Altos dirigentes confirmam criação de lista VIP mas sem o secretário de Estado saber

Paulo Núncio garante que não aprovou, não deu instruções sobre a criação de uma lista e exige que apresentem provas do contrário. O governante ignorou os pedidos de demissão por parte da oposição.

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Brigas Afonso na AR Miguel Manso

A oposição considera que Paulo Núncio não tem condições para continuar no cargo, depois das três audições realizadas, esta sexta-feira, no Parlamento. Mesmo na maioria há quem duvide que Núncio se possa manter até porque a ministra das Finanças se resguardou num silêncio significativo.

Na última audição, já à noite, o secretário de Estado veio corroborar o que disse anteriormente o director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Brigas Afonso. “Nunca decidi nem nunca aprovei qualquer lista de contribuintes específicos. Em consequência nunca entregue qualquer lista de contribuintes à AT e que nunca dei instruções à AT nesse sentido. Não autorizei nem autorizaria lista específica por seria ilegal e feria princípios constitucionais”, afirmou o governante, acrescentando que se soubesse de tal proposta teria “determinado de imediato o cancelamento”. Só na passada segunda-feira foi informado por Brigas Afonso de que “tinha havido propostas e procedimentos internos sobre esta matéria sem que jamais o Governo ter tido conhecimento delas”. Um “erro”, disse Núncio, mas que o levou a determinar a abertura de um inquérito por parte da Inspecção-Geral de Finanças.

Às sugestões mais ou menos claras de demissão por parte de PS, PCP e BE, o secretário de Estado fingiu não ter ouvido, desde o princípio ao fim da audição. E aproveitou para anunciar a substituta de Brigas Afonso que será Helena Borges, directora regional de Lisboa de finanças. No final das audições, a socialista Isabel Santos considerou haver “matéria foro criminal” e pediu que fosse retirada certidão das declarações para enviar ao Ministério Público.

Quanto à questão de uma lista VIP, Paulo Núncio assumiu ser “visceralmente” contra qualquer diferenciação de contribuintes. Uma posição que diverge da actuação do seu director-geral, que “pôs o lugar à disposição”.

Brigas Afonso, depois de insistentemente interrogado pelos deputados sobre o conhecimento que o governante tinha do caso, acabou por dizer que foi questionado por Paulo Núncio, sobre a existência de uma lista VIP, ainda antes da denúncia pública do caso. “Em meados de Fevereiro perguntou-me se havia lista e eu disse que não. Depois quando o processo se tornou mediático fui ver e havia num processo de auditoria em que essa lista era referida”, afirmou. Esse relatório de auditoria, data de Novembro de 2014, e é referente às consultas que terão havido aos dados fiscais de Passos Coelho e que deram origem aos processos disciplinares aos funcionários.

Relativamente às afirmações feitas por Vítor Lourenço, chefe de divisão de auditoria interna, numa acção de formação de inspectores, em que alertou para a existência de contribuintes mais protegidos, Brigas Afonso atribui a “excesso de zelo”.

Mas o director-geral admitiu que, na mesma altura em que foi questionado por Núncio, decidiu dar “sem efeito” o procedimento informático e os “testes realizados”. Brigas Afonso reconheceu que “era uma matéria muito delicada” e por isso suspendeu os testes. Os testes “eram uma mera análise para avaliar a viabilidade de eficiência de um sistema destes”. Que contribuintes estiveram envolvidos nos testes foi uma das perguntas que ficou por responder. Ao mesmo tempo, o alto dirigente revelou “surpresa” por haver “unanimidade” em rejeitar uma diferenciação de contribuintes em nome de um maior controlo da informação: “Há uma protecção especial de algumas pessoas. Umas têm um polícia à porta, outras não”.

Os deputados foram ainda surpreendidos pela revelação de que terão existido contactos com técnicos da administração fiscal dos Estados Unidos sobre este assunto, mas o antigo dirigente da AT garantiu que eram a “nível técnico” e que não tinham acompanhamento político.

A ideia foi do “técnico”
Se o secretário de Estado só soube na passada segunda-feira, se só aí foi informado pelo director-geral da AT de que havia “procedimentos internos” para um maior controlo de acessos indevidos, então quem foi que deu luz verde a tal sistema? Foi José Maria Pires, subdirector-geral da Justiça Tributária, que por sua vez deu um despacho favorável a uma informação de um “técnico informático”, num dia de Outubro em que estava em substituição legal de Brigas Afonso e depois dessa proposta estar há várias semanas no gabinete do seu superior. Foi essa a versão assumida por José Maria Pires perante os deputados. O subdirector não tinha tutela sobre a auditoria interna nem sobre a informática, mas decidiu, no dia 10 de Outubro, dar a concordância a uma proposta, “uma página e meia”, assinada pelo director da Segurança Informática, Morujão Oliveira, para a criação de uma lista de contribuintes – pessoas e empresas – que fossem mais permeáveis ao acesso por parte dos funcionários da AT. Fê-lo por preocupação com o sigilo fiscal e quando despachava o “expediente do dia”. O sistema pressupunha a “identificação de pessoas e empresas que são mais permeáveis” aos acessos indevidos. Era uma “lista dinâmica, não é estática, dependente do histórico do acesso dos contribuintes”, afirmou José Maria Pires, acrescentando que “essa lista deveria basear-se em critérios que a informação” que despachou “não definia”. Mas sugeria que “numa primeira fase e à falta de melhor critério, se poderiam incluir nesta metodologia os titulares de órgãos de soberania”.

Também José Maria Pires garantiu não ter recebido qualquer lista do secretário de Estado. “Se eu recebesse uma lista vinha aqui dizer que a tinha recebido. Quero dizer, com solenidade, que não recebi nenhuma lista nem do Secretário de Estado ou seja de quem for”, disse. Por sua vez, Paulo Núncio também disse não conhecer pessoalmente Morujão Oliveira, o técnico que fez a proposta inicial. E, num desafio directo a Paulo Ralha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, o secretário de Estado desafiou a que apresentem provas do seu envolvimento. Paulo Ralha disse, na passada quinta-feira, no Parlamento, não ter nada de “palpável” que comprovasse o aval político de Núncio, mas apenas “testemunhas directas” desse envolvimento que identificará em “sede própria”. 

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