Cavaco diz que o futuro Presidente deve ter experiência em política externa
Veto à adesão da Guiné Equatorial à CPLP teria provocado “danos” a Timor-Leste, justifica o Presidente.
"Assistiu-se neste início do século XXI, a um reforço do papel do Presidente no domínio da política externa de tal forma que esta é hoje uma das suas principais funções", refere o Presidente da República.
Partindo de excertos do livro Os Poderes do Presidente da República, especialmente em matéria de defesa e política externa, publicado pelos constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira em 1991, Cavaco Silva dedica o prefácio do Roteiros IX à diplomacia presidencial.
"Nos tempos que correm, os interesses de Portugal no plano externo só podem ser eficazmente defendidos por um Presidente da República que tenha alguma experiência no domínio da política externa e uma formação, capacidade e disponibilidade para analisar e acompanhar os dossiês relevantes para o país", sublinha Cavaco Silva.
Importância da diplomacia económica
Para o reforço do papel do Presidente da República no domínio da política externa, Cavaco Silva aponta vários factores, nomeadamente a globalização dos mercados e a intensificação da diplomacia económica. Além disso, defende, a crise tornou mais óbvia a importância estratégica do investimento privado e das exportações para o crescimento da economia portuguesa e o combate ao desemprego, obrigando a que se estendesse a presença de Portugal a outros países.
Tal, acrescenta, exigiu contactos políticos ao mais alto nível, com o Presidente da República a reforçar "o seu papel no desempenho dessa tarefa, em coordenação com o Governo, nomeadamente durante as suas deslocações a países estrangeiros e por ocasião das visitas a Portugal de outros chefes de Estado".
Mas, nota Cavaco Silva, a diplomacia económica é apenas uma das múltiplas vertentes da política externa que o Presidente da República promove, com a crise da dívida soberana da zona euro, o aprofundamento da União Económica e Monetária e o programa de ajustamento a serem igualmente razões de reforço da acção presidencial no plano externo.
Recordando a sua participação activa na construção da União Económica e Monetária Europeia e a forma como se debruçou "em profundidade" sobre a sua dinâmica, "tendo proferido múltiplas conferências no país e no estrangeiro, e até mesmo publicado dois livros", Cavaco Silva considera que "estava em condições para, nos contactos internacionais" se "pronunciar sobre as questões de política europeia e a crise do euro, defendendo as orientações que mais se adequavam aos interesses nacionais".
"Face à situação de emergência económica e financeira a que Portugal tinha chegado, houve que mobilizar toda a nossa capacidade diplomática, incluindo a acção do Presidente da República, para explicar, junto das mais variadas geografias, instituições internacionais e líderes políticos, a execução do programa de assistência financeira, em ordem a suscitar a confiança dos nossos parceiros e investidores, ganhar credibilidade no plano externo e conseguir apoios para as posições portuguesas. Fi-lo em dezenas de encontros", lembra.
Por outro lado, acrescenta, o aumento da importância das Forças Armadas como instrumento da política externa, nomeadamente através da participação em missões no exterior, é outra das razões do crescimento do papel do Presidente da República no domínio da política externa.
No texto, Cavaco Silva destaca igualmente a coordenação e concertação com o Governo que a actuação do Presidente da República no plano externo exige, de forma a assegurar "a sintonia de posições entre os dois órgãos de soberania na defesa dos interesses nacionais".
A um ano de completar o seu segundo e último mandato em Belém, Cavaco Silva deixa ainda um guião sobre as "exigências acrescidas" que a diplomacia presidencial coloca hoje em dia ao Presidente da República, na era da globalização em que as relações pessoais entre os líderes políticos, "embora importantes, deixaram de ser por si só suficientes".
Por um lado, refere, o Presidente da República tem de ser capaz de dominar "em toda a sua complexidade as relações bilaterais com os países com que interage". Por outro lado, tem de ter um bom conhecimento dos aspectos essenciais da situação dos países com que Portugal mantém relações privilegiadas e tem de ser capaz de abordar as grandes questões de política internacional da actualidade e estar informado sobre o posicionamento dos seus interlocutores.
Por que entrou a Guiné Equatorial na CPLP?
Os "danos" que provocaria a Timor-Leste um veto de Portugal à adesão da Guiné Equatorial à CPLP é uma das justificações apresentadas pelo Presidente da República para o voto favorável português.
Seis meses depois da decisão, Cavaco Silva explica as razões que levaram Portugal a não ter vetado o pedido na X Cimeira da CPLP, que decorreu em Julho em Díli. Lembrando a "forte hostilidade" que o assunto suscitava em Portugal, com muitos a reclamarem que Portugal vetasse a adesão, Cavaco Silva refere que "Portugal apresentou-se em Díli, como se impõe em política externa, com uma posição concertada entre o Presidente da República e o Governo".
"Sendo a adesão fortemente apoiada pelos países africanos de língua oficial portuguesa, pertencentes ao mesmo espaço regional que a Guiné Equatorial, a que se juntava o Brasil e Timor-Leste, um veto de Portugal poderia, no limite, pôr em causa a própria sobrevivência da CPLP", sublinha, considerando que se Portugal se isolasse face à vontade conjugada de todos os outros Estados-membros, "numa comunidade em que o multilateralismo deve prevalecer sobre o unilateralismo, Portugal veria ainda a sua posição dificultada pelo facto de ser o antigo poder colonial europeu".
Por outro lado, continua, Portugal não podia deixar de ter presente que a cimeira de Díli marcava o início da presidência timorense da CPLP, a primeira vez que Timor-Leste era chamado a desempenhar uma tarefa de tal dimensão internacional.
"Tendo existido um grande empenho das autoridades timorenses na adesão da Guiné Equatorial, um veto português significaria o fracasso da cimeira, com elevados danos reputacionais para Timor- Leste", frisa, recordando que a cimeira era também vista como um teste à capacidade de Timor-Leste para satisfazer as exigências da participação na Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), a que era candidato. Por isso, sustenta Cavaco Silva, "o insucesso da cimeira seria um golpe nos esforços de Timor-Leste para reforçar a sua credibilidade internacional".
"Neste quadro, uma questão não podia deixar de ser colocada: como reagiria Timor-Leste em relação a Portugal, encarado como o responsável pelo fracasso da Cimeira? Qual o efeito que isso teria sobre a difusão da língua portuguesa em Timor?", questiona o Presidente da República, manifestando-se surpreendido com o que facto de que muitos dos que defenderam activamente o veto de Portugal à adesão da Guiné Equatorial tivessem "ignorado os danos para Timor-Leste de uma tal decisão".
"A estratégia de Portugal para a Cimeira de Díli não podia ser a de isolamento em relação a todos os outros Estados-membros. A contestação organizada por alguns sectores da sociedade portuguesa contra a adesão da Guiné-Equatorial devia ser relativizada, porque contrária aos superiores interesses do país e pelos danos que provocaria a Timor-Leste, país a que nos ligam profundos laços de amizade e que temos o dever de apoiar nos seus esforços de promoção do desenvolvimento económico e social", acrescenta.
No prefácio dos Roteiros IX, o chefe de Estado recorda ainda outras deslocações ao estrangeiro, como as visitas oficiais à China, considerada "uma das mais importantes"; Coreia do Sul e Emirados Árabes Unidos e a sua participação na Cimeira Ibero-americana, no México.
As visitas oficiais a Portugal dos chefes de Estado de Singapura, México, Alemanha, Moçambique, Espanha e Indonésia são também lembradas, bem como o X Encontro do Grupo de Arraiolos, realizado em Braga.