Parafraseando o conhecido verso de Gertrude Stein, Álvaro Siza poderia dizer “uma cadeira é uma cadeira é uma cadeira”. Diz, antes: “Já é difícil desenhar uma cadeira.” Mas não parece. Com esta frase inscrita numa das paredes da exposição Siza Design, que desde 21 de Fevereiro — e até 26 de Abril — preenche a Galeria Municipal de Matosinhos, o visitante é surpreendido com a facilidade com que o arquitecto desenha cadeiras (e seus derivados: sofás, bancos, mochos…) de todas as formas, feitios e utilidades. Desde a cadeira Boa Nova (1956), com que dotou a casa de chá (agora restaurante) com o mesmo nome, a sua muito citada primeira-obra em Leça da Palmeira, até ao sofá Capitone, passando pela cadeiras-de-braços Ramsés, pelos bancos da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto ou o banco de mogno Serralves, desafiadoramente comprido e rente ao chão — que, de resto, acolheu o arquitecto e os inúmeros oradores da sessão de inauguração da exposição em Matosinhos.
“Já é difícil desenhar uma cadeira”, escrevera Siza em 1995, num dos textos que recentemente foram reunidos no livro Siza Design, editado pela ArteBooks (design gráfico de João Machado) com o patrocínio da Escola Superior de Artes Decorativas (ESAD), de Matosinhos, também promotora da exposição, de que a publicação é uma espécie de catálogo.
Trata-se de uma fascinante visita guiada pelas criações de um “Siza faz-tudo”, nesta que é certamente “a maior exposição jamais dedicada ao design” do arquitecto, acredita Maria Milano, comissária da mostra, que destaca o facto de nela ter sido possível reunir um número invulgar de peças, muitas delas provindas de coleccionadores privados e já retiradas da produção industrial.
Há as cadeiras e os sofás — “Num sofá, há essa moleza que o conforto exige, indesenhável, essa moleza rebelde, próxima do informe (…) Mas onde a magia de um sofá desventrado no sótão da avó?”, comparou Siza, em 1995. E há outras peças de imobiliário — as elegantes cómodas de pau amarelo e jacarandá — e iluminação — de novo o candeeiro de mesa Boa Nova e o candeeiro de pé Serralves, ao lado do icónico Ufo, de alumínio e metacrilato… Há as louças e porcelanas (os serviços de jantar Mare e a jarra Cisne), os vidros e pratas (como o cinzeiro para charutos Havana ou o centro de mesa Unda, que faz a capa do livro Siza Design). E há utensílios mais básicos às necessidades de cada dia, como as louças de casa de banho, os cabides, as dobradiças e os puxadores de portas...
E há, claro, os objectos que casam o puro desenho com momentos de puro bom gosto, como a garrafa, o decantador e o cálice de vinho do Porto. Ou o espelho “quebrado” encostado a uma moldura minimal, que concretiza o programa que Siza explicitou em 1992: “O objecto perfeito será um espelho sem moldura nem lapidado — o fragmento de um espelho —, poisado no chão ou encostado a um muro. Nele, um míope observa formas, sombras em movimento, reflexos de reflexos. Assim se alimenta o desenho.”
É assim o design de Siza, aparentemente banal, essencial, disponível… Maria Milano descreve-o à Revista 2: “As peças de Siza manifestam uma espécie de banalidade que torna o objecto tão essencial, tão intemporal, que o torna único. Não são exuberantes, não querem seduzir, nem espantar. São objectos que procuram responder às exigências da própria matéria de que partem: se é madeira, é trabalhado no sentido em que a madeira quer ser trabalhada; se é cerâmica ou vidro, é desenhado no mesmo sentido que a cerâmica ou o vidro pedem.”
Com a (aparente) simplicidade com que fala da sua obra, da arquitectura como do design, na inauguração da exposição Siza explicou não ver “nenhuma diferença substancial entre uma coisa e outra”. “A maior parte das coisas que desenhei, fi-las a pedido, ou a convite, dos clientes para quem fiz projectos de arquitectura.”
Mas sabe-se que a marca Siza no design — “essa procura da essencialidade a partir de um processo de contínua subtracção”, como o descreve ainda Maria Milano — já se libertou da máquina pesada da arquitectura e desde há vários anos voa sozinha.
Ultimamente vem despertando o interesse da China, país que deverá acolher a primeira tradução do livro Siza Design, e de onde o arquitecto tem recebido mais encomendas e atenção, comentando: “Eu, de certo modo, sinto-me também um arquitecto emigrante.”