Subdirector-geral do Fisco diz não ter recebido instruções de ninguém no caso da lista VIP
José Maria Pires enviou carta aos funcionários do Fisco a explicar as razões que o levaram a pedir a demissão. Governo ainda não adiantou quem o irá substituir.
O pedido de saída do subdirector aconteceu no mesmo dia (quarta-feira) da demissão do director da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), António Brigas Afonso. Com o topo da hierarquia do Fisco a perder os seus números um e dois, a prioridade do Ministério das Finanças é, agora, lançar com urgência do processo de substituição dos dois responsáveis. O PÚBLICO questionou a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais sobre quem assumiria a liderança interina do organismo, mas não obteve ainda resposta.
No texto enviado aos funcionários do Fisco, José Maria Pires afirma que, no dia 10 de Outubro de 2014, na ausência do director-geral, recebeu uma informação da área de segurança informática que apontava para “uma nova metodologia de protecção e segurança dos dados pessoais dos contribuintes”. Dado estar-se perante “um aumento significativo de consultas a dados fiscais sigilosos de contribuintes e de violação do direito ao sigilo fiscal”, o que se propunha era que se “implementassem diversas medidas com um efeito preventivo, no sentido de obstar à violação do sigilo fiscal”.
Na sequência desta proposta, José Maria Pires confirma, como já tinha sido também referido por Brigas Afonso na sua carta de demissão, que pediu aos serviços um relatório “que avaliasse as circunstâncias que potenciam os usos abusivos e indevidos da informação detida pela Autoridade Tributária (AT)” e que até 31 de Dezembro de 2014 fossem apresentadas “medidas para a salvaguarda de um direito fundamental dos contribuintes, que é o direito ao sigilo dos dados pessoais”.
Pires garante que esta foi a única intervenção que teve neste processo, “tendo vindo a saber, mais tarde, que o relatório nunca terá sido apresentado”. E acrescenta que não recebeu instruções de ninguém e que jamais se pretendeu proteger contribuintes contra a actuação da administração fiscal, “mas apenas contra a devassa de dados pessoais e a violação do direito fiscal”.
Esta quinta-feira, na conferência de imprensa após a reunião do Conselho de Ministros, o ministro da Presidência, Luís Marques Guedes, voltou a reafirmar que o Governo não tinha conhecimento de qualquer matéria relacionada com uma eventual "lista VIP" até “esta segunda-feira ao final do dia”, quando o director-geral da Autoridade Tributária, António Brigas Afonso, informou a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, de que, afinal, havia "estudos autorizados por ele ou trabalhos internos" nesse sentido.
"É grave que o senhor director-geral não tenha, nem num primeiro momento, avisado o Governo desse trabalho que estaria a ser preparado a nível da administração tributária”, referiu Marques Guedes, acrescentando que quando, na semana passada, as Finanças lhe perguntaram se havia alguma veracidade nas notícias sobre a alegada lista VIP, Brigas Afonso respondeu que não, com isso induzindo “declarações quer do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais quer do senhor primeiro-ministro que, não sendo declarações erradas, são declarações incompletas".
O ministro da Presidência adiantou que esse "trabalho" terá sido feito "inicialmente, na direcção de auditoria da própria Autoridade Tributária". "E o senhor director-geral terá feito um despacho, de que só na segunda-feira à noite deu conhecimento à senhora ministra (…) favorável a que se continuasse a analisar o assunto e se formasse uma proposta relativamente a esse assunto", completou. Perante isso, "a senhora ministra e o senhor secretário de Estado decretaram de imediato a realização de um inquérito para apurar tudo", acrescentou.
António Brigas Afonso assumiu a liderança da AT em meados do ano passado. José Maria Pires trabalha na área dos impostos desde 1983 e era, desde Janeiro de 2012, o responsável pela Justiça Tributária e Aduaneira. No ano passado, candidatou-se ao cargo de director-geral, mas apesar da proximidade que mantém com o secretário de Estados dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, acabou por não ser o escolhido.
Esta não é a primeira polémica em que se vê mergulhado: há pouco mais de uma década, esteve envolvido no caso do edifício Lanalgo. Pires era o director de Finanças de Lisboa quando o emblemático imóvel, que tinha passado para o Estado no âmbito de uma penhora, foi vendido por 450 mil euros, apesar de ter sido avaliado em quatro milhões de euros.
O instrutor do processo disciplinar que foi aberto a quatro funcionários tributários excluiu o antigo director de Finanças de Lisboa da lista dos responsáveis pelo mau negócio, apesar de este ter admitido, em depoimento, que acompanhou o caso com os visados e de os funcionários terem declarado nos autos que o director participou em todas as decisões. com Lusa