Apoio a idosos no centro histórico do Porto motiva braço-de ferro com a Segurança Social

Impasse entre Segurança Social e freguesias do centro histórico portuense dura há oito anos. Em Junho, as verbas que sustentam vários serviços sociais acabam e 70 funcionários podem ficar desempregados.

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O impasse já dura há oito anos, desde que uma lei ditou o fim das verbas da Segurança Social para as juntas de freguesias de forma a serem reencaminhadas para IPSS. Neste momento, a união de freguesias está num impasse. Por um lado, queria continuar a prestar estes serviços à comunidade; por outro, 70 funcionários correm o risco de perder o emprego
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É o caso de Deolinda Pereira que trabalha há 16 anos no apoio social da junta de freguesia. Cândida Ferreira é uma das utentes do serviço, o qual já recorre há 20 anos. A idosa de 92 anos está acamada e tem Alzheimer
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Na mesma rua, numa ilha, outras duas técnicas entregam o almoço a um casal de idosos. Fátima Carvalho trabalha nisso há 23 anos. “Podemos ficar sem emprego. Há dias em que temos esperança, outros em que estamos desmoralizadas”, conta
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No centro de dia de Santo Ildefonso, o almoço é servido a cerca de 40 utentes, entre idosos e pessoas em situação de pobreza. Alice Quintas trabalha na junta há 35 anos. “Se isso correr mal, vou ter de ir para a reforma, mas não queria ir”, diz
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Na Rua do Paraíso, a creche de Santo Ildefonso é outro dos serviços em risco de ser encerrado. 30 crianças estão a frequentar o espaço neste ano lectivo. Dulce Gregório trabalha na junta há 38 anos e esteve na inauguração da creche. “É uma tristeza enorme, ver isso fechar ou ter de deixar de trabalhar aqui”, lamenta
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Fernando e Ascensão Neves esperam pela chegada do apoio domiciliário na cama. Desde que a mulher caiu e partiu os dois braços, o marido, que sofre de Alzheimer, teme novas quedas e prefere esperar pela presença das técnicas da união de freguesias para começar mais um dia
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Aos 91 anos, Eulália Caldeira vive sozinha numa casa na Rua Fonseca Cardoso. Todos os dias, recebe a visita das “meninas” da junta que lhe dão apoio na higiene pessoal. “Eu vivo aqui sozinha e o que me vale são estas meninas, se viessem pessoas desconhecidas não sei se ia querer”, refere. Arminda Almeida um das técnicas presentes, teme ficar desempregada. “Dizem que sou velha para trabalhar e nova para me reformar”, explica
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O apoio domiciliário a idosos, que engloba ajuda na higiene e entrega de refeições, é uma das respostas sociais desta união de freguesias do Porto que recebe para isso verbas da Segurança Social. Há ainda cinco creches, três centros de convívio e um centro de dia. Segundo dados da autarquia de Fevereiro, são 275 utentes e 70 funcionários que podem ver a sua situação mudar nos próximos meses.

O impasse vem de 2007, quando a lei do financiamento autárquico ditou a transferência das respostas sociais, até então prestadas pelas freguesias, para Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS). No entanto, durante estes anos, os anteriores executivos autárquicos continuaram a receber as verbas da Segurança Social e não passaram os serviços para a gestão de IPSS. Agora, a união de freguesias quer fazer de tudo para que a situação continue assim.

“É uma questão política”, afirma António Fonseca, presidente da união de freguesias que reúne as extintas Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória. “Nós queremos continuar com estes serviços e a Segurança Social tem que se explicar melhor”, diz o autarca. “Estamos aqui a falar do incumprimento de uma lei e a responsabilidade é mútua”, defende António Fonseca.

A União de Freguesias do Centro Histórico do Porto é a única do país que ainda se encontra nesta situação, recebendo por ano cerca de 600 mil euros da Segurança Social. Aos quais, a união de freguesias ainda junta cerca de 400 mil euros para assegurar todas estas respostas sociais.

A Segurança Social está a acompanhar a situação desta união de freguesias e continua à espera de uma solução por parte do executivo. “Da última reunião realizada, em Junho de 2014, ficou acordado que o presidente apresentaria uma proposta até Junho de 2015, com indicação das entidades locais para a transferência das referidas respostas sociais. Contudo, o Centro Distrital do Porto não tem conhecimento de nenhuma proposta efectuada por aquela união de freguesias”, explica ao PÚBLICO, por e-mail, Beatriz Gama Lobo, assessora do Instituto da Segurança Social.

Para tentar travar o fim destes apoios, António Fonseca entregou, em Outubro do ano passado, um pedido de alteração da lei na Assembleia da República, mas ainda não obteve resposta. O autarca vai tentar chegar a um novo acordo com a Segurança Social. “Até esgotar todos os cartuchos”, afirma.

