Papa conclui reforma económica e adopta uma estratégia de confronto
Bergoglio sabe que tem pouco tempo para reformar a Igreja Católica e por isso tem pressa. Tem pela frente uma vasta oposição, como os episcopados italiano e americano. O êxito é incerto e o tempo curto
Um motu proprio (decreto papal) foi assinado a 23 de Fevereiro e tornado público via Internet no dia 3 de Março. Não é assunto pacífico. Há disputas sobre o controlo do Instituto para as Obras de Religião (IOR), o “banco” do Vaticano. Por sua vez, o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, anunciou que está muito próximo um acordo sobre a troca de informações fiscais entre o Vaticano e o governo de Roma para combater a evasão fiscal. Será o fim de uma tradição de secretismo financeiro.
Disse Renzi: “Creio que a Santa Sé está interessada em fazer uma limpeza. Espero, inclusive, recuperar também dinheiro para o Vaticano.” O padre Federico Lombardi, responsável pela comunicação da Santa Sé, confirmou: “Há efectivamente conversações em curso com a Itália no sentido de uma transparência mais completa e de uma troca de informações em matéria fiscal.”
Intrigas na Cúria
Estes não são assuntos pacíficos na Cúria romana. Foi um dos tormentos da parte final do pontificado de Bento XVI, que iniciou esta reforma. Há pontos delicados como o estatuto fiscal das congregações religiosas. Fervilham intrigas. A revista L’Espresso publicou em Fevereiro uma investigação a denunciar “os luxos do moralizador do Vaticano”, o cardeal australiano George Pell, que Francisco encarregou de reformar o IOR.
Lombardi reagiu qualificando estas notícias de “indignas e mesquinhas’’. Para os vaticanistas trata-se de uma luta de elementos italianos da Cúria contra os métodos “anglo-saxónicos” de Pell, que continuaria a ter o apoio do Papa. As finanças do Vaticano são o aspecto mais mediático. Mas a reorganização dos dicastérios (“ministérios”) foi muito tensa: nenhum dignitário quer perder a sua base de poder. Reaparecem títulos como este: “Os lobos regressam ao Vaticano” (El País). No ano passado, o vaticanista Marco Polito publicou um livro sobre a revolução na Igreja, Francesco tra i Lupi (Francisco entre os lobos), cujo título continua a inspirar os media.
Desde o início do pontificado de Bergoglio que a Cúria romana é acusada de tentar travar o seu projecto de “refundação da Igreja”. A oposição não vem apenas da Cúria. O Papa ficou em minoria no sínodo de Outubro sobre a família — mas impôs a manutenção de três dos mais contestados parágrafos no texto final. A segunda parte do sínodo decorre em Outubro próximo. As conferências episcopais dos Estados Unidos, de África e da Polónia já elegeram representantes hostis às reformas morais. O Papa reconhece os factos: “A resistência é agora evidente. Mas é saudável que as coisas saiam para fora.”
Corrida contra o tempo
Entretanto, Francisco fez mais desafios. Em Dezembro denunciou “as quinze doenças” duma Igreja reticente perante as reformas e atingida de “Alzheimer espiritual”. No consistório de Fevereiro privilegiou os “continentes periféricos” à Cúria romana ou aos Estados Unidos. Os novos cardeais são “pastores no terreno” e não “príncipes” da Igreja, o que poderá pesar na sua sucessão.
Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio, explica que “os bispos não gostam de ver posta em causa a sua autoridade” e muitos acusam o Papa de “desverticalizar a Igreja”. Outros dizem que, apesar das directivas de governação colegial, o Papa concentra as decisões nas suas mãos e manifesta um estilo “autoritário” e “populista”.
Francisco escolheu uma “estratégia de confronto”, escreve o vaticanista Henri Tincq. “Fortalecido pela sua popularidade mundial, Francisco não tem medo de nada. Não há outra maneira de reformar em profundidade a Igreja. Aos 78 anos, sabe que tem o tempo contado e goza de uma liberdade de acção que nenhum Papa recente teve.”
Acrescenta Jean-Paul Müller, ecónomo-geral dos salesianos: “Tornou-se muito difícil resistir a este Papa porque, se Bento XVI estava só, Francisco tem o povo do seu lado, o que constitui a sua força. Olhando este Papa tão próximo das pessoas e tão acessível, os altos prelados da Cúria compreenderam que deixaram de ser intocáveis.”
Declara ao jornal La Croix, sob anonimato, um cardeal-eleitor: “Se houvesse uma eleição, ele não seria reeleito.” A sua eleição foi possível depois do “golpe de estado” da resignação de Bento XVI, que pôr tudo em causa. A Igreja sabia que era necessária uma mudança “mas não estava preparada para a revolução multidimensional do Papa Bergoglio”, observa Marco Politi.
Outro vaticanista, Jean-Marie Guénois, admite que Francisco “renuncie num futuro relativamente próximo mas não antes de concluir as reformas de fundo na Igreja Católica, porque se sente investido numa missão.” O êxito é incerto e o grande teste terá lugar já em 2015.