Sabia que era eu que estava a escrever mas no ecrã não era eu. No ecrã era a minha mãe ou a minha melhor amiga”. Ao escrever mal sobre si própria recebeu comentários a alimentar os seus medos mas também mensagens de apoio de amigos. “Os meus amigos tentaram proteger-me e apoiaram-me. Para que tudo continuasse acabei por publicar mensagens negativas contra eles”, contou a jovem.
Rapidamente as coisas descontrolaram-se e Ellie tomou uma decisão. “Estava a matar-me vê-los tão zangados por minha causa e foi aí que soube que tinha de parar. Aquilo não era sobre magoar outras pessoas, era sobre magoar-me a mim própria”.
A investigadora Danah Boyd, também professora na Universidade de Nova Iorque e membro do Berkman Center for Internet and Society, em Harvard, alerta que é necessário perceber a questão antes de partir em busca de respostas e formas de ajudar estes jovens. “Percebi que a maioria dos adultos quer responsabilizar a tecnologia por estes problemas em vez de reconhecer que os jovens estão simplesmente a usar a tecnologia para divulgar uma série de questões sociais e emocionais que enfrentam”, disse à BBC.
A responsável lamenta que os próprios especialistas prefiram falar sobre o que a tecnologia faz aos jovens, no lugar do que torna visível sobre a cultura da juventude. “A tecnologia espelha e aumenta o bom, mau e feio sobre o dia-a-dia mas é mais fácil culpar a tecnologia do que procurar mais profundamente”.