Caso não consiga manter estas respostas sociais, a união de freguesias vai ter de entregá-las a IPSS. “Já temos uma lista de algumas instituições e isso não é um problema, porque as IPSS querem sempre mais utentes, o que corresponde a receber mais apoios da Segurança Social”, explica António Fonseca. O principal problema, para o autarca, é que pode não haver transferência de funcionários, o que deixa os trabalhadores numa situação “complicada”, uma vez que a maioria tem estatuto de funcionário público.

A Segurança Social salienta, contudo, “que todas as outras uniões de freguesias passaram por este processo de adequação à lei sem nunca terem colocado em causa os postos de trabalho dos seus funcionários”.

Para o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas do Norte o melhor cenário seria “reintegrar estes funcionários em IPSS com cedência de interesse público, como aconteceu em outras freguesias”. Orlando Gonçalves, coordenador do sindicato, destaca que “ainda não foram criados mecanismos nas autarquias locais” para o regime de requalificação dos funcionários públicos, pelo que esta não seria ainda uma opção válida. O coordenador do sindicato já pediu uma reunião com o presidente da união de freguesias para debater melhor o problema, mas reconhece a “gravidade” da situação.

Ambiente tenso no terreno
O futuro é incerto para estes 70 funcionários, mas o trabalho tem de continuar. Depois de atender a primeira utente do dia, Deolinda Pereira segue para mais uma casa, mas, antes, diz, com apreensão, “o nosso posto de trabalho está em risco”. “Não sabemos ainda o que vai acontecer e com esta idade onde vamos arranjar emprego?”, questiona a funcionária.

Na mesma rua, pára a carrinha que faz a entrega de refeições. Fátima Carvalho abre um portão verde de ferro e entra numa ‘ilha’ para entregar o almoço a um casal de idosos. A funcionária trabalha há 23 anos na junta de freguesia e já fez vários tipos de serviços sociais. “Adoro o meu trabalho e tenho tentado não pensar no que pode acontecer, mas, é claro, há dias em que temos esperança e outros em que andamos desmoralizadas”, confessa.

Com o aproximar da hora de almoço, o centro de dia de Santo Ildefonso já tem as mesas postas para os cerca de 30 utentes que recorrem a esta resposta social. A notícia de que este serviço pode sair da gestão da junta é tema de conversa e preocupação entre os utentes. “Tenho esperança que isso possa continuar”, diz Alfredo Teixeira, que há nove anos vai ali almoçar. “Estou reformado por invalidez e recebo 260 euros de pensão, se não fosse isso, passava fome”, conta António Barbosa. Entre tabuleiros de sopa, Alice Quintas, funcionária da junta há 35 anos, não esconde a tristeza de ter, provavelmente, de deixar o emprego. “Se isto correr mal, vou ter de ir para a reforma, mas não queria”, lamenta.

O centro de dia é um dos equipamentos da união de freguesia que pode ser cedido para uma IPSS. “Neste caso, coloca-se outra questão: a IPSS até pode ficar com o equipamento, mas a junta vai ter de arcar com as contas e com as despesas de manutenção”, menciona António Fonseca. “As nossas instalações estão em pontos estratégicos, por isso, é mais vantajoso continuarem aqui do que irem para outros pontos da cidade”, diz o autarca, dando como exemplo as creches de Santo Ildefonso, Cedofeita e Vitória, que, actualmente, contam com 54 crianças inscritas. “Se queremos reabilitar o centro do Porto, temos que dar condições para que as famílias possam vir para aqui viver”, realça.

Vínculos cortados
Com esta mudança, “podemos perder profissionais qualificados e com muito mais experiência do que funcionários de outras instituições”, salienta Sofia Lopes, socióloga da união de freguesias. “Mesmo que alguns dos funcionários possam transitar para uma IPSS, eles não vão aceitar perder o estatuto de funcionário público e ter outras condições de trabalho”, declara a responsável.

Esta é a posição de Arminda Almeida que trabalha há 19 anos na junta. “Comecei a trabalhar aqui com 31 anos e agora vejo-me nesta situação com 51. Dizem que sou velha para trabalhar e nova para a reforma”, aponta. “Quero manter o meu posto de trabalho, nem que tenha de fazer barulho”, afirma.

Ao lado de Arminda, está Eulália Caldeira. A idosa de 91 anos recebe apoio domiciliário. “Eu vivo aqui sozinha e o que me vale são estas meninas. A gente habitua-se às pessoas. Se viessem agora outros para me ajudar, não sei se iria querer continuar com isto”, reconhece. Mais do que uma mudança dos serviços, são também vínculos que vão ser cortados. “Para muitos destes idosos, nós somos a única família, somos as pessoas a que eles recorrem quando precisam. Vai ser uma mudança muito difícil para eles”, considera Arminda Almeida.

O presidente da União de Freguesias do Centro Histórico corrobora: “há uma relação de proximidade, afecto e confiança com os idosos”. António Fonseca tem ainda esperança que a situação possa ser resolvida. “Vamos esperar até fim de Abril e princípio de Maio, se até lá não conseguirmos renovar os acordos, vamos, então, apresentar as nossas propostas de IPSS à Segurança Social”, admite.

